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Trabalho remoto permite mudança de executivos para praia ou campo

Desde o início da pandemia, as empresas foram “forçadas” a implantar o trabalho remoto. Essa prática ainda nova para muitos, despertou interesses e possibilidades para os profissionais, como o de viver em outras cidades. Ainda é incerto como as organizações funcionarão em um futuro próximo: trabalho presencial, remoto ou híbrido. Mas, é evidente que muitas ainda estão despreparadas para manter esses modelos não tradicionais. Na reportagem para o Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, contribui com o tema e diz que a necessidade individual dos funcionários e de que local preferem trabalhar devem estar presentes em discussões no modelo organizacional daqui em diante.

O trabalho remoto imposto pela pandemia permitiu que algumas pessoas desengavetassem um desejo ou sentissem uma nova vontade: viver fora dos grandes centros urbanos. Um estudo da agência de pesquisa Apoema mapeou o perfil de quem fez essa mudança de vida ou está prestes a fazer. Durante quatro meses, mais de mil pessoas foram entrevistadas.

Julia Ades, fundadora e head de pesquisas da Apoema, explica que pessoas de diferentes idades, contextos sociais e culturais se identificam e desejam realizar o que ela chama de êxodo urbano. Mas, normalmente, quem concretiza a mudança são pessoas que já têm alguma conexão com a natureza e que percebem o contraste emocional quando estão perto dela. “O êxodo urbano é muito impulsionado por algum gatilho, seja um burnout, uma crise de ansiedade ou de pânico, uma depressão ou até o nascimento de filhos”, afirma. “São pessoas que passaram ou estão passando por algum período de questionamento, de angústia.”

Ela ressalta que esse tipo de mudança – dos grandes centros para cidades de praia, montanha ou de menor porte – é, ainda, um movimento muito aderido pela elite que, muitas vezes, tem casa de veraneio, a possibilidade do trabalho remoto ou que conta com estrutura financeira para realizar a mudança.

Bob Wollheim, chief strategy officer (CSO) da multinacional CI&T, lembra que esse “pacote de privilégios” permitiu que ele deixasse a capital paulista na pandemia com a mulher e o filho de sete anos para fixar residência em Ilhabela, no litoral norte do estado, onde já tinha uma casa de veraneio. “Sair de São Paulo era um sonho, mas vinha com um pênalti: a necessidade de mudar a vida profissional”, conta. “E não é a minha ser dono de pousada, nada contra, mas eu gosto do que faço e curto estar na cena de negócios que está pegando. Sair disso não me animava muito.”

Chegou a pandemia, o trabalho remoto e em julho ele e a família decidiram descer a serra sem prazo para voltar. “Naquela época não era uma mudança, mas também não era para passar só o fim de semana.”

Pouco depois o casal decidiu que não voltaria mais. Os dois alugaram a casa em São Paulo para outras pessoas e arrumaram uma escola para o filho em Ilhabela. “Foi algo incrível porque não tive o pênalti [de ter que mudar o trabalho]”, afirma. “A pandemia destravou essa chance de viver em um lugar que te agrada sem sair do ‘game’.”

Ainda que trabalhe muito, com reuniões ao longo de todo o dia, Wollheim diz que faz caminhadas matinais diariamente no meio da natureza, busca o filho na escola e desvia para andar na praia por cerca de IO minutos. “Isso muda tudo, mesmo sendo só 10 minutos.”

O executivo conta que essa proximidade com a natureza traz um equilíbrio enorme. “Porque o dia a dia é puxado, são cerca de 10 reuniões, eu fico super cansado, como se estivesse em São Paulo, mas eu consigo repor a energia.”

Ades, da Apoema, comenta que os gatilhos que impulsionam esse tipo de mudança são reflexo de desejos que, muitas vezes, foram reprimidos ou engavetados. “As pessoas querem encontrar o equilíbrio emocional e dizem que, nas metrópoles, essa luta é infinita”, afirma. “Quando há o gatilho, percebem que pode ser um momento
para recalcular a rota.”

A CI&T, onde Wollheim trabalha, já anunciou que vai adotar o modelo híbrido de trabalho com o fim da pandemia, permitindo que os funcionários escolham se querem trabalhar parte do tempo no escritório, full-time presencial ou 100% remoto. “A partir do momento em que houver uma volta à normalidade, será natural vermos vários tipos de formatos de trabalho em convivência na companhia”, diz Carla Borges, head de people da CI&T, empresa com 4 mil funcionários. “Entendemos que cada pessoa tem necessidades distintas e a busca por qualidade de vida no mundo corporativo ganhará mais importância no pós-pandemia”, afirma.

Dalton Nunes de Oliveira, gerente nacional de operações de customer service da Siemens Healthineers, mudou de vez com a família – mulher e dois filhos – de Alphaville, na Grande São Paulo, para a praia de Guaratuba, no litoral norte paulista. “A gente já cogitava ir mais para o interior, sentíamos uma necessidade de mudança porque vivíamos em apartamento, então a gente considerava condomínios de casas no interior, mas ainda bem perto de Alphaville. Era um desejo e necessidade, mas não era efetivo.” A decisão de mudar veio mesmo com o trabalho remoto imposto pela pandemia. ‘A Siemens já fazia prática de home office dois dias na semana, mas eu não conseguia executar, e era um limitador para a mudança.”

Há mais de um ano morando no litoral, Oliveira vê os benefícios do contato com a natureza e da proximidade com os filhos – um benefício do home office. “Ganhamos espaço e integração com a natureza, isso dá liberdade, esse contato com a natureza contínuo, e estar mais perto das crianças me aproxima do crescimento deles, me dá a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento, é fenomenal ter conseguido isso.”

Aos poucos, algumas pessoas estão retornando ao escritório e Oliveira diz que, ainda que não seja obrigatório trabalhar presencialmente, já está testando um modelo em que fica dois ou três dias em São Paulo e os demais em Guaratuba – são duas horas de viagem. “Tomamos a decisão de ficar no litoral e ter uma base de apoio em São Paulo, invertendo a lógica anterior”, diz.

Avaliar a necessidade individual dos funcionários de onde preferem trabalhar deve ser uma tônica daqui para frente na visão de Rafael Souto, CEO da Produtive, especialista em transição de carreira. Mas a verdade é que, na média, as empresas não estão preparadas para esse modelo. “Um estudo do Gartner mostra que 78% dos funcionários não se sentem à vontade para conversar sobre os seus interesses de carreira. Então, o dado mostra que ainda não existe esse espaço, mas eu percebo que cada vez mais os líderes estão se dando conta de que não investir em um diálogo de carreira, que mapeia os interesses, vai fazer com que eles percam os mais talentosos, vai fazer com que eles se distanciem do engajamento que precisam para entregar os resultados”, afirma.

Para Souto, estamos em uma fase de transição, em que as próprias pessoas ainda não assumiram o seu protagonismo na carreira, não reivindicaram esse espaço individual, do seu desenho de vida. “De um lado, os indivíduos estão querendo mais e, do outro, os líderes estão começando a fazer essa jornada. Por isso que as empresas estão investindo mais tempo nessas conversas.”

Na Pitzi, uma empresa de seguros para celular com mais de cem funcionários, o modelo híbrido será adotado após a pandemia. “Os times vão alinhar com o gestor as idas ao escritório, de acordo com a necessidade”, afirma Izabelle Baffi, analista de recursos humanos da companhia. Segundo ela, o modelo “anywhere office” mostrou aumento de produtividade, diminuição de absenteísmo, economia para a empresa e melhor qualidade de vida para os empregados. Algumas pessoas poderão trabalhar 100% remotas e outras terão que ir ao escritório alguns dias por semana.

Pamela Rodrigues Costa, analista de planejamento financeiro sênior na Pitzi, saiu de São Paulo quando a pandemia começou e o trabalho remoto foi implementado. Instalou-se em Pedra Bela, uma cidade de cerca de 6 mil habitantes a 125 quilómetros da capital, junto com o marido e o filho. O casal decidiu, logo no começo da pandemia, vender o apartamento para comprar um maior na capital, ainda em obras, imaginando voltar. Mas, hoje, pensam em seguir na cidade pequena. “Vejo meu filho tendo contato com coisas que eu nunca tive”, diz Costa. O menino, de três anos, pega os ovos do café da manhã no galinheiro no quintal de casa, brinca com as galinhas e ajuda o avô a plantar. “São coisas que não acontecem em São Paulo, e estar em home Office também me permite ver essas coisas acontecerem”, diz. “Temos mais qualidade de vida.”

A rede de apoio que Costa tem na nova cidade, como a proximidade com os pais, é um fator que ajuda na decisão de sair dos grandes centros, comenta Ades, da Apoema. “Uma outra barreira que impede a mudança é o medo da solidão, ou seja, do afastamento dos vínculos afetivos”, diz. “Por isso, ter uma rede de apoio é muito importante para que as pessoas se sintam mais seguras. Ter amigos ou conhecidos por perto, na mesma cidade ou em cidades próximas, torna o movimento muito mais possível para essas pessoas.”

A pandemia, no fim das contas, ajudou nesse aspecto também, com mais gente fazendo o mesmo movimento. Em Guaratuba, Oliveira tem como vizinhos outra família que fez a mesma mudança a partir de Alphaville. “Mais gente começou a migrar e, portanto, maior foi ficando a rede’, conclui Ades.

As carreiras sem fronteiras e o apagão de talentos

Com o trabalho realizado de qualquer lugar, empresas nacionais e globais vão competir pelos mesmos talentos, afetando ainda mais a forma de engajar e desenvolver as carreiras. No artigo do Valor Econômico S/A, divulgado hoje, Rafael Souto, CEO da Produtive, discorre sobre o tema.

Desista da retenção de talentos. Eles não são retidos. Podem ser engajados. E esse desafio está passando pela maior transformação dos últimos cem anos. Na Europa e América do Norte, 50% dos trabalhadores atuam com atividades que permitem o trabalho remoto. No Brasil, segundo dados recentes do IBGE, por volta de 25% dos trabalhadores estão habilitados para o trabalho a distância. Essa tropa de elite compõe o grupo estratégico de atividades intelectuais mais sofisticadas e que precisa ser engajado.

Esse grupo está incorporando na essência o conceito de carreira sem fronteiras. O chamado “bordless careers” foi criado pelos pesquisadores DeFillipe e Michael Arthur no Vale do Silício em 1994. Naquela época já observavam as transformações no mercado de trabalho e o impacto nas carreiras. A antiga expectativa de carreira para a vida toda numa empresa foi substituída pela mentalidade do profissional que vai de forma autônoma construindo seu futuro nos locais que percebe agregar mais valor para seu desenvolvimento. É certo que os criadores do conceito não imaginariam que isso aconteceria em 2020.

Os dados apontam para uma revolução na mobilidade do trabalho. A discussão central não é se sua empresa optará pelo modelo hibrido, presencial ou remoto. O ponto é que existirão empresas globais e locais competindo pelos melhores profissionais e isso servirá para alguém no Brasil, Índia ou num município distante na África. O WFA (trabalho de qualquer lugar, da sigla em inglês “Working From Anywhere”) veio para ficar. Os profissionais terão opções de trabalho remoto e isso afetará a lógica de contratações, a forma de engajar e desenvolver as carreiras.

Isso já aconteceu com os profissionais da área de tecnologia nas últimas décadas e ganhou força em 2020. O impacto não foi maior porque boa parte das empresas teve que revisar seus planos de negócio e não tiveram apetite para contratar. Além disso, estavam definindo as políticas de trabalho remoto e medindo impactos na cultura para encontrar o melhor formato.

No passado perguntávamos sobre a mobilidade de um candidato para uma vaga. Atualmente, questionamos quais vagam podem se movimentar para onde estiver o melhor candidato.

A dificuldade para engajar profissionais não é decorrente apenas dos efeitos do WFA. Ela já vinha acontecendo pela restrição de níveis hierárquicos e achatamento das ofertas lineares de carreira. Esse movimento em relação à competição nos negócios acelerou no século XXI. A impossibilidade de oferecer um plano de carreira pela imprevisibilidade de negócios reduziu a oferta de níveis. Isso exige uma nova abordagem sobre carreira e desenvolvimento.

Estudos de 2019 do Gartner já apontavam a falta de perspectivas de carreira como o principal motivo de pedidos de demissão. Nenhuma empresa conseguirá ter planos de carreira previsíveis e que sejam oferecidos de maneira prévia para todos como nos modelos antigos. O caminho para obter engajamento será permitir que as pessoas construam seus caminhos de forma personalizada, exercendo seu protagonismo, cada vez mais.

Para isso, será necessário escutar os interesses de cada indivíduo, favorecendo escolhas dialogadas e sem imposição. Os modelos de comando e controle são alavancas poderosas para perder bons profissionais.

A carreira contemporânea pode ser definida como “o conjunto de experiências significativas para o indivíduo”. Esse conceito nos ensina que o desenho de vida das pessoas não pode ser inferido e sim construído. A alta performance e o engajamento virão da oferta de experiências variadas que permitam que cada talento construa sua carreira, ao longo do tempo, e evite que as ofertas tentadoras de fora rompam um ciclo que ainda seria produtivo.