Pesquisa mostra que as iniciativas de digitalização têm menos chance de dar certo se não levam em conta ações de desenvolvimento da força de trabalho — e o RH é essencial para esse processo ser bem-sucedido. A nova edição da VOCÊ RH traz a participação do CEO da Produtive, Rafael Souto, que comenta sobre a questão: “Os diálogos devem estar em todas as fases da transformação, e o RH deve investir tempo para conversar e ouvir os funcionários sobe tudo, inclusive medos e angústias”.
Falar sobre transformação digital é falar sobre pessoas. Isso porque apenas implementar tecnologias sem redesenhar as funções e as atividades dos profissionais pode colocar tudo a perder. Uma pesquisa feita pela consultoria LHH, obtida com exclusividade por VOCÊ RH, mostra que, em geral, as iniciativas de digitalização têm menos chance de dar certo se não levam em conta ações de desenvolvimento dos profissionais, que devem ser tocadas pela área de recursos humanos com o apoio da alta direção da companhia. O estudo, feito em parceria com o HR.com, site dedicado à área de recursos humanos, em que foram entrevistados 1 228 profissionais de gestão de pessoas em cerca de 20 países, mostra que em 55% das organizações de alto desempenho digital o RH tem um papel essencial na transformação da força de trabalho. “Se o desenvolvimento dos funcionários não fizer parte da estratégia do negócio, não adiantará nenhum movimento de tecnologia”, afirma Alexandre Marins, diretor de desenvolvimento de talentos da LHH. “Ao investir na formação interna, a empresa terá o perfil de profissional adequado à era digital e, ainda, alinhado com o propósito e com as atividades do negócio.”
Algumas companhias já têm se movimentado nesse sentido, colocando as pessoas no centro da discussão sobre transformação tecnológica. O objetivo é fazer com que a digitalização, em vez de simplesmente extinguir empregos e jogar os funcionários para escanteio, seja um estímulo para o desenvolvimento. Em 2017, a EDP, ao lado de EY, Fiap e Korn Ferry, fundaram o Pacto Empresarial Brasileiro pela Digitalização Humanizada do Trabalho, que, em 2018, fechou parceria com o Movimento Brasil Digital, iniciativa que visa transformar o país numa referência em inovação e inclusão digital.
“A tecnologia é a parte mais fácil do processo de digitalização. O mais importante são as pessoas, pois elas é que vão realizar a mudança”, diz Fernanda Pires, diretora de RH da EDP. Entre os dez pilares que a empresa usa como base para isso estão a humanização (para considerar sempre o fator humano nas decisões) e a capacitação (para estipular parcerias com entidades educacionais com o intuito de assegurar a inclusão digital na grade de desenvolvimento e treinamento da força de trabalho). De acordo com Fernanda, para iniciar a jornada de transformação, a empresa criou o Centro de Excelência em Robotização, em paralelo à oferta de treinamentos aos funcionários. O primeiro passo foi disponibilizar aos empregados, em parceria com a Fiap, cursos sobre o movimento de digitalização, abordando temas como futuro do trabalho, inteligência artificial e o porquê da transformação. Depois, a EDP estipulou uma grade de treinamentos com aulas de design thinking, analytics e agile em sua universidade corporativa.
Além disso, a companhia, ao lado de EY e da Universidade de São Paulo, investiu cerca de 8,3 milhões de reais, entre 2017 e 2018, num projeto para estudar os impactos da automação de processos e definir um novo perfil para os empregados. “Hoje contamos com 150 robôs para a realização de atividades operacionais, como na área tributária e em folha de pagamentos, sem precisar demitir ninguém. Nós ressignificamos as funções”, diz Fernanda. Parte dos funcionários foi treinada para novas atividades (como analistas e gerentes de robôs, por exemplo), parte foi remanejada para outras áreas. “Investimos em diálogo, ressaltamos que haveria espaço de movimentação e, o mais importante, tivemos coerência entre discurso e prática”, diz a executiva de RH.
Ponto de partida
Nesse processo, é importante mapear internamente a força de trabalho para averiguar em que nível os profissionais estão. “Ainda há gente parada em 1990, a última década em que as caixinhas eram hierarquicamente organizadas e o mundo se movia assim. É essencial identificar em que fase as pessoas estão, para então ajudá-las a migrar para o digital. Se há profissionais realizando exatamente a mesma coisa de dez anos atrás, o risco de estarem parados no tempo é enorme”, diz Ligia Zotini, pesquisadora de futuro e fundadora da consultoria Voicers. Mas ela reforça que se trata de uma decisão pessoal. “Empresa nem RH nenhum têm a força de migrar alguém para o futuro. A pessoa precisa, antes, querer”, afirma.
Feita essa análise, entram as capacitações, os desenvolvimentos, os aconselhamentos e até os processos de coaching para os líderes, que são responsáveis pela disseminação de conteúdo às equipes. Ligia aponta alguns pilares importantes nessas ações, como a agilidade. “A empresa pode implementar metodologias mais ágeis e que fomentem a criatividade, como o design thinking e os squads”, diz.
Essa foi uma das apostas da Vivo, que lançou o Manifesto por um Novo Pacto Digital em 2018. Composto de cinco princípios (digitalização, inclusão digital, educação, segurança e privacidade, e modernização das leis e políticas públicas), o documento revisita o primeiro manifesto que a empresa fez, em 2014, quando o foco era o acesso à internet segura e aberta para todos os clientes. “Para incentivar a mudança cultural, que é o principal desafio da transformação digital, colocamos em prática uma nova forma de trabalho: implementamos os squads, com equipes multidisciplinares; criamos o Vivo Digital Labs, laboratório de inovação para promover a criatividade e a troca de experiências entre os profissionais; e adotamos o coworking para incentivar a colaboração”, diz Niva Ribeiro, vice-presidente de pessoas da companhia. De acordo com ela, o RH está sempre trabalhando para capacitar os funcionários a trabalhar em conjunto com a digitalização e para mostrar oportunidades de atuação em algo diferente do que faziam anteriormente.
Nova linguagem
Na visão de Marly Vidal, diretora administrativa e de pessoas do Sabin Medicina Diagnóstica, empresa que também faz parte do Movimento Brasil Digital, é essencial que as pessoas entendam as novas formas de trabalho como algo que traz benefícios. “Nosso objetivo é capacitar os funcionários para essa nova fase, e não demiti-los. Para isso, apostamos muito na disseminação do senso de pertencimento e numa comunicação transparente”, diz Marly. Segundo ela, a comunicação deve envolver tanto a mudança em si quanto a importância de cada um no processo. “Não tem como evoluir sem incluir as pessoas”, afirma. Além de uma trilha específica para a transformação digital na universidade corporativa, o Sabin conta com um comitê focado em inovação, no qual os funcionários podem sugerir mudanças ou melhorias, e tirar dúvidas. “Os diálogos devem estar em todas as fases da transformação, e o RH deve investir tempo para conversar e ouvir os funcionários sobre tudo, inclusive medos e angústias”, complementa Rafael Souto, CEO da Produtive, consultoria de carreira e recrutamento.
O fato é que, mais cedo ou mais tarde, todas as funções vão passar por patamares tecnológicos, e falar as linguagens digitais será algo essencial para todos. E o RH é crucial para ajudar as pessoas a compreender esse novo mundo.