Tag Archives: Você RH

Conhecimento que flui na empresa

Em vez de treinamentos pontuais, os ecossistemas de aprendizagem começam a ganhar força nas organizações – saiba como implementar um na sua também.

E nquanto você lê este texto, é bem provável que uma soft skill tenha ganhado força, alguém tenha inventado um método de ensino inovador ou um vídeo sobre o uso do ChatGPT tenha viralizado no YouTube. O cenário é reflexo da pressão por resultados e sua consequência direta: revoluções por minuto na forma de trabalhar. Em algum lugar do mundo, alguém, de algum setor, está precisando adaptar-se a uma inteligência artificial. E para acompanhar tudo isso?

Se a velocidade dessas mudanças corre de um lado, trazendo soluções inéditas, do outro (o de saber lidar com elas), o ritmo parece mais lento. Uma pesquisa feita pela Gartner com mais de 3 mil entrevistados de diferentes países mostra que os funcionários não estão aprendendo rápido o suficiente para acompanhar essas transformações: apenas 45% deles concordam que a organização fornece todo o conhecimento de que precisam. E 65% dizem não ter influência sobre o que estão aprendendo. Segundo a consultoria, apenas uma em cada cinco empresas realmente ouve os colaboradores sobre o que gostariam de aprender e como. Só que, na montanha-russa do contexto atual de negócios, a aprendizagem é vital para amenizar os sustos. E isso passa por mudanças também na forma de receber (e buscar) esse aprendizado.

Os maiores especialistas em educação corporativa já sabem: o processo agora deve ter menos foco nos treinamentos formais, em sala de aula, e mais na formação de um ambiente que permita a fluidez do conhecimento – em diferentes formatos, com diversas origens, de modo que cada um seja professor e aprendiz. Não à toa, as consultorias começaram a falar em ecossistemas de aprendizagem.

O termo busca sua inspiração na natureza: os mais variados tipos de organismos interagem entre si para se alimentar e se transformar em harmonia. No mundo empresarial, essa interação envolve uma diversidade de conteúdos, lugares e fontes de conhecimento, segundo a definição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Aprendizagem informal

“Nesse ecossistema, a área de educação corporativa é só uma das que facilitam a aprendizagem. Ela deve ser promovida por todos os setores da companhia, interagindo entre si. Cada área, com suas especialidades, oferece um conhecimento diferente”, diz Juliana Falcon, consultora da nōvi, estúdio especializado em cultura de aprendizagem. “E todo colaborador é um aprendiz. Ele recebe informações do setor de treinamento do RH, de sua própria área e de outras que tenham interesse em informá-lo. E também tem autonomia para buscar conhecimento.”

Esse ecossistema ainda depende das tecnologias e ferramentas apropriadas e de uma liderança que estimule uma verdadeira cultura de aprendizagem na empresa como parte da estratégia do negócio, quando todos aprendem o tempo todo. Mesmo quando nem percebem isso.

Falcon se refere aqui aos momentos de aprendizagem informal, quando você conversa com um colega sobre algum assunto da empresa, participa de uma atividade de outra área, e mesmo quando lê um livro por prazer.

A diversidade de perspectivas, contextos, histórias e lugares ganha palco. “Esse ecossistema é gerido pelo coletivo. A ideia é ir ‘furando bolhas’ para trazer ideias diferentes, que são essenciais em dia”, diz Reynaldo Gama, presidente da HSM & SingularityU Brazil. Para ele, não dá mais para pasteurizar a educação e ter apenas a sala de aula como padrão, pois dessa forma só uma parte do time vai aprender. “Há pessoas que absorvem mais conhecimento com vídeos, outras com webinar ou PowerPoint.”

Para Juliana Falcon, isso não significa que os treinamentos formais vão desaparecer. Sempre haverá necessidade, em alguns negócios. “O importante é que o RH não deixe de olhar para a aprendizagem que circula pelos corredores nas empresas e está em todos os níveis.”

É necessário ter em mente que existe muito conhecimento dentro das organizações, e isso não tem relação direta com o cargo. “Claro que ter uma governança é importante, mas sem regras impostas”, diz a consultora. “Muitos profissionais que atuam numa fábrica há muitos anos possuem habilidades essenciais, como um mecânico que só de ouvir o barulho de uma máquina sabe que ela está com defeito”, diz. O desafio da liderança é entender como passar adiante esse conhecimento, estimulando as interconexões.

O RH não deve centralizar as ações

Na visão do educador Eduardo Valladares, designer de experiência de aprendizagem, o século 20 ficou muito marcado por obrigações e imposições, e, de certa forma, esse pensamento pautava a atuação das companhias em treinamento e desenvolvimento, e do próprio RH. “É preciso entender, por exemplo, que nem sempre é necessário um MBA de um ano e meio para capacitar um profissional. O aprendizado pode vir em pequenas doses de conteúdo”, diz. A área de recursos deve possibilitar maneiras diferentes de aprender, criar comunidades e incentivar as trocas e a colaboração.

Antes, era comum a gestão de pessoas estruturar ações de aprendizagem de acordo com o cargo de cada um, atuando como um arquiteto que desenha as experiências para toda a empresa. Mas, segundo Vitorio Bretas, diretor de pesquisa e assessoria da Gartner, com a rápida evolução de habilidades, e profissionais com perfis distintos, ficou muito difícil ter o comando centralizado de toda a capacitação. “Agora é preciso estimular a autonomia e o protagonismo dos funcionários para que eles identifiquem o que devem aperfeiçoar e a melhor maneira de fazer isso”, afirma.

A Algar Telecom tem investido nessa mudança. Em 2021, passou a dar um novo significado ao que é aprender, estimulou as oportunidades de ensino informais e motivou os colaboradores a ter autonomia sobre sua jornada como aprendizes. “Percebemos que precisávamos reposicionar a educação corporativa, identificar novos papéis e mapas de aprendizagem diante do contexto do grupo e do mundo”, explica Thais Pazini, líder de cultura e aprendizagem da UniAlgar.

Segundo ela, o modelo estava travado na mentalidade antiga, atuando muito sob comando e controle, lista de presença e trilhas padronizadas. “Nossa estratégia foi desconstruir velhas ideias e apontar caminhos para que o profissional seja protagonista do seu desenvolvimento.”

Com o mote “Se não te dissessem o que aprender, o que você aprenderia?”, a empresa começou a estruturar um hub de aprendizagem, para facilitar a busca das fontes de conhecimento – a ideia é baseada no livro Se Joga que Aqui Tem Rede: Um desmanual para comunidades de aprendizagem autodirigida, de Alex Bretas com o apoio de Conrado Schlochauer.

Aprendizado que vem de experiências pessoais

Dois passos foram importantes para a Algar iniciar esse processo. Começou pela campanha Aprender a Aprender, para conscientizar as pessoas da importância da mudança, estimular a autonomia e orientar as lideranças. O outro foi a realização do documentário Um Eterno Aprendiz, gravado num ambiente de metaverso com Luiz Alberto Garcia, presidente do conselho de administração. “Ele é uma referência. Tem 86 anos e ainda coloca uma mochila nas costas para ir ao Vale do Silício aprender”, diz Pazini.

Garcia compartilha ali que a maior parte de seu conhecimento não veio das salas de aulas, mas, sim, de viagens, conversas e interações. O executivo faz parte, inclusive, do Algar Top Voice, criado para reconhecer os colaboradores que mais geram insights e compartilham aprendizados.

A empresa conta, também, com uma ferramenta de pedidos e ofertas. O funcionário pode solicitar por ali uma ação de desenvolvimento, baseada no que precisa aprender, e a tecnologia realiza o match com quem pode ofertar esse conhecimento. “Nosso objetivo é fomentar um ambiente vivo de aprendizagem, no qual as pessoas possam se conectar e fazer curadoria do conteúdo, aproveitando todo o capital intelectual que temos internamente”, completa a executiva, ressaltando que nos dois últimos anos não aconteceu nenhum treinamento formal na companhia, só ações informais.

O papel da liderança diante de tanta autonomia

O líder deve ser um apoiador desse movimento, incentivando a autonomia do time, pois um ecossistema de aprendizagem só existe se cada indivíduo se sentir responsável pelo próprio desenvolvimento, como explica Rafael Souto, presidente da consultoria Produtive. Ele ressalta que, para isso, é essencial sair do modelo de gestão de comando e controle – aquele que estabelece o que o profissional deve fazer e quando, como se as pessoas precisassem ser guiadas o tempo todo –, e seguir para um que promova reflexões, escuta ativa e colaboração.

Na Sicredi, há um movimento para fomentar o aprendizado autodirigido e tornar o líder um apoiador do processo. “Só a pessoa sabe o que busca para a sua carreira e quais conhecimentos deseja adquirir. Por isso, passamos a pautar nossa estratégia com perguntas como ‘O que faz sentido para aquele profissional?’, ‘Qual o melhor formato de captura de informação?’”, conta Rossana Bitello, gerente de desenvolvimento de pessoas da companhia.

Segundo ela, a ideia é estimular os profissionais a exercer o protagonismo, entendendo que as escolhas são deles. “Ao RH e aos líderes cabe oferecer ferramentas e ajudá-los nesse processo.”

Essa postura faz parte de um projeto para disseminar o ecossistema de aprendizagem na companhia. O primeiro passo foi ouvir todos os colaboradores. “Fizemos uma pesquisa online com mais de 2 mil funcionários para entender como viam a educação oferecida pela empresa, o que queriam aprender e de que maneira. “Não se trata de criar algo baseado no que o RH ou a liderança acha melhor, mas, sim, no que faz sentido para todos”, diz a gerente.

Depois a empresa realizou entrevistas individuais com diretores de cada central e nove workshops. Com os dados em mãos, começou o processo de criação conjunta das ações. Rossana Bitello destaca um fator essencial: a atuação do RH e dos líderes como incentivadores, sem estipular qual treinamento fazer e quando.

O que importa, afinal, é que todos alimentem esse ecossistema, com a aprendizagem permeando todos os ambientes, partindo de todas as pessoas, chegando a todos, não importando a hierarquia de cada um. É o conhecimento como algo vivo, onipresente, sempre ao alcance dos profissionais que têm a inteligência de admitir que não sabem tudo. Esses, aliás, já aprenderam a mais importante das lições.

 

 

 

Agilidade emocional no mundo corporativo

Numa organização, devemos encarar a diversidade como um conceito que vai além da pluralidade de pessoas. A pesquisadora Susan David, autora do livro Agilidade Emocional defende a abertura das empresas à diversidade emocional presente em cada indivíduo, como mecanismo de engajamento e inovação.

Ao longo de suas pesquisas, Susan percebeu que a dedicação e a criatividade florescem em ambientes de trabalho em que os líderes têm uma consideração personalizada em relação às necessidades dos colaboradores. São gestores que conseguem adaptar sua comunicação de acordo com o perfil dos colaboradores, permitindo que eles sejam emocionalmente genuínos. Segundo ela, pessoas, equipes, organizações, famílias e comunidades mais ágeis e resilientes são construídos com base na abertura às emoções humanas.

Essa personalização do relacionamento é uma das características de quem tem a chamada agilidade emocional.  Definida por muitos como a próxima inteligência emocional, essa agilidade “harmoniza” a convivência do indivíduo com emoções e pensamentos muitas vezes incômodos e desagradáveis, tais como raiva, vergonha, sensação de fracasso ou de estagnação.

Não se trata de anular, abafar ou extinguir uma emoção incômoda e, sim, reconhecê-la.  Nomear corretamente os estados emocionais é o primeiro passo para conseguir se desvencilhar do domínio da emoção sobre a razão. As emoções, diz Susan, são mestras, e contêm informações úteis para descobrir o que importa para o indivíduo e para os outros, daí a importância da agilidade emocional em líderes.

Lideranças que conseguem se adaptar ao estilo de seus liderados, criando uma conexão mais profunda, constroem ambientes com segurança psicológica. Essa aliás é uma das premissas para a inovação nos negócios, segundo a professora de Harvard, Amy Edmondson.

Seu trabalho está no livro Organização Sem Medo: criando segurança psicológica no local de trabalho para aprendizado, inovação e crescimento. Nesta obra ela detalha a importância da relação de confiança entre as pessoas para que os colaboradores não tenham medo de se manifestarem e se sintam confiantes para discordar de seus pares e livre para inovarem.

A meta suprema da agilidade emocional é manter ao longo da vida um sentimento de desafio e de crescimento vivo e saudável, segundo Susan. Nesse sentido, a agilidade emocional se aproxima do conceito de growth mindset, a mentalidade de crescimento definida pela professora de Stanford escritora Carol Dweck, no livro “Mindset: a nova psicologia do sucesso”.

As pessoas com mentalidade de crescimento acreditam no seu potencial de aprendizado, aprendem com erros e encaram desafios como oportunidades de aprender. São opostas às pessoas com modelo mental mais rígido – fixed mindset – que têm uma ideia definida sobre si mesmas e não querem se arriscar.

Se uma pessoa com modelo mental fixo se considera inteligente e se depara com um problema difícil, ela o abandona, com medo de perder seu status de inteligência. Já as pessoas com mentalidade de crescimento, aprendem com problemas, querem percorrer uma jornada de desenvolvimento, ao longo da vida.

Em contextos complexos e em constante transformação, a rigidez de comportamento é tóxica. O novo mundo do trabalho é daqueles que se colocam com mais flexibilidade, com a atitude de aprendizado contínuo e abertura à diversidade de pessoas, ideias e emoções.

Desinteresse de jovens pela liderança é sinal dos tempos

Quantos jovens você conhece que sonham com a  posição de diretor corporativo e quantos estão simplesmente exaustos, torcendo pela popularização da semana de quatro dias?

A cadeira de CEO não faz brilhar os olhos de profissionais de começo de carreira. Essa foi a conclusão de Gorick Ng, escritor e conselheiro de carreira na Universidade de Harvard, ao investigar quais eram as prioridades profissionais dos universitários, no fim do ano passado.

O que ele descobriu é que dentre os estudantes de uma das universidades mais tradicionais e renomadas, apenas 2% tinham como meta escalar a hierarquia corporativa, traçando o caminho linear de carreira. A maioria das respostas girava em torno do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e estabilidade financeira.

No começo da década, um estudo global realizado pela consultoria Deloitte em 2020, apontou para um quadro mais geral de diminuição do interesse pela gestão, revelando que apenas 29% dos millennials e 27% da geração Z estavam interessados em ocupar cargos de liderança.

As circunstâncias e fenômenos enfrentados pelos jovens devem ser levadas em consideração em uma eventual análise dessa realidade. A pandemia global, crises financeiras e políticas, tensões crescentes e polarizações exacerbadas estão moldando a percepção de mundo dos jovens e influenciando seus comportamentos.

O aumento dos casos de burnout também é um aspecto que chama atenção e que pesa sobre o cenário. Pesquisas indicam que os norte-americanos saíram da pandemia com uma saúde mental três vezes pior. No Brasil, 44% dos entrevistados pela consultoria de recrutamento Robert Half relataram estado de esgotamento profissional, após o período de pandemia.

A pressão e sobrecarga de trabalho dos líderes são fatores que afugentam cada vez mais os profissionais de cargos de gestão. Em um contexto em que as expectativas em torno da liderança são cada vez mais rigorosas, muitos indivíduos percebem que tais requisitos não correspondem a suas aspirações e não se sentem diminuídos por isso, diferentemente do que ocorria em tempos passados. Um ponto positivo é que os novos modelos e formatos mais flexíveis de trabalho abriram espaço para a autenticidade e personalização da experiência de carreira.

É dado que no mundo pós-pandemia, as pessoas passaram a visitar e revisitar valores, repensando propósito e ajustando seu desenho de vida. O modelo de pensar a carreira e tomar as decisões de movimentação no mercado está hoje mais ligado à compreensão de vida, propósito, valores e autoconhecimento do que no enquadramento a um conjunto de cargos numa trajetória linear de subida numa grande  organização.

Nesse sentido, é preciso refletir sobre meios de atração  e engajamento da nova geração de líderes. É cada vez mais importante ampliar as experiências de carreira oferecidas e oferecer um portfólio de recursos de aprendizagem atraente e eficaz, capaz de reter os melhores talentos.

Um mundo em constante e rápida transformação exige uma agenda contemporânea de desenvolvimento de líderes, que  oriente a aquisição de um conjunto de habilidades alinhado às necessidades e responsabilidades do papel de líder atual.

Mas, de nada adianta melhorar a competência dos líderes e afogá-los na operação, sem deixar espaço para que eles possam praticar a liderança, apoiando e desenvolvendo o time.

Como iremos influenciar os jovens para assumirem posições de liderança se basta olhar para a agenda dos gestores e constatar que a essência da missão da liderança, em muitos casos, está perdida entre reuniões, entregas, relatórios, e-mails?

Crunch time: o que está por trás do aumento das horas de trabalho

Apesar da conscientização sobre os efeitos nocivos da normalização do crunch time na saúde mental, o fenômeno vem se acentuando

Períodos intensos de trabalho são necessários quando os prazos a cumprir em projetos estão apertados e não há espaço para atrasos no cronograma. Há um jargão para definir essas longas horas da jornada estendida: crunch time. O termo em inglês recorre à ação de esmagar, apertar, e é bem popular, sobretudo entre os profissionais das indústrias de tecnologia, entretenimento e videogame, setores em que a prática é cristalizada.

A International Game Developers Association (IGDA) em 2019 divulgou um levantamento em que mais de 50% dos desenvolvedores de jogos no mundo relataram ter experimentado o “crunch” em algum momento de suas carreiras. Segundo a pesquisa, esse era o fator mais frequentemente citado como contribuinte para o burnout.

Ainda que seja notável e crescente a conscientização sobre os efeitos nocivos da normalização do crunch time na saúde mental dos profissionais, esse fenômeno vem se acentuando, e o que deveria ser uma exceção parece ser a regra. Pressões para projetos e entregas acompanham a natureza do trabalho, mas um conjunto de fatores tem impulsionado a mais recente onda de aumento das horas de trabalho.

Falhas no planejamento são as causas mais lógicas para o trabalho extra. Pesquisa do Project Management Institute (PMI), em 2020, apontou as causas do mau planejamento, e a falta de recursos responde pela maior parcela (33%), seguida pela falta de visão estratégica (29%) e pela comunicação inadequada (29%).

Em um cenário de hiper competição por talentos, eleva-se o custo de mão de obra, principalmente, a especializada, e as equipes são reduzidas. Com limitação de recursos, a tendência é ter mais dificuldade de cumprir prazos. A pesquisa do PMI indica que 58% dos projetos foram concluídos dentro do prazo previsto, e somente 50% dentro do orçamento. O custo do mau gerenciamento de projetos , segundo o PMI, é da ordem de US$122 milhões por ano para cada bilhão de dólares investidos.

Desafios inesperados fazem parte de um cenário que exige cada vez respostas mais rápidas. O “crunch” está relacionado às imprevisibilidades de estrutura, de escopo, de equipe e de contexto aliadas às complexidades dos ambientes de negócios. Temos visto que o aumento do turnover desestabiliza equipes e desorganiza entregas.

Esses elementos somam-se a um dos problemas mais graves enfrentados pelas organizações: a sobrecarga de iniciativas. Há alguns anos, a consultoria Bain & Company alerta para o initiative overload, a quantidade de demandas e projetos em curso nas empresas e os prejuízos disso para a qualidade, inovação nos negócios e saúde dos indivíduos.

Melhorar a capacidade de estabelecer prioridades é uma das estratégias para lidar com o overload, segundo a consultoria. A proposta do autor Greg McKeown, no livro “Essencialismo”, vai ao encontro do que indica a Bain & Company.

Ele menciona a sobrecarga causada por tentar fazer muitas coisas ao mesmo tempo, o que pode levar a uma sensação de esgotamento, falta de foco e improdutividade. A multiplicidade de atividades dispersa rotinas e a priorização presente no essencialismo pode ser útil para líderes e colaboradores organizarem seu dia a dia de trabalho de forma mais inteligente, concentrando esforços nos objetivos que realmente importam.

Do ponto de vista das organizações, muitas delas também precisam se livrar da compulsão por abrir novas frentes de trabalho. A discussão deve girar em torno de uma gênese sustentável de projetos, que leve em consideração a efetividade de estrutura e entregas possíveis.

A antiga e natural tensão entre capital e trabalho resiste: as instituições querem melhores resultados, mas nem sempre as pessoas entregam na velocidade desejada. É do jogo. A saída passa pela constante negociação entre líderes e liderados, preferencialmente em ambientes com estruturas fluidas, sem silos organizacionais. Uma cultura verdadeiramente colaborativa é chave para diminuir a sobrecarga e equilibrar melhor as demandas e entregas nas equipes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O novo PDI: como elaborar um plano de desenvolvimento individual eficaz

O conceito contemporâneo de sucesso profissional pode ser definido como um resultado provável de uma combinação entre diversos elementos: evolução, performance, interesses de carreira e espaço – organizacional e de mercado – para o crescimento.

Há tempos, as empresas não oferecem mais planos lineares de carreira. Isso é coisa de um passado distante em que os ciclos de permanência eram maiores. Na década de 1980, um profissional permaneceria numa empresa em média 14 anos, algo muito distante dos dados atuais, que indicam ciclos muito menores.

De acordo com uma pesquisa da empresa de recrutamento e seleção Robert Half, publicada em setembro de 2021, nos Estados Unidos, a média de permanência dos profissionais em uma empresa é de 3,3 anos. No Brasil, em 2019, uma pesquisa da consultoria EY indicou que a média de permanência era de 4,4 anos, mas que havia uma tendência de redução desse período.

Com raras exceções, o sequenciamento de cargos e funções na organização e fora dela não é mais previsível nem vertical. Uma dinâmica que certamente exige protagonismo do profissional. É preciso ser dono da própria carreira. Aliás, essa é a única atitude capaz de unir os elementos indispensáveis a uma trajetória de sucesso que citei no começo do artigo.

Na prática, uma das principais ferramentas do profissional protagonista na construção da estratégia de carreira e organização da reflexão sobre desenvolvimento é o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI).

A base do PDI é a autorreflexão, e ela pode ser construída com base nos seis pilares de carreira: satisfação e propósito, saúde física e emocional, finanças, reputação, networking, competitividade. No meu primeiro artigo de 2023 para VOCÊ RH falei mais detalhadamente sobre cada um deles.

A busca de insights para o PDI não precisa ser uma caminhada solitária. O protagonista propõe diálogos de carreira com seu líder para buscar inspiração, troca ideias e aumenta o seu repertório conversando com mentores.  Também é fundamental extrair reflexões a partir de feedbacks e avaliações de performance. A construção de um bom PDI passa por diversas fontes e canais de inspiração.

A partir da reflexão de carreira ancorada por pilares e de feedbacks é possível construir as ações de desenvolvimento técnico e comportamental. Ao traduzir essas ações em objetivos, usamos o conceito SMART, um acrônimo em inglês que pressupõe cinco características essências para a efetividade de uma meta: específica, mensurável, atingível, relevante e com prazo definido.

A meta não pode ser genérica, é necessário identificar o que precisa ser feito de forma clara, específica e com uma maneira objetiva de medição. Por exemplo, se o seu objetivo é melhorar o networking interno, estipule como meta a participação em pelo menos duas atividades ou projetos que envolvam outras áreas da empresa. Nem toda meta pode ser mensurada numericamente, mas é preciso buscar isso de forma a ser possível saber se você está ou não avançando em relação aos seus objetivos.

Seguindo o conceito SMART, as metas precisam ser atingíveis. Metas irreais só geram frustração e desengajamento. É também a viabilidade da meta que sustenta e motiva a ação.

Uma questão estratégica do PDI é a relevância da meta. Se, a partir das suas reflexões sobre carreira, o indivíduo não construir um conjunto de ações consistentes e significativas para sua estratégia de carreira, é provável que o seu PDI fique apenas no papel, esquecido. É a relevância do objetivo que dá sentido ao esforço empregado na busca pela realização da meta. E essa realização deve estar ancorada em um compromisso temporal.

Defina um cronograma para suas ações, mas lembre-se de que um PDI é uma ferramenta flexível e pode ser adaptada de acordo com suas necessidades e circunstâncias. A carreira é uma construção, o plano de ação que vai sendo permanentemente elaborado, ajustado a partir das experiências e também do momento de vida de cada um.

Os desafios da era da personalização no novo mundo do trabalho

Flexibilidade de horário e modelos de trabalho híbrido ou remoto são essenciais para a atração na era da personalização

A obsolescência de modelos uniformes de gestão de pessoas é um dos marcos do novo mundo do trabalho. Desde os anos 2020, o movimento de revisão do desenho de vida e a busca de mais satisfação e propósito por parte dos profissionais qualificados se intensificaram. Nesse contexto, flexibilidade de horário e modelos de trabalho híbrido ou remoto tornaram-se trunfos valiosos de atratividade em meio à guerra por talentos.

A hiper competição por profissionais qualificados, aliás, é mais uma característica da nova era, que costumo chamar de era da personalização. Dando sequência à evolução do mundo do trabalho, a pandemia em 2020 é um evento histórico que acelerou as transformações iniciadas no começo do século 21.

 O fim gradual da oferta de plano de carreira pelas organizações a partir dos anos 2000 e a crescente necessidade de maior protagonismo já apontavam para uma quebra de 100 anos de modelos uniforme baseados em comando e controle. O isolamento provocado pela pandemia catalisou essa ruptura, promovendo um novo contrato psicológico.

Ao mesmo tempo em que são exigidos mais protagonismo e agilidade de aprendizagem dos indivíduos, aos líderes cabe o papel de aconselhamento de carreira a partir de um olhar mais individualizado para os liderados.

Os sistemas de um modelo que serve a todos – com aquele lema one size fits all – não fazem mais sentido. A gente percebe que para atrair, desenvolver e manter talentos é preciso personalizar a experiência. Para isso, líderes precisam dialogar para conhecer os anseios e expectativas de carreira da equipe.

A carreira linear, baseada na sucessão de cargos não desaparece, mas novas formas de contribuição ganham relevância na construção de carreira. Assim como os horários e lugares de trabalho podem ser mais flexíveis, as atividades também.  A carreira não linear, ou carreira em nuvem, é também sinal dos tempos. Oportunidades e desenvolvimento não se resumem a mudança de cargo ou de job description. Estão em projetos multidisciplinares, movimentações laterais e hubs, squads. A nomenclatura para esse tipo de contribuição é mesmo diversa.

A cultura de diálogo e a livre-movimentação são condições necessárias ao florescimento do protagonismo e da experimentação na carreira. O papel dos RHs é ajudar na construção desse território fértil à personalização. É bem verdade que a customização traz uma complexidade: como tornar a personalização escalável, quando se fala de uma organização com centenas e até milhares de colaboradores?

A personalização significa que a estrutura organizacional deve ser construída de tal modo que haja agenda para o líder olhar e investir tempo em diálogos permanentes. Seu objetivo deve ser compreender temas de carreira, pontos de desenvolvimento para, a partir daí, estimular a aprendizagem, aconselhando o seu liderado. Isso só é possível em ambientes com segurança psicológica, em que as pessoas se sintam confortáveis para dividir seus objetivos de carreira.

Sem segurança psicológica, é impossível ter uma relação de personalização. Algumas características marcam as lideranças com a capacidade de construção de ambientes de trabalho seguros. São gestores que genuinamente se preocupam com seus liderados e não escondem suas fragilidades. A época do líder super-homem ou mulher-maravilha acabou.

Outro fundamento da construção de ambientes com segurança psicológica é a não inferência sobre os interesses de carreira da equipe.

 Tolerância à frustração e respeito às diferenças completam as atitudes necessárias para garantir que o time se sinta confiante e confortável para trilhar uma trajetória personalizada de carreira. Esse é um dos principais apoios que a liderança pode oferecer dentro do tema carreira, na organização. A era da personalização vai exigir que cada vez mais líderes estejam aptos a esse papel.

 

Quatro práticas que geram conexão e ajudam a engajar talentos

Antes de começar qualquer alteração na política para atrair e engajar talentos, é importante que o RH reavalie a cultura e propósito da empresa.

Diante de cada vez mais profissionais repensando o sentido do trabalho em sua vida, práticas a favor da flexibilidade viraram estratégicas. “Ainda há muita mudança por vir, mas o futuro certamente será escrito a partir de grupos capazes de conciliar, de forma harmônica, razão e emoção, vida pessoal e trabalho, olhando para as pessoas de forma integrada e criando ambientes adequados, prósperos e sustentáveis em todos os sentidos”, afirma a neurocientista Ana Carolina Souza, sócia da consultoria Nêmesis. Veja quatro práticas que geram conexão a ajudam a engajar talentos nas empresas:

1. Analise a cultura

Antes de começar qualquer alteração na política para atrair e reter talentos, é importante que o RH reavalie a cultura e propósito da empresa. Que organização queremos ser? A empresa permite que o RH reavalie a cultura e propósito da empresa. Que organização queremos ser? A empresa permite que o funcionário estabeleça seu life design da maneira que quiser? Qual o impacto dos negócios na sociedade e no meio ambiente? Como os líderes olham e tratam seu time? “As pessoas não querem mais estar numa empresa apenas para ganhar dinheiro, desejam ver significado no que fazem. A agenda EGS entrou na vida de todos”, diz Rafael Souto, presidente da consultoria Produtive. E o RH deve ser o embaixador dessas reflexões, levando às lideranças conscientização sobre a importância do tema e informações que direcionem as ações, como dados sobre os motivos que têm levado à rotatividade. Os colaboradores com maior probabilidade de permanecer em uma companhia são aqueles que encontram significado e prazer no trabalho.

2. Revise as políticas

Com o mapeamento da cultura em mãos, é hora de rever as ações e programas para checar se estão aderentes aos valores da empresa e aos principais pilares de engajamento hoje, como flexibilidade, propósito e desenvolvimento. “O RH deve analisar se ainda conta com políticas antiquadas. Há empresas, por exemplo, em que o indivíduo ainda precisa pedir autorização ao líder para se candidatar a uma vaga. Isso acaba com a livre movimentação e o protagonismo”, diz Rafael. Outra prática a ser evitada é o líder determinar, no Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) do liderado, quais pontos devem ser melhorados. É verdade que muitas empresas pedem ao funcionário que ele se autoavalie. Mas, na prática, o gestor desconsidera as observações do avaliado e chega a um veredito sozinho. Mas é fundamental que o profissional faça essa reflexão de forma aprofundada, assertiva e conectada com seu propósito, e que seja ouvido e respeitado na conversa.

3. Conscientize a liderança

Nenhuma prática vai fazer sentido sem o preparo e a conscientização dos líderes, pois são eles que estão no dia a dia da equipe. “Já não é mais possível contar com gestores que queriam um subordinado para chamar de seu e determinar tarefas e passos profissionais”, diz Anderson Sant’Anna, professor da FGV. Segundo ele, é preciso apostar numa gestão colaborativa, inclusiva e sem punição, com gestores e equipes que atuam em parceria, e não no modelo de comando e controle. Para Rafael, o líder deve ser um conselheiro, não alguém interessado apenas em resolver suas questões usando a equipe como um como um recurso para isso. “Um líder que sabe fazer um bom storytelling ajuda muito nesse sentido, ou seja, alguém que compartilha experiência, mostra os caminhos que seguiu e como tomou decisões na carreira”, afirma.

4. Crie um ambiente seguro e agradável

“Muitas vezes, observamos que o RH dá muita atenção a temas que não necessariamente motivam a permanência dos colaboradores: , diz Fernanda Mayol, sócia da consultoria McKinsey. “Checar se a remuneração e os benefícios estão em linha com o mercado é importante, mas não são os principais fatores de retenção.” De acordo com uma pesquisa da consultoria, 70% dos colaboradores que não estavam inclinados a deixar seus empregos responderam que têm um ambiente de trabalho seguro e confortável; 69% afirmaram não pensar em trocar de emprego porque conseguem equilibrar vida profissional e pessoal, 62% porque têm uma carga gerenciável de trabalho todos os dias, e 58% se sentem valorizados por seus gestores.

 

 

 

 

Alto desempenho: o lado ruim dos grupos de elite nas empresas

Muitas empresas cujos programas de talentos fracassaram em retenção já repensaram o modelo

Identificar, atrair e reter talentos é um dos principais desafios na área de gestão de pessoas. Uma das práticas discutidas entre os profissionais de recursos humanos é se a categorização de um grupo de um grupo de elite nas organizações faz sentido, já que esses profissionais elevam a régua da produtividade com sua alta performance.

É inegável que o rendimento dos grandes talentos sustenta e acelera o sucesso das empresas, daí a justificativa para segregar esses profissionais e oferecer benefícios que aumentem seu engajamento e interesse em continuar na organização.

As demandas para tal oferta vêm de muitos lugares. Das falas do CEO, interessado em concentrar esforços em pessoas de alta performance, à necessidade de encontrar sucessores para a liderança. A proliferação de programas para talentos com investimentos milionários e ótima remuneração é uma das dimensões da aplicação dessa visão nas organizações, assim como o investimento em programas de recrutamento sofisticados e hackathons atrativos.

Todas essas ações visam acelerar a carreira e promover um salto no rendimento desse grupo especial. Mas toda segregação deixa marcas. E o possível efeito negativo a que me refiro, muitas vezes, custa caro às organizações: a vaidade.

O título de funcionário especial com alto desempenho pode comprometer o comportamento de um talento imaturo. Quando o autoconceito, isto é, o conceito que formamos a nosso respeito — por meio da autoexploração, exploração do contexto e dos feedbacks recebidos —, esbarra no narcisismo, os conflitos são inúmeros. A dificuldade de relacionamento é uma característica quase sempre presente nas pessoas que se acham acima do bem e do mal e um entrave ao clima organizacional.

Muitas vezes, o autoconceito começa a ser distorcido com a ajuda das famílias e escolas que perdem a mão no excesso de reconhecimento. Sem autocrítica, o jovem se considera brilhante antes mesmo de o ser na prática.

Esse comportamento motivou o psicólogo W. Keith Campbell a estudar o que chamou de Epidemia Narcisista, em indivíduos cuja baixa tolerância à frustração é significativa. Fechadas em sua autoimagem, as pessoas se sentem intocáveis e tendem a não assumir erros, culpando sempre o outro que é incapaz de perceber a sua genialidade.

Se ela não cria, a filosofia segregacionista de trabalho nas organizações só piora esse traço. Daí a importância de se falar sobre educação para a carreira. Por meio desse movimento é que podemos mitigar esse comportamento nocivo.

Por mais que as habilidades comportamentais dos talentos sejam investigadas durante programas de recrutamento, é necessário acompanhar a carreira para que ela acelere embasada tanto do ponto de vista das hard skills como também das soft skills.

O quanto a organização pode preparar a sua estrutura para ajudar no amadurecimento dos seus talentos? A resposta está em diálogo e programas de aprendizagem para a carreira. Dessa forma, esses esses profissionais vão conseguir construir relacionamentos mais duradouros e frutíferos nas organizações. Fazer alianças, aliás, é uma habilidade destacada na formação de um pool sucessório, assim sucessório, assim como a adaptabilidade, a habilidade que nos ajuda a colocar em prática o protagonismo de carreira.

A presunção corrói reputações e carreiras promissoras. Questões como colaboração e humildade devem estar na pauta de desenvolvimento, assim como os riscos de atitudes arrogantes e autocráticas. Caso contrário, as chances de enfrentar esse efeito colateral são enormes. Muitas empresas cujos programas de talentos fracassaram em retenção já repensaram modelos para evitar casos de profissionais de alto desempenho demitidos por dificuldade de relacionamento.

A sustentabilidade do crescimento rápido de uma empresa certamente exige uma formação ágil de profissionais. Por isso, o mais atento olhar de negócios se volta para o desenvolvimento de pessoas capazes de dar continuidade à trajetória de sucesso e de sucessão na organização.

 

 

 

 

 

Profissionais repensam o sentido do trabalho e buscam flexibilidade

A rotina de dedicação exaustiva à empresa deu lugar à busca por mais flexibilidade, desenvolvimento e propósito. Saiba como atender a esses anseios.

Por muitos anos, o trabalho foi visto como parte central e mais importante da vida. Horas ininterruptas de dedicação eram glamourizadas; e mantras corporativos do tipo “trabalhe enquanto eles dormem”, vistos como a fórmula para ter sucesso. Com a chegada das novas gerações e o advento da tecnologia, esse cenário começou a ganhar novos contornos e a alterar práticas de gestão de pessoas até das empresas mais tradicionais. Com a pandemia de covid-19, essa mudança se intensificou. Apesar de a emergência sanitária ter provocado uma grande crise econômica e insegurança sobre o futuro, deu aos profissionais a oportunidade de refletir mais sobre seus objetivos de vida e o lugar que o trabalho ocupa em sua jornada. Existe um movimento de pessoas — e companhias — que estão desacelerando, procurando um estilo de vida mais simples, com mais qualidade e equilíbrio.

Na prática, há uma mudança de valores em curso, na qual a maioria das pessoas não quer mais viver apenas para trabalhar e crescer na hierarquia tradicional com o único objetivo de ganhar cada vez mais. A busca, atualmente, está focada em flexibilidade, desenvolvimento e propósito. “Antes, a identidade de alguém era o sobrenome da empresa. Hoje, o trabalho perdeu essa centralidade e as pessoas querem mais do que isso; querem viver outras experiências”, diz Anderson Sant’Anna, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Não à toa, uma pesquisa da Gartner mostra que 91% dos líderes de recursos humanos estão preocupados com o turnover de funcionários num futuro bem próximo. Outro estudo da consultoria aponta que apenas 23% dos gestores de recursos humanos acreditam que a maioria dos funcionários continuará trabalhando em sua organização no curto prazo, e só 31% acham que seus atuais funcionários estão satisfeitos com a proposta de valor oferecida pela empresa, o Employee Value Proposition (EVP). Segundo o levantamento, 65% dos candidatos já interromperam um processo de contratação por causa de um EVP pouco atraente, e 85% deles ressaltam que é importante a companhia observar a pessoa por trás do empregado.

Essa mudança na forma de ver o trabalho está muito ligada aos reflexos que a pandemia vem deixando. “Fases de grande impacto na vida das pessoas costumam provocar reflexões profundas sobre propósito e prioridades. São momentos históricos, em que movimentos em escala determinam novas tendências”, explica Rafael Souto, presidente da Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira. Por isso, com a retomada gradual das atividades presenciais, ouvimos tanto falar sobre “a grande renúncia”, fenômeno descrito em 2002 pelo pesquisador americano Anthony Klotz. Em abril de 2021, o Bureau of Labor Statistics (“Escritório de Estatísticas de Trabalho”) contabilizou 4 milhões de americanos que haviam deixado o emprego voluntariamente, por exemplo. No acumulado até outubro, esse número subiu para 20 milhões. Os índices de turnover no Brasil também estão mais altos e, em alguns setores, já se observa um apagão de talentos. “Além da reavaliação e da rejeição de retorno aos modelos tradicionais, muitas pessoas estão pedindo demissão porque não aceitam mais trabalhos que levam ao esgotamento mental”, diz Rafael.

Novas demandas exigem novos modelos
Segundo Vitorio Bretas, diretor de pesquisa e assessoria da Gartner, isso se deve à mudança da lógica do trabalho. Antes, o objetivo tradicional do EVP era apenas o profissional e o que oferecer para uma boa experiência. “Agora o foco deve ser outro. A grande mudança é que os funcionários não são apenas trabalhadores, e sim pessoas com interesses além do trabalho e que fazem parte de famílias e comunidades. Precisamos falar em harmonia e integração do trabalho com a vida pessoal e em como a proposta da empresa apoia isso”, afirma. Isso quer dizer focar não apenas os benefícios, como salário atrativo ou um escritório multicolorido, e sim os sentimentos que a empresa quer proporcionar às pessoas. “Trata-se de um EVP mais humano e com o indivíduo no centro da estratégia”, diz Vitorio. Segundo a neurocientista Ana Carolina Souza, sócia da Nêmesis, empresa de educação corporativa na área de neurociência organizacional, as companhias — e parte das pessoas — tinham um desenho muito racional do trabalho, com um ambiente mais pragmático e de entrega. As questões emocionais não eram bem vistas. “As necessidades mudaram e já não é possível separar os dois mundos: trabalho e sentimentos. As companhias e os líderes de RH precisam colocar o comportamento humano na mesa e conectá-lo às ações”, diz. Ela explica que, atualmente, a retenção passa por três pilares: propósito claro e genuíno, possibilidade de desenvolvimento e de gerir a própria carreira, e autonomia e flexibilidade de onde e como trabalhar.

Este trecho faz parte da reportagem de capa da edição 80 (junho/julho) de VOCÊ RH. Versão completa aqui para assinantes:

https://vocerh.abril.com.br/politicasepraticas/profissionais-repensam-o-sentido-do-trabalho-e-buscam-flexibilidade/

Por que o modelo de sucessão nas empresas está ultrapassado

Como construir um novo modelo de sucessão

A sucessão é um desafio corporativo complexo. Inclui questões de sustentação de negócios, mexe com vaidades, aspirações, poder e o futuro dos profissionais.

A necessidade de preparar pessoas para os crescentes desafios organizacionais atormenta líderes e acionistas de organizações de todos os portes e segmentos.

Num recente e profundo estudo publicado na revista Harvard Business Review, os pesquisadores  Claudio Fernández-Aráoz, Gregory Nagel, e Carrie Green mostraram os custos de uma sucessão mal planejada no topo da organização. Apontam os ganhos quando o processo é bem feito, citando a valorização estrondosa da Microsoft com a entrada de Satya Nadella. Também citam os equívocos de outros movimentos na alta gestão e o impacto bilionário dos erros.

É evidente que a transição do CEO é um processo de alto impacto.

Mas, a sucessão mal planejada é drama que afeta a organização em todos os níveis.

Em empresas de rápida ascensão, a formação de profissionais é crucial para garantir que os projetos tenham sequência e que as promessas de crescimento sejam cumpridas. Uma boa tese de negócios não se sustenta sem o desenvolvimento de pessoas.

Já em negócios maduros, a continuidade da organização depende também de um processo sucessório bem desenhado. No entanto, a transformação dos negócios e a imprevisibilidade das estruturas trazem novos desafios para o processo de sucessão.

O modelo antigo que perdurou durante muitos anos era baseado em sucessão por cadeira. Ou seja, um líder aponta os sucessores e trabalha o desenvolvimento deles. A organização usa métricas de avaliação de performance e potencial. E por fim, ocorre uma validação num comitê que se desdobra num plano de ação descrevendo o que o indivíduo deve desenvolver e em quanto tempo a pessoa estaria preparada.

Esse modelo de sucessão linear reflete um período em que a carreira funcionava através de um plano previsível. O desenvolvimento era focado numa área. Ele é fruto dos antigos sistemas de plano de carreira da empresa, no qual uma organização desenha um sequenciamento previsível.

As transformações do mundo do trabalho exigem um novo jeito de encarar a sucessão. Vou destacar duas transformações essenciais. A primeira é organizar a sucessão com o contexto de “pool sucessório” ou alvo móvel. Essa ideia substitui o modelo antigo de sucessão por cadeira. E a segunda mudança é conectar interesses de carreira das pessoas com o plano sucessório.

Desde os anos de 1990, os sistemas de plano de carreira e sucessão linear vêm se mostrando incompatíveis com a realidade dos negócios. Do ponto de vista da organização, a necessidade de revisar as estruturas com mais velocidade e ter opções para acelerar suas demandas mostra que um mapa de sucessão engessado e focado num silo não faz mais sentido. Do ponto de vista do indivíduo, cada vez mais se observa a necessidade de estimular o protagonismo e a livre movimentação na empresa. Cada pessoa é responsável por sua trajetória e irá construindo sua carreira de acordo com seus interesses e as oportunidades que surgem. É contraditório, portanto, falar de sucessão com base num cargo.

O próprio conceito de carreira mudou. No passado era definida como um conjunto de cargos. Hoje falamos que a carreira é um conjunto de experiências significativa ao longo da jornada.

Portanto, fazer um projeto de carreira e um mapa de sucessão baseado num cargo é coisa do passado.

Os mapas de sucessão precisam refletir as múltiplas possibilidades de carreira.

Nessa linha, é mais adequado falar em “pool sucessório”, ou seja, um conjunto de opções de movimento. Menos focado em cargo e, sim, em alvos móveis.

A outra mudança relevante, a de conectar os planos de sucessão aos interesses de carreira dos profissionais, traz para o modelo as expectativas das pessoas.

Caso contrário teremos um mapa impreciso que só expressa a visão da organização sobre as pessoas.

Recente estudo mostrou que mais de 50% dos mapas de sucessão são baseados em inferência organizacional e não consideram os interesses dos profissionais. Ou seja, refletem o antigo modelo de comando e controle.

Para termos um plano de sucessão bem definido é preciso incentivar uma cultura de conversas de carreira.

O líder tem o papel de promover espaços para que os indivíduos exponham seus interesses. Esse diálogo contínuo precisa alimentar o mapa de sucessão.

A segurança psicológica para que as pessoas se expressem garantirá que as projeções de carreira sejam feitas considerando um novo contrato psicológico de trabalho. Nele, os movimentos de carreira são construídos em conjunto garantindo o futuro da organização e o desenvolvimento das pessoas.