“No nosso time hoje, quem são as pessoas que mais aprendem? Onde estão os colaboradores mais curiosos e interessados em adquirir novos conhecimentos?” Essa é uma das perguntas chave para se fazer nos comitês de gestão de pessoas de organizações contemporâneas.
A identificação da capacidade de aprendizagem sempre foi importante para avaliar o potencial de contribuição de um profissional para a organização. Mas, atualmente, passou a ser condição inequívoca para a continuidade das empresas no mercado.
Nunca a forma de viver e trabalhar mudou tão rapidamente quanto agora. Nesse contexto, a relevância da curiosidade é ainda maior, pois ela é o motor da aprendizagem, tem uma função importante de estímulo à neuroplasticidade, que é a capacidade de o cérebro estabelecer novas conexões possibilitando o aprendizado em qualquer fase da vida.
É necessário deslocar do passado para o futuro a previsão de potencial de um profissional. As ações do RH devem mirar especialmente nessa disposição para o aprendizado, tentando identificar o comportamento aberto à aquisição de novos conhecimentos e adaptável às rápidas transformações.
Não faz mais sentido concluir potencial com base apenas em entregas passadas e competências antes demonstradas. As organizações devem encontrar e desenvolver pessoas que possam constantemente abandonar habilidades, perspectivas e ideias obsoletas e aprender novas que sejam relevantes.
O diretor do Center for Creative Leadership (CCL), George Hallenbeck, criou há alguns anos o termo learning agility, a agilidade de aprendizagem. Hallenbeck costuma dizer que aprender é uma escolha e nem todas as pessoas estão dispostas para a aprendizagem. A agilidade de aprendizagem é uma mentalidade, com cinco facetas comportamentais que podem ser medidas e aprimoradas.
Estudos realizados pelo CCL revelam que líderes que persistem em manter comportamentos arraigados ou não percebem as sutilezas em diversas circunstâncias frequentemente enfrentam insucessos, ao passo que líderes que continuam a jornada de evolução prosperam.
Indivíduos mais flexíveis na aprendizagem e com sede de conhecimento ao longo de suas trajetórias ganham musculatura para enfrentar os desafios e obter as respostas necessárias ao longo da carreira.
Só encontra respostas quem sabe perguntar.Exercitar o poder de questionamento de alunos tem, aliás, sido estratégia das melhores escolas do Brasil para incorporar os benefícios trazidos pela inteligência artificial e ferramentas criativas como o Chat GPT. O objetivo é deixar a nova geração mais afiada na arte de perguntar e programar máquinas para obter melhores resultados com a tecnologia.
A primeira faceta comportamental da agilidade de aprendizado é justamente a inovação, definida aqui como a habilidade para perguntar, questionar e desafiar suposições para descobrir novas maneiras de se fazer as coisas.
O segundo componente é a execução. Inclui o aprendizado rápido a partir da experiência com os desafios novos. Isso requer habilidades de escuta, observação de cenários e gerenciamento do estresse causado pela ambiguidade, pois são essas as características que permitem que pessoas com alta agilidade de aprendizado adquiram novas capacidades mais rapidamente e desempenhem melhor do que seus colegas menos ágeis.
A terceira vertente da agilidade de aprendizagem é a reflexão. Indivíduos com agilidade de aprendizado refletem e frequentemente revisitam suas atitudes e reações frente aos novos desafios e experiências. São pessoas com sede de feedback e que dedicam energia ao processamento de informações.
O quarto aspecto essencial da agilidade de aprendizado envolve a busca ativa pela exposição ao desconhecido. Novas experiências nutrem profissionais com alto nível de agilidade de aprendizado.
Diferentemente dos quatro aspectos anteriores, a defensividade, o quinto aspecto medido pelo CCL, é, na verdade, um comportamento destrutivo para a aprendizagem. Pessoas que ficam fechadas ou defensivas quando desafiadas ou criticadas tendem a ter menor agilidade de aprendizado, em oposição aos indivíduos abertos e flexíveis.
Com base nesses elementos, é possível para as organizações estabelecerem, na prática, ações focadas para valorizar pessoas com essas características. A figura do profissional inquieto e questionador não pode ser sufocada pela sua inobservância. Pelo contrário, são para esses potenciais que os holofotes do RH devem estar direcionados.
Extrair ações de desenvolvimento para o futuro a partir de conversas potentes com o time é uma das artes da liderança. Um dos grandes estudiosos do tema carreira, o psicólogo e professor holandês, Wilmar Schaufeli, tem um detalhado trabalho na área de saúde ocupacional sobre a relação direta entre a qualidade dessas conversas e o nível de engajamento dos funcionários.
Entre as causas possíveis de engajamento estão recursos e motivadores como, apoio social de colegas de trabalho, feedback de seu superior, feedback de performance, coaching, autonomia no trabalho, variedade de tarefas e facilidades de treinamento.
Em um mundo cada vez mais dinâmico, o feedback é um dos temas mais relevantes em processos de desenvolvimento de líderes. É uma ferramenta transformadora de desenvolvimento e aprendizagem.
Isso, no entanto, ainda não é uma realidade nas organizações. Necessário ao currículo de treinamento de líderes, o feedback depende de processo, método e envolvimento das partes.
Uma pesquisa do instituto Gartner mostra que 71% das organizações não fornecem o suporte adequado para feedback; O levantamento mostrou também que apenas 48% dos funcionários disseram receber feedback efetivo.
O feedback é uma prática de gestão mais necessária, hoje em dia. Com transformações a todo instante no mercado, os indivíduos precisam ter respostas mais rápidas sobre o que está acontecendo com performance e temas de desenvolvimento. Não é possível que essa seja uma conversa anual, que deixe a equipe num voo cego durante o ano inteiro.
Uma das principais dificuldades da liderança é lidar com a ansiedade de crescimento rápido e o feedback constante alinha as expectativas. A partir de fatos e eventos concretos, o líder consegue conduzir o desenvolvimento numa dinâmica mais realista, evitando a chamada síndrome da superioridade ilusória.
Profissionais que não recebem feedback podem se considerar aptos a atividades para as quais não estão preparados. Ficam com a sensação de que não são reconhecidos.
O líder contemporâneo precisa investir mais tempo contextualizando questões de desenvolvimento, oferecendo as ferramentas para que o time aprenda a construir um projeto de aprendizagem.
Parte dessa agenda de conversas deve incluir os diálogos sobre o futuro. Além de feedback, é missão do líder fazer o feedforward: ajudar esse indivíduo a refletir sobre esses processos, com uma visão de próximos passos de carreira, temas de estudo e questões de interesse.
Nesse contexto, a capacidade de alfabetização sobre futuros, conceito criado pela UNESCO no começo da última década, ganha relevância como competência para desenvolver pessoas. Saber analisar possibilidades para empresa, para o trabalho e para carreira e considerar diferentes cenários, construindo um mapa de possibilidades é uma habilidade cada vez mais necessária para todos, além de condição para a efetividade dos processos de diálogos.
Precisamos dedicar tempo às agendas de futuro na área de desenvolvimento e aprendizagem em carreira e isso passa pelas conversas regulares no presente.
Estamos em uma época propícia às reflexões de carreira. A virada no calendário estimula o traçado de planos e metas para o novo ciclo, mas também traz pensamentos ligados aos alicerces de vida pessoal e profissional
Do ponto de vista da tomada de decisão sobre carreira, o pensamento contemporâneo integra vida e profissão. Decisões profissionais são resultado da consideração de aspectos que vão muito além do trabalho em si e estão ligadas à arquitetura de vida do indivíduo. O life design é a base para a construção da carreira contemporânea.
Nesse contexto, o método organizado de reflexão sobre carreira deve levar em conta diferentes pilares. O protagonismo de carreira, alinhado às necessidades atuais no mundo do trabalho, exige um aparelhamento do pensamento. Planejar a carreira não é simplesmente decidir seus próximos passos, exige do profissional o exame de conjunto de temas, que chamamos de: os seis pilares de carreira.
Dividir facilita a organização de uma estratégia de carreira conectada ao momento de vida do profissional. Esse método é uma poderosa ferramenta de autorreflexão, além de um recurso de projeção de interesses na sua área de atuação e em novas possibilidades. Confira quais os seis pilares e veja como começar essa jornada:
1.Satisfação e propósito
Refletir sobre satisfação e o propósito marca o início da jornada de um protagonista de carreira. Onde você se sente realizado e em quais áreas gostaria ou não de trabalhar?
A construção desse pilar não deve estar atrelada a um cargo específico. Defina áreas de interesse e temas de estudo. A curiosidade é o motor da carreira contemporânea.
2.Saúde física e emocional
Neste segundo pilar, dois olhares se fazem necessários. O primeiro diz respeito ao estado atual e sinais de saúde física e mental. O aumento dos casos de esgotamento profissional e da síndrome de burnout são um alerta sobre a importância do cuidado com esse pilar.
O desenvolvimento comportamental é o segundo olhar possível dentro de um contexto mais amplo do pilar de saúde. Eleja dois aspectos comportamentais para desenvolver e faça um investimento nessa mudança. Leitura, treinamento, terapia, coaching são meios de mudar comportamentos e atitudes.
3.Finanças
O pilar financeiro não se resume ao seu apetite por um aumento de salário. Nesse pilar, analise a maneira como você administra o dinheiro e a influência desse estilo de gestão financeira nas suas resoluções profissionais. Estabilidade financeira traz, inclusive, estabilidade emocional para tomar decisões com mais autonomia.
Quais os investimentos na sua carreira? Refletir sobre o pilar financeiro de carreira é também definir um orçamento para o seu desenvolvimento profissional.
4.Reputação
A marca de um profissional é formada pela soma de entregas e comportamentos. A eficiência no trabalho e a atitude- no time, com as áreas e no mercado – constroem reputação e formam a imagem.
Escolha uma ou duas pessoas da sua confiança, pergunte qual é a imagem formada a seu respeito e veja se está conectada com o que você se propõe a transmitir.
O profissional protagonista é preocupado com reputação. Não se trata de perder autenticidade ou espontaneidade e, sim, de desenvolvimento comportamental. As soft skills ou melhor, a falta delas, é responsável pela maioria dos casos de demissão, confirmando a clássica frase: “profissionais são, via de regra, contratados por sua competência técnica e demitidos por questões comportamentais”.
5.Networking
A articulação interna, o networking dentro da empresa, e a externa, a ações de expansão da rede de contatos profissionais, respondem por esse importante pilar de carreira.
Conhecer outras áreas da empresa, ajudar colegas de outros departamentos é uma ação de protagonismo relevante para a visibilidade profissional além de ajudar na realização do trabalho dentro da organização.
Os profissionais devem buscar networking externo em todos os momentos da trajetória e, não apenas quando estão em busca de recolocação. Cultivar relacionamentos profissionais é colaborar com a sua rede e cuidar de um dos mais importantes ativos de carreira. O bom networking é um eterno equilíbrio entre ajudar e ser ajudado pela sua rede.
6.Competitividade
Os profissionais mais bem sucedidos são fortes em suas áreas de atuação e apresentam boa visão sistêmica. Refletir sobre as oportunidades e tendências de desenvolvimento técnico em subsistemas da área core é o primeiro passo, que deve então, ser acompanhado de um segundo investimento, o de conhecer melhor as outras áreas de uma organização.
A competitividade de um profissional reside então na imagem da letra T: a linha vertical é a área foco e a linha vertical representa as outras áreas que não são o core. O profissional competitivo tem o core bem definido, faz boas entregas, se desenvolve com consistência na sua área e tem uma boa visão geral do negócio.
Defina, portanto, atividades para se aprimorar dentro da sua área foco e busque melhorar a visão sistêmica por meio de uma atitude curiosa e um espírito de aprendiz.
Desafio é incentivar a utilização do benefício, já que muitos temem perder oportunidades na carreira ou desconhecem a importância da igualdade parental
Os últimos anos têm sido marcados por mudanças sociais significativas. Os movimentos pró-equidade ganham força, assim como as novas configurações de família, o que influencia diretamente nas pautas e decisões das companhias. Além do desejo dos homens de passar mais tempo com seus filhos, fundos de investimentos bilionários já reestruturam suas governanças para investir, daqui por diante, em empresas que possuam planos e compromissos ESG, sigla em inglês para environmental, social and governance (ambiental, social e governança, em português). E o “S” engloba práticas de gestão voltadas para diversidade e inclusão. Segundo Rodolfo Canônico, especialista em políticas públicas e diretor executivo da ONG Family Talks, a oferta da licença-paternidade é essencial para criar mais condições para os homens se envolverem no cuidado dos filhos, e decisiva para alcançar a equidade de gênero. “A desigualdade começa neste ponto: a mulher fica até seis meses com a criança; e o homem, apenas de cinco a 20 dias, pela legislação atual”, diz.
Na prática, numa sociedade contemporânea, as empresas não podem mais pensar que só a mulher é responsável pelo cuidado dos filhos. “É preciso quebrar esse paradigma. Nas gerações mais antigas, a responsabilidade de cuidar das crianças era da mãe. Atualmente, o pai é mais participativo, independentemente da configuração familiar”, diz Rafael Souto, presidente da Produtive, consultoria de planejamento de carreira.
E os benefícios de uma agenda conectada ao mundo atual são muitos. Estudos do Boston Consulting Group (BCG) e da Ernst & Young mostram que em 70% das empresas que definiram licença parental, que proporciona às mães e pais um período de afastamento remunerado das atividades profissionais devido ao nascimento do filho ou à adoção, houve uma melhora no moral e no engajamento dos funcionários. Outro levantamento, do Peterson Institute for International Economics, aponta que contar com essa licença é mais efetivo para aumentar a participação das mulheres em cargos de chefia do que criar cotas para esse público (veja mais benefícios no quadro).
Onde trava
Um estudo feito pela Family Talks e 4daddy, com coordenação acadêmica de Camila Pires, Fabián Echegaray e Regina Madalozzo, com 490 empresas e 1.156 brasileiros, mostra que, segundo 59% dos profissionais, a rejeição da pauta de equidade de gênero muitas vezes não vem da empresa, e sim dos gestores. Dessa forma, para que a prática realmente funcione e seja usada, é essencial que as companhias eduquem, orientem e incentivem seus profissionais, começando pelos líderes, para sair do mundo da fantasia no qual apenas oferecer o benefício basta. Isso porque os funcionários temem ficar para trás e perder posição ao se afastar do trabalho. Medo, inclusive, com muito fundamento. “Sabemos que, hoje, muitas mulheres são penalizadas no mercado de trabalho pela decisão da maternidade. É o famoso caso da executiva que retorna da licença e logo depois é demitida”, diz Rodolfo.
Dois pilares devem ser trabalhados para mudar essa mentalidade. O primeiro tem relação com a cultura empresarial. “É essencial contar com um ambiente acolhedor, ou seja, que apoie as pessoas a tirar esse período”, explica Rodolfo. De acordo com ele, esse trabalho começa com a alta liderança, que deve assumir o protagonismo da prática. Os líderes estão convencidos e acreditam no benefício? O vice-presidente, se tiver filho, por exemplo, vai usufruir do afastamento? “Se há gestores que tiveram filhos e não tiraram esse tempo, dificilmente algum homem vai tirar”, diz Rodolfo.
Isso quer dizer que não se trata apenas de uma pauta do RH, e sim da alta gestão, como explica Rafael. “O que forma a cultura não é o que dizemos, e sim o que fazemos. Por isso é tão importante ter a liderança como exemplo”, diz. Segundo ele, com os gestores usufruindo do benefício e retornando ao trabalho sem preocupação, a empresa começa a criar um ambiente de segurança e incentivo. Assim, mais profissionais vão se sentir confiantes a tirar esse tempo, sabendo que não será um atestado de demissão.
O segundo é criar estratégias de acolhimento e inclusão desse público e saber como será o retorno ao trabalho. Rodolfo explica que, apesar de ser um processo difícil e que demanda tempo, a licença-paternidade não é um imprevisto. Pelo contrário, é algo que a empresa sabe com meses de antecedência. “Isso abre espaço para o planejamento interno e a criação de estratégias para a volta do profissional”, diz.
Uma boa forma de fazer isso, segundo Maria Candida Baumer de Azevedo, sócia da People & Results, especializada em carreira e cultura empresarial, é contar com um banco de talentos. Ela explica que a gig economy, ou economia dos bicos, em tradução livre, já está ganhando força, e as companhias podem usufruir dos trabalhadores autônomos para esses períodos. “Ter pessoas de confiança e que já conhecem a empresa no formato de mão de obra flexível pode ajudar muito. Se, para as posições críticas, a empresa tiver opções, nunca será pega desprevenida e conseguirá fornecer o benefício com mais tranquilidade”, diz.
O uso vem do exemplo
A Volvo Cars é uma das empresas que apostam na licença parental de seis meses. A iniciativa é global e está disponível para todos os funcionários, inclusive para casais homoafetivos e em casos de adoção. A única regra é ter ao menos um ano de casa. Eliane Trinca, diretora de RH da Volvo Cars Brasil, explica que o projeto brasileiro se baseou no piloto feito na Europa e envolveu muitas conversas entre as lideranças para implementar o benefício. “Ter o apoio da diretoria é essencial. Por isso, tivemos conversas profundas sobre o tema em mais de um dia para que cada líder se colocasse no lugar de um pai e refletisse sobre os benefícios e impactos da prática”, diz. Segundo ela, houve também um trabalho de conscientização de todos sobre os benefícios da participação paterna nos seis primeiros meses de vida da criança, e o reforço da mensagem da importância do vínculo entre pais e filhos e da necessidade de ações para a equidade de gênero.
Mas ela ressalta que o sucesso da prática vem mesmo com o exemplo. “Logo no início, tivemos um primeiro caso bem complicado, que fez com que todos reconhecessem a importância da licença. Um colaborador e sua esposa grávida pegaram covid-19 e apenas ele se recuperou com mais rapidez. A esposa ficou internada e acabou dando à luz prematuramente. O bebê ficou um tempo na UTI, e a mãe foi entubada por 2 1 dias. “Assim, os primeiros cuidados da criança ficaram sob responsabilidade exclusiva do pai”, diz. Depois de seis meses, o funcionário voltou à empresa e tudo ficou bem.
Segundo Eliane, é importante também realizar um trabalho para que todos se sintam seguros e confortáveis para usufruir da licença. “Para isso, é preciso olhar com os olhos do outro, usando muito a empatia. Quando alguém nos procura dizendo que tem medo de sair, por exemplo, precisamos passar confiança e mostrar que o lugar dele estará lá na volta”, diz. Trata-se de um percurso. Ou seja, é preciso que mais homens usem o benefício e percebam, na prática, que a volta ao trabalho é segura e acontece. “O tema ganha credibilidade com o tempo. Depois de um ano, ninguém mais se questiona se vai sair de licença ou não”, afirma.
Parte da cultura
O que ajudou muito a Volvo Cars a ter resultados positivos é o fato de a prática estar em sintonia com a cultura da empresa. “Desde a fundação da companhia, há a preocupação de as pessoas estarem no centro das decisões e das práticas de gestão. E essa atmosfera permeia todas as nossas ações”, diz Eliane. De acordo com ela, sempre houve uma discrepância legal muito grande entre o tempo de afastamento dos homens, de até 20 dias, e o das mulheres, de até seis meses. “Sabemos da importância da participação dos pais, que precisam estar presentes no núcleo da família”, afirma.
No Nubank, esse olhar para as pessoas também faz parte da cultura e foi essencial para o início da prática, implementada em maio deste ano. Por lá, todos os funcionários, independentemente de como o núcleo familiar é formado, podem tirar 120 dias — além da possibilidade de estender o benefício em 60 dias após o parto. É uma forma de ajudar a reduzir a desigualdade de gênero, ao mesmo tempo que empodera os funcionários a tomar a melhor decisão para suas famílias.
Para chegar ao modelo ideal, a empresa analisou seu público interno e as melhores práticas de benefícios, diversidade e inclusão, em parceria com o grupo de afinidade focado em parentalidade, que se reúne periodicamente para discutir temas importantes e promover espaços de acolhimento. “Além disso, revisamos nossos processos de avaliação de performance para garantir que não haja nenhuma distinção em relação às pessoas que estão tirando suas licenças”, diz Beatriz Barichello, diretora de benefícios do Nubank. A empresa conta, ainda, com uma trilha de desenvolvimento de D&I para todos os funcionários — do operacional à liderança —, e eventos e palestras para promover um nível de consciência interna que faça com que a prática funcione.
Para abrir mão de pais e mães por 120 dias, a empresa realiza planejamentos, sempre preparando os times para cobrir a pessoa que está de licença ou, em alguns casos, contratar mão de obra temporária “Claro que há um custo para a companhia, mas é um investimento válido para nossas equipes e que traz muitos benefícios”, afirma Beatriz. Segundo ela, o objetivo é atrair os melhores e mais diversos talentos, para que eles permaneçam na empresa e possam ser quem são.
A conta fecha
Oferecer a licença parental estendida para os cuidadores traz benefícios também para as empresas. Veja os três principais:
– 80% das companhias observaram melhora na performance das pessoas- 77% dos profissionais dizem que o benefício pode influenciar na escolha da empresa
– 70% das empresas que oferecem licença parental percebem aumento de engajamento dos funcionários
Fontes: Boston Consulting Group (BCG) e Ernst & Young
Escuta ativa
Estudo com 490 empresas mostra a percepção dos profissionais sobre as seguintes afirmações:
– 90% concordam que “homens que ficam com seus filhos desenvolvem um senso de responsabilidade e habilidades parentais maiores em relação aos que voltam imediatamente ao trabalho”
– 86% concordam que “poder acompanhar as primeiras semanas do bebê em casa é transformador para os homens também no lado profissional — eles tendem a ficar mais engajados com a empresa”
– 80% concordam que “gestores bem treinados evitariam a rejeição às pautas relacionadas à igualdade de gênero”
– 79% concordam que “gestores bem treinados evitariam a rejeição às pautas relacionadas à igualdade de gênero”
– 59% concordam que “a rejeição à pauta de igualdade de gênero, muitas vezes, não vem da empresa, e sim do gestor”
Fonte: pesquisa Licenças Maternidade e Paternidade nas Empresas, organizada por Family Talks e 4daddy, com coordenação acadêmica de Camila Pires, Fabián Echegaray e Regina Madalozzo
Da teoria à prática
Três passos essenciais para implementar a licença-paternidade de até seis meses:
Pesquise
O primeiro passo é saber o que os funcionários pensam sobre o assunto. Rafael Souto, CEO da Produtive, recomenda investigar algumas questões: O que faz sentido para os profissionais? Eles querem se afastar por seis meses? Ou preferem um tempo menor? “Há alguns anos defendo a personalização das práticas. Ou seja, oferecer o benefício de acordo com o que cada um busca, que pode ser os seis meses ou uma agenda mais flexível, com uma semana mais curta de trabalho ou uma rotina diária de menos horas”, diz Rafael. Outra possibilidade, na visão de Maria Candida Baumer de Azevedo, sócia da People & Results, é se ausentar pelo período estendido, mas participar de uma reunião mensal de acompanhamento para ficar por dentro do que está acontecendo.
Converse
essencial debater o papel da paternidade e quebrar possíveis preconceitos. Segundo Maria Candida, uma estratégia interessante é apostar nos testemunhos. “O RH pode reunir histórias, como a do pai que não participou das primeiras fases do filho e se arrependeu; do que se descobriu na pandemia e acha que poderia ter feito isso; e até do pai que não acha o afastamento do trabalho importante e por quê”, afirma. “Esses depoimentos desmistificam o assunto. Além disso, quando há casos de executivos que se ausentaram e não tiveram a carreira prejudicada, o uso do benefício é estimulado.” No entanto, ela ressalta que essas conversas devem estar livres de preconceitos, pois cada homem deve fazer as suas escolhas, assim como as mulheres.
Planeje
Além de oferecer o benefício e educar as pessoas, é essencial pensar em ferramentas para torná-lo viável. A empresa precisa avaliar o impacto do afastamento nos negócios, da substituição do profissional em licença até sua reintegração à equipe e a continuidade de seu desenvolvimento na companhia — práticas que valem para todas as pessoas com filhos, independentemente do gênero.
Número de demissões voluntárias aumentou 35% no Brasil, especialmente entre os profissionais mais qualificados, o que leva a questionamentos importantes
De janeiro a maio deste ano, o número de demissões voluntárias – quando o colaborador decide deixar a empresa – aumentou 35% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados, do Caged, levantados recentemente pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjam), mostram que no Brasil a debandada fica restrita ao grupo dos profissionais com maiores níveis de escolaridade e que desempenham trabalho intelectual, passível de modelo remoto.
Na mesma velocidade com que talentos se livram de crachás cresce o desafio de engajamento e retenção. Para além da necessidade de oferta de modelos mais flexíveis de trabalho, que estejam de acordo com o desenho de vida dos profissionais, o tratamento dado ao tema carreira nas organizações precisa passar por uma revisão.
Há alguns anos, pesquisas revelam os vários motivos para um profissional tomar uma decisão de transição. A decepção com os rumos da carreira na organização é um dos principais pontos. Um estudo da consultoria CEB/ Gartner indica esse como o principal motivo para mais da metade (53%) dos entrevistados que trocaram de emprego.
Diante desse cenário, proponho aqui uma série de reflexões aos profissionais de RH, A primeira delas é a respeito do statement de carreira da companhia. Como a organização de vocês trata o tema carreira? Os líderes são estimulados a ter conversas regulares sobre a carreira de seus liderados?
Quando os indivíduos não têm uma percepção de possibilidades na empresa, eles fatalmente se desengajam. Entre os profissionais de alto potencial, o percentual de desengajamento por falta de possibilidades de carreira é ainda maior.
Em muitas organizações, líderes fogem de conversas sobre carreira por enxergar que cargos e salários são a pauta exclusiva desse diálogo, quando, na verdade, esse nem deve ser o tema da conversa.
É o diálogo para discutir estratégias de desenvolvimento que tem o poder de tornar mais nítidos os caminhos e as perspectivas de carreira na organização ao dissipar a neblina que impede a visão de futuro na empresa. O indivíduo é o protagonista da sua carreira, mas RH e líderes são facilitadores desse processo.
Criar um ambiente seguro para que os talentos exponham seus interesses de carreira é fundamental para que o engajamento via diálogo decole. É responsabilidade do RH e da liderança proporcionar a segurança psicológica da qual depende a fluidez dessa conversa.
Na sua organização, os indivíduos se sentem encorajados a falar sobre interesses de carreira, ainda que esses desejos não necessariamente estejam conectados à posição ocupada no organograma? Como são medidas as aptidões e inclinações da equipe? Existe alguma ferramenta de business intelligence para orientar os líderes nessa jornada?
O futuro do RH aponta para a combinação entre a tecnologia e a poderosa conexão humana. Organizações que têm utilizado a inteligência de dados a favor do estímulo ao protagonismo de carreira e da tomada de decisão da liderança estão à frente nesse movimento.
Programas de recrutamento interno são exemplos de estruturas que devem ser adaptadas a esse novo mundo do trabalho. O movimento de troca de área é bem recebido pelos líderes da organização? Em muitas empresas uma mudança de área é um movimento complexo que depende da liberação do líder. Ou pior: é entendido como traição. Já ouvi empresários confessarem que preferiam perder um profissional para o mercado do que para outra área da empresa.
O enraizamento da cultura de comando e controle faz com que o RH tenha de enfrentar a questão da visibilidade das possibilidades de movimentação interna. A realidade em muitas empresas ainda é a necessidade de pedir amém ao gestor da área para demonstrar interesse em novas atividades. A burocracia trava o recrutamento interno na sua organização?
Os indivíduos de alto potencial tomam decisões de carreira sob a ótica de desenvolvimento e livre-movimentação colocando em xeque estruturas arcaicas e velha práticas.
A dimensão social da sigla, que envolve promoção de direitos humanos, inclusão social e equidade, é a mais crítica para os profissionais de RH
Os números envolvidos na sigla ESG mostram a força que a responsabilidade tomou nos investimentos e negócios em todo mundo. Até, 2025 os ativos globais ESG devem ultrapassar US$ 53 trilhões, segundo estudo elaborado pela Bloomberg. De fato, nunca houve tanto interesse em investimento responsável tornando essa agenda uma das tendências de negócios da década.
Manter altos padrões ESG medindo sustentabilidade e impacto ético reduz perfil de risco da empresa. Particularmente crítica para os profissionais de recursos humanos é a dimensão social da sigla – ligada às questões de responsabilidade social e cidadania corporativa – e que envolve promoção de direitos humanos, inclusão social e equidade no ambiente de trabalho e na sociedade.
O cuidado com a carreira dos indivíduos é parte desta agenda. Acolher, desenvolver e promover um ciclo de saída da organização responsável e humanizado são temas importantes do escopo social do ESG.
Se as rápidas transformações e a imprevisibilidade tornam a promessa de cargos impossível, as lideranças têm o papel de discutir e facilitar a construção de carreira de liderados, estimulando o protagonismo. As organizações precisam abandonar a cultura paternalista e adotar a cultura de diálogo e aconselhamento.
Defendo que a área de recursos humanos da organização seja embaixadora dessa mentalidade. Nesse sentido, os rhs devem transmitir aos líderes a mensagem social do ESG. Cumprir o papel de líder como agente de transformação é uma agenda de desenvolvimento da sociedade, em última instância.
Um conceito intimamente ligado ao protagonismo e responsabilidade é o de accountability. A ideia de que é preciso se responsabilizar, prestar contas consciente do impacto individual no andamento de um projeto. Num futuro com a perspectiva crescente da atenção aos itens na pauta ESG, é de se esperar que a régua de accountability suba nas organizações.
Quanto mais altos os níveis de protagonismo, autonomia e empoderamento nas atividades de uma equipe, maior é a necessidade de accountability nas relações. Especialista em cultura organizacional, a britânica Carolyn Taylor defende essa ideia e projeta a ascensão desse conceito nas culturas organizacionais, no livro “Accountability no Trabalho: Como Comprometer-se e Cumprir o Prometido e Conseguir que Outros Façam o Mesmo”.
Protagonismo sem accountability é sinônimo de caos, afirma Carolyn. Ela estuda comportamento corporativo há mais de três décadas é também autora de um dos clássicos de liderança, o livro “Walking the Talk – A Cultura Através do Exemplo” e preside a consultoria Walking The Talk, e tem Google, AXA, Vodafone e Sanofi estão entre seus clientes.
O processo, no entanto, não é individual, segundo a especialista. Você não pode ser accountable por si mesmo e, sim, em relação ao outro, a alguém que solicita que você faça algo. Está presente nas relações entre colegas da equipe, clientes e fornecedores, líderes e liderados. A relevância da liderança nessa engrenagem é altíssima. Líderes dão a estrutura por onde serão feitos os pedidos e as entregas, afirma Carolyn.
A crescente implementação de modelos mais flexíveis de trabalho dá ainda mais força a essa ideia de confiança nas relações de trabalho. Mais do que uma ferramenta conceitual de gestão, responsabilidade e protagonismo devem permear toda a cultura organizacional. É esse o caminho para que os modelos de comando e controle saiam definitivamente de cena, ao menos no que diz respeito aos assuntos de carreira e desenvolvimento.
Escritórios coloridos fazem parte de um conjunto de ações que impulsionam prêmios cosméticos e pouco efetivos. É sobre este tema que o CEO da Produtive, Rafael Souto, fala em novo artigo para a Você RH.
Todos os negócios estão buscando se inserir na nova economia. Ou, no mínimo, estão procurando entender as profundas mudanças do mundo digital e os desafios de transformações que atingem todos os setores empresariais.
Estamos imersos num mar de discursos sobre inovação, colaboração, diálogos e protagonismo dos indivíduos. Mas isso ainda é uma realidade distante na maioria das empresas.
O sistema de comando e controle ainda domina boa parte das organizações. A liberdade festiva e os escritórios coloridos fazem parte de um conjunto de ações que impulsionam prêmios cosméticos e poucos efetivos na realidade dos que trabalham nessas companhias. E esse não é um problema apenas nas empresas brasileiras.
A pesquisadora italiana e professora de Harvard, Francesca Gino, fez um estudo global sobre curiosidade. Nele, ela reforça que a curiosidade é o motor do protagonismo, e que, sem ela, não conseguimos inovar, explorar, fazer a gestão na carreira ou promover transformações.
No levantamento de Gino, 92% dos entrevistados concordaram que a curiosidade é essencial para o novo mundo do trabalho. Mas menos de 10% desse grupo consegue praticar a curiosidade no dia a dia.
Outro dado interessante dela é que a imensa maioria dos entrevistados afirma que não sente confiança para serem curiosos, pois tem receios que seus líderes não gostem de questionamentos. Ou seja, eles seguem fazendo o que chamo de “a deprimente necessidade de agradar o chefe”.
O estudo de Francesca Gino é uma potente demonstração de que os gestores ainda querem pessoas submissas e que tenham obediência cega ao que lhes é imposto.
Construir uma cultura de diálogos e abertura ao novo começa pelas pequenas coisas e ainda é um desafio central para a maioria dos líderes. Sem isso, a nova economia é só um discurso atraente. Não passa de uma embalagem moderna com um conteúdo obsoleto.
O desafio de melhorar a marca empresarial para atrair pessoas talentosas começa pela transformação do modelo mental dos líderes.
Já estamos no final da segunda década deste milênio e muitos gestores parecem estar fixados em algum lugar do século passado. Gerenciar pelo controle, medo e obediência faz parte de um sistema arcaico e que não condiz com a nova dinâmica de trabalho.