Durante uma crise, a demissão de funcionários e a falta de investimento em desenvolvimento de pessoas são práticas comuns. Com o reaquecimento da economia, o jogo vira, e aí a falta de profissionais qualificados tende a ser um problema nas empresas. Em sua coluna para a Você RH, Rafael Souto, CEO da Produtive, mostra os fatores e as motivações das pessoas nos pedidos de encerramento de ciclos organizacionais.
Vivemos um paradoxo do desemprego elevado e da falta de profissionais qualificados. De um lado, mais de 14 milhões de desempregados. Do outro, um contingente enorme de posições que não são preenchidas por falta de qualificação. Esse universo de vagas abertas passa de 350.000, conforme dados recentes do IBGE.
Esse apagão de talentos força um jogo complexo de caça aos profissionais e será um teste forte para as empresas nos próximos anos. Fenômeno similar aconteceu em 2012 quando o Brasil retomou o crescimento após a crise global gerada pela implosão do sistema financeiro iniciado na fatídica quebra do banco norte-americano Brothers.
Foco na formação das pessoas
O primeiro conjunto de assuntos que merece reflexão é sobre a formação de pessoas. Diante dos cenários de crise, a primeira decisão é cortar funcionários, subtrair investimentos nas áreas de treinamentos e jogar o desenvolvimento das pessoas para o segundo plano. Isso aconteceu em 2020 como efeito da pandemia. Essa fragilização estrutural fica evidente quando a economia retoma sua força e as contratações aumentam.
A necessidade de contratar rápido e repor posições não é proporcional à capacidade de formar pessoas. O déficit de profissionais força uma luta por talentos.
A formação de pessoas é uma estratégia de longo prazo. Aqueles que demitem na crise são os primeiros a reclamar sobre a falta de pessoas quando a economia retoma. A gestão do ativo humano não pode ser feita com olhar de curto prazo.
Quais são as motivações reais para sair de uma empresa?
O segundo conjunto de temas para reflexão é sobre a cultura e gestão de equipes. Normalmente, quando o turnover aumenta, os gestores procuram culpar o indivíduo que pede demissão ou o mercado. Criam um conjunto de explicações que excluem a forma de gerir. As frases típicas são: “O salário lá era muito melhor”. “Ele está tomando uma decisão precipitada”. “O mercado está oferecendo condições muito melhores”. Precisamos criar mais cargos e dar aumento de salário para reter os profissionais”. “Vamos criar um bônus de retenção”.
Todas essas frases escondem problemas profundos e que precisam ser enfrentados.
Os dados mostram que o salário não é o fator preponderante para um pedido demissão e, quando ele é relevante, está associado a outros fatores ligados à gestão e à cultura da organização.
Um estudo, conduzido pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Carreira da Produtive, apontou que o fator preponderante para troca de empresa é a perspectiva de carreira e desenvolvimento: 46% dos entrevistados pediram demissão porque não viram mais possibilidade de se desenvolver. Líderes que fazem conversas sobre carreira e favorecem a livre movimentação de pessoas têm mais chance de engajar as pessoas e não de as perder para o mercado. Quando o indivíduo percebe que tem possibilidades de se movimentar e de se desenvolver, tem mais chances de permanecer.
Na outra direção, lideres jurássicos que soterram talentos por sua insegurança e incapacidade de trabalhar o desenvolvimento de pessoas empilham perdas e desengajam as pessoas. São gestores que colocam sua agenda pessoal acima da empresa e fazem a gestão das equipes pelo comando e controle. O mundo do trabalho mudou, muitas pessoas querem trabalhar seu desenho de vida e equilibrar os papéis que exercem. Não querem regras ditatoriais, querem discutir seu desenvolvimento e precisam de espaço para diálogos transparentes. Construir um ambiente com segurança psicológica para essas conversas é fundamental para o engajamento.
Uma pesquisa global da consultoria Gartner, apontou que 53% das pessoas pedem desligamento pela falta de perspectiva de seu desenvolvimento. E quando a pesquisa era feita com os mais talentosos, os que são considerados profissionais com melhor performance, os dados ultrapassavam os 60%.
As transformações da pandemia
O mundo do trabalho vem mudado de forma acentuada no século 21 e o ano de 2020 será um novo marcador histórico nessa transformação.
Com a possibilidade de “trabalhar em qualquer lugar” – e as discussões do life design vieram para ficar e irão impactar a lógica das contratações e a competição por talentos -, as empresas contemporâneas terão de ter gestores com a capacidade de dialogar sobre um novo contrato psicológico mais equilibrado e atraente para manter seus profissionais.
A pandemia enterrou de vez o modelo de comando e controle e inaugurou uma era em que as partes constroem juntos um novo formato, a dinâmica e as entregas. E para os que temem as mudanças e insistem nos velhos modelos, restarão as cansativas discussões sobre os motivos de perdas de talentos.
O home office permitiu uma nova lógica de vida que muitos experimentaram e não querem abandonar. O poder de escolha dos profissionais aumentou e, com isso, o índice de turnover está cada vez mais alto. A rejeição aos trabalhos que levam ao esgotamento mental é apenas um dos importantes motivos para os pedidos de demissão. Rafael Souto, CEO da Produtive, mostra os principais desafios que as empresas estão enfrentando para engajar talentos, em seu novo artigo para o Valor Econômico.
Costumo iniciar minhas palestras sobre carreira com uma linha do tempo em que explico as transformações nas relações entre organizações e indivíduos em três fases. Algumas pessoas já me perguntaram se, na breve história do século XXI, teríamos um novo capítulo. O ano de 2020 respondeu a essa questão e inaugurou uma nova era do mundo do trabalho. As mudanças impostas pela pandemia nos forçaram a construir alternativas para trabalhar. Isso fez com que muitas pessoas reavaliassem prioridades e seu desenho de vida.
O home office permitiu uma nova lógica de vida que muitas pessoas experimentaram e não querem abandonar. Um tempo mais próximo à família e a redução em deslocamentos entre casa e trabalho estão no topo das motivações que as pessoas têm para não voltarem ao escritório.
Fases de grande impacto na vida das pessoas costumam provocar reflexões profundas sobre propósito e prioridades. São momentos históricos em que movimentos em escala determinam novas tendências.
Com a retomada das atividades nos escritórios, começamos a observar um fenômeno descrito pelo pesquisador americano Antony Klotz como “a grande renúncia”. Em junho de 2021, houve um recorde histórico de pedidos de demissão nos Estados Unidos. Em um único mês, 2,7% da força de trabalho norte-americana pediu desligamento. Mesmo com níveis de desemprego em alta, esse dado demonstra o poder de escolha dos indivíduos. É um dramático alerta sobre as decisões de carreira que ganham cada vez mais força.
O fenômeno da grande renuncia está ganhando espaço no mundo todo. Os índices de turnover no Brasil estão mais altos. Em alguns setores já se observa um apagão de talentos. A soma de escassez de mão de obra qualificada e pedidos de demissão em alta torna a retomada do crescimento uma missão complexa.
Além da reavaliação dos modelos e a rejeição de retorno aos modelos tradicionais, muitas pessoas estão pedindo demissão porque não aceitam mais trabalhos que levam ao esgotamento mental. Como explicou Klotz em suas pesquisas, existe uma tênue balança entre capital e trabalho. As pessoas estão cada vez menos dispostas a comprometer sua saúde emocional por um trabalho, mesmo que bem remunerado.
A atleta Olímpica, Simone Biles, tomou uma decisão nessa linha. Ao abandonar a competição em Tóquio, ela disse que precisava cuidar de sua saúde mental. O que para muitos pareceu um ato egoísta e de dificuldade para lidar com a pressão, revela, na verdade, um novo mundo das relações profissionais.
O poder de escolha do indivíduo aumentou. E em especial nas novas gerações, a permissão para tomar decisões em prol de seu desenho de vida está cada vez maior. E isso traz novos desafios para as organizações.
A grande renúncia é um sinal de que as pessoas irão exigir novos modelos de trabalho. O colapso da lógica baseada na prioridade do interesse organizacional é a primeira questão a ser enfrentada. E não se trata apenas de definir quantos dias as pessoas ficarão no escritório ou em casa. O momento exige uma profunda reflexão que coloque o indivíduo no centro da discussão e permita reavaliar antigos modelos. As organizações precisarão enfrentar seus tabus e preconceitos. Criar um ambiente capaz de acolher os diversos interesses de carreira e permitir que as pessoas avaliem seus desenhos de vida são assuntos que devem estar cada vez mais na agenda das lideranças.
Para os que insistirem em achar que isso é uma frescura da nova geração, restará assistir seus talentos irem embora e buscar explicações para encobrir sua gestão perdida nos modelos do século passado.
Em seu novo artigo para a Você RH, Rafael Souto, CEO da Produtive, mostra que líderes precisam ter a consciência de que dialogar sobre carreira é conversar sobre interesses do indivíduo e ajudá-lo a realizar seu projeto.
O mundo do trabalho vem se transformando rapidamente. Os modelos previsíveis de carreira na empresa sucumbiram diante das mudanças de estruturas. O organograma tradicional sofre pelas alterações das estratégias de negócios cada vez mais frequentes. Falar em plano de carreira ou sequenciamento de cargos em uma organização já faz parte do passado.
O problema fica mais evidente quando vários estudos revelam que as expectativas dos profissionais em relação a crescimento e desafios na carreira estão maiores. Uma pesquisa de doutorado, conduzida pela Prof. Dr. Manoela Ziebell, procurou mostrar os motivadores de turnover nas empresas. A conclusão foi que 46% das pessoas trocam de empresa por falta de perspectivas na organização. Muitas delas seguem com a fantasia do antigo plano de carreira. Esse dado expressa o quanto temos que trabalhar no assunto.
Na mesma direção, um levantamento da consultoria CEB/Gartner revelou que 52% dos entrevistados saem das empresas por estarem decepcionados com suas carreiras. A falta de oportunidades é o fator chave para perda de talentos.
Esse novo cenário impõe um conjunto de desafios para empresas e profissionais. Do ponto de vista da organização, uma ação fundamental será preparar gestores e indivíduos para lidarem com esse novo mundo do trabalho. Os modelos tradicionais de discussão de carreira misturados com avaliações de desempenho ou feitos mediante promessas de cargos e salários contribuem mais para confundir as pessoas do que para ajudá-las em seu desenvolvimento.
As empresas mais avançadas já se deram conta disso e reformularam seus modelos de trabalho. Operam com metodologias em que os gestores investem mais tempo em reuniões focados no futuro e bem menos em retrospectivas. Mas, para que isso funcione bem, os líderes precisam ter a consciência de que dialogar sobre carreira é conversar sobre interesses do indivíduo e ajudá-lo a realizar seu projeto.
Nesse ponto, temos um enorme desafio, porque a cultura de gestão ainda é baseada em comando e controle. A organização define os rumos dos profissionais. Em uma visão mais contemporânea, teremos que transformar essa forma de gerir. A discussão sobre carreira precisa ser construtivista. O líder não pode impor seu modelo de carreira ou movimentar pessoas sem envolvê-las na tomada de decisão. É preciso lidar com as escolhas dos indivíduos nesta nova abordagem.
Parte da angústia sobre a falta de oportunidades nas empresas reside na ausência de conversas regulares sobre carreira. Muitas organizações só fazem esta fala quando o profissional já está com um pé na rua. A famosa retenção é, na verdade, um remédio amargo e atrasado.
Por isso, é essencial empoderar nossos gestores a dialogar sobre o desenvolvimento de suas equipes. Enfrentar de forma aberta as divergências e respeitar as escolhas profissionais de seus colaboradores. Essa conversa transparente e permanente, por si, aumenta o engajamento das pessoas.
Fato é que o pesquisador e psicólogo europeu Wilmar Schaufeli, especialista nesse tema, afirma de maneira categórica que as empresas que têm a cultura de diálogos abertos e frequentes com os profissionais aumentam em até 3 vezes o engajamento e o comprometimento delas. O resultado é ver pessoas que se sentem cuidadas e respeitadas.
A segunda parte do desafio está no trabalho de educação sobre carreira. Ou seja, ajudar os indivíduos a assumirem o controle de sua vida profissional. Quanto mais cedo conversarmos sobre o protagonismo na carreira e a responsabilidade que não pode ser transferida, contribuiremos na formação de profissionais mais conscientes sobre seus temas de desenvolvimento e mais seguros de suas decisões.
O plano de carreira é do indivíduo e a organização ajudará a realizar esse projeto por meio de diálogos que procurem equilibrar o projeto empresarial e os interesses das pessoas.