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A construção de um plano b não pode ser um tabu

Em novo artigo para o Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, diz que as organizações precisam permitir o desenvolvimento de atividades e projetos paralelos de seus funcionários.

Em 1995, o economista norte-americano, Jeremy Rifkins, projetou que, até 2020, uma parcela significativa dos empregos seria extinta. No livro intitulado “O fim dos empregos”, num tom apocalíptico, Rifkin apresenta a ideia de que todos precisariam migrar para atividades independentes porque o emprego tradicional iria gradativamente reduzir até desaparecer.

As pesquisas de Rifkin apontavam vários motivos para isso, entre eles: a transformação digital, os custos elevados do emprego e a própria crise do capitalismo. Enfim, chegamos à segunda década do século XXI e a teoria não se confirmou por completo. O emprego formal ainda é o motor do sistema capitalista. No entanto, a ideia central proposta nas reflexões do renomado economista é fundamental na construção de carreira.

É pouco provável que o emprego desapareça como forma de geração de renda na sociedade. Mas, certamente deixará de ser a fonte de trabalho para o indivíduo em algum momento da vida, seja pelo nível de atratividade da carreira, idade, setor econômico ou mesmo por satisfação e propósito.

As constantes crises econômicas e as transformações nas relações de trabalho determinam um futuro não muito promissor para aqueles que apostam no emprego formal como única forma de geração de renda. Essa é a fantástica contribuição de Rifikin. Um alerta certeiro sobre a necessidade de mudar o modelo mental sobre trabalho e renda. Isso significa que todo profissional precisará, em algum momento, construir um plano alternativo em relação ao emprego formal em sua trajetória.

A ideia contemporânea sobre carreira incorpora um conceito chamado “trabalhabilidade”, inicialmente apresentado pela Professora Rosa Kraz no Brasil, no início dos anos 2000, e hoje entendido com a visão contemporânea do protagonismo na carreira.

A trabalhabilidade é a capacidade de uma pessoa gerar renda ao longo de sua vida, independente da forma ou modelo. O emprego é apenas uma das possibilidades de trabalho. O conceito define que a carreira não é mais uma sequência de cargos ao longo do tempo, e sim que carreira é uma sequência de experiências significativas ao longo da jornada. Por isso, a construção de alternativas de renda deve fazer parte do planejamento de carreira desde o primeiro dia de trabalho.

No século passado, as pessoas estudavam para encontrar um bom emprego. Hoje, precisamos desenvolver a educação sobre carreira nas escolas sobre uma perspectiva mais ampla em que o emprego é uma das opções.

E nessa caminhada de mudança também precisaremos refletir sobre como as organizações enfrentam o tema. O preconceito com os empregados que pensam em construir um plano B para sua carreira ainda compõe o ambiente da maioria das empresas.

O escritor Ron Carucci chama isso de contrabalanço de necessidades organizacionais e carreira dos indivíduos. No livro “Rising The Power”, Carucci mostra o quanto o sucesso de uma organização está cada vez mais em equilibrar os interesses das pessoas e da organização. Os índices de engajamento no trabalho sobem de maneira significativa quando os profissionais conseguem realizar seus projetos de carreira na empresa. Ter espaço sem punição para planejar alternativas de trabalho faz parte desse contexto.

O medo da empresa reside na ideia de que se alguém começa a construir um negócio próprio, dar aulas ou contribuir num conselho de administração estará dispersando energia. No entanto, diversos estudos mostram o contrário. Os pesquisadores John Jachimowicz e Julian Arango apresentam os benefícios que atividades paralelas podem trazer para o indivíduo e para a organização em que trabalham.

Em seus ensaios sobre carreira, mostram o quanto a construção de atividades externas aumenta o nível de resultados em decorrência da rede de contatos, oxigenação de rotinas e ampliação do repertório para resolução de problemas. A ideia antiga de comando e controle precisa ser substituída por uma ideia de diálogo aberto e ciclo de carreira. O ciclo ótimo de carreira é aquele em que o indivíduo sente espaço para construir sua carreira e a organização está satisfeita com os resultados do profissional.

Nesse conjunto equilibrado, há espaço para discutir alternativas de renda e encorajar o profissional para planejar seu futuro de forma independente e colaborativa. Os modelos de trabalho baseados em obediência cega não correspondem ao novo mundo do trabalho.

O desafio principal está na transformação do modelo mental e no sistema de crenças da organização. Os sinais já estão por todos os lados. Basta a economia crescer e a oferta de trabalho aumentar para aquelas empresas que não estiverem abertas ao diálogo e para o indivíduo construir sua carreira assistirem seus profissionais mais talentosos irem embora.

 

 

Carreira 3.0: a era da trabalhabilidade

Em sua coluna no jornal Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, discorre sobre o futuro das relações de trabalho e a necessidade de transformação dos profissionais.

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As mudanças do mundo do trabalho são evidentes. Mais do que as mensagens apocalípticas sobre robôs e extinção de funções, as transformações no emprego tradicional são cada vez mais rápidas e potentes. Alguns fatores se destacam nessas alterações.

O primeiro é a reorganização das empresas. Lançadas numa era de ampla competição, precisaram reduzir níveis hierárquicos e repensar o jeito de operar. Esses constantes cortes de estrutura limitam a oferta de posições e tornam o emprego mais escasso. A consequente exigência aumenta e a oferta de posições fica mais restrita.

Outro fator foi o colapso da oferta do plano de carreira, que morreu. O sequenciamento de cargos pelo decurso do tempo é um modelo antigo e impossível de ser mantido. Cada indivíduo terá o desafio de construir o caminho de sua jornada profissional. Fazer articulações e sobreviver no tempestuoso mundo corporativo. Não há mais crescimento por tempo de casa. Não há mais rota, trilha ou plano linear. A incerteza dos negócios impede a criação de modelos previsíveis de crescimento profissional. Só resta ao profissional buscar seu desenvolvimento para estar pronto quando a oportunidade surgir.

Outra mudança significativa tem relação com a longevidade. Estamos vivendo cada vez mais e precisaremos encontrar alternativas para continuar produzindo, além do emprego tradicional. O mantra do século passado: “estude para ter um bom emprego” é incompleto neste novo pensar na carreira. O emprego é um ciclo finito na vida do indivíduo. O trabalho é mais duradouro. Encontrar formas alternativas de produzir é um desafio de todos. Isso impõe uma mudança de modelo mental.

Pensar a trabalhabilidade é descobrir alternativas para encontrar ocupação e gerar renda. Não somente o modelo clássico do empreendedor, embora esse também o seja. Buscar atividades em tempo parcial, colaboração baseada em resultados, atividades de consultoria, docência ou qualquer outra maneira de estar ativo.

Nessa direção surge o conceito que chamo de Carreira 3.0. É a fase mais aguda do protagonismo de carreira. Numa época em que o trabalho será cada vez mais colaborativo e conectado, a gestão da carreira cabe integralmente ao indivíduo. Ele é o agente principal na missão de buscar trabalho e se desenvolver. Aumentar a prontidão para as demandas que vão surgindo. Explorar de maneira ativa as oportunidades no mercado. Pensar além do emprego e estar aberto a novos modelos.

As ideias antigas de emprego e empregabilidade devem ficar na lembrança. Afinal, pensar somente em emprego é coisa dos anos 70, quando encontrar uma boa empresa era a realização de todo profissional, que tinha a sua vida cuidada pela organização até a aposentadoria. Era a carreira 1.0.

Já nos turbulentos anos de 1990, surgiu a ideia de empregabilidade. O desafio era ser atrativo para o mercado. Pensar em outras empresas. Mas, o modelo vigente ainda era do emprego. O que mudou foi o início do protagonismo em que o indivíduo passou a assumir uma responsabilidade maior no controle de sua carreira. A fantasia do emprego para a vida toda foi questionada. Esse modelo de empregabilidade já está ultrapassado. Essa fase, que denomino de carreira 2.0, foi um avanço se pensarmos no mercado de 30 anos atrás. Hoje, é conceito dissonante das tendências do trabalho contemporâneo.

Com esse conhecimento, precisamos fazer um honesto check-up de modelo mental. Se ainda estivermos presos nos conceitos de emprego e empregabilidade, corremos um sério risco de ficarmos obsoletos. Mais preocupante do que o impacto da inteligência artificial nos empregos é o risco de ficarmos defasados muito mais rápido do que a chegada das temíveis máquinas.

Não importa se teremos automação, revoluções digitais ou rebelião de drones. Os profissionais atentos a trabalhabilidade e dispostos a explorar alternativas sempre terão espaços. A carreira 3.0 é uma mudança do jeito de programar a vida no trabalho. Essa é a verdadeira revolução que cabe a cada um de nós liderar.

O Sonho de Empreender

Para o jornal Zero Hora, Rafael Souto, CEO da Produtive, aborda a importância de um segundo plano para os profissionais que já se aposentaram, mas que ainda desejam produzir e gerar renda.

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O modelo tradicional do emprego para a vida toda faz parte do século passado. A visão contemporânea de carreira exige que os profissionais pensem em novas formas de produzir e gerar renda. A redução das estruturas formais nas empresas é um fenômeno que integra o cardápio da gestão moderna.

Além disso, estamos vivendo mais tempo e o emprego formal tem prazo de validade. Por mais que os contratantes façam um discurso politicamente correto, o emprego para pessoas com mais de 50 anos vai se tornando escasso. Longevidade maior e pressão sobre o emprego exigem novas reflexões sobre o trabalho.

Na construção dessas alternativas, muitos enxergam no empreendedorismo uma nova rota profissional. E aí, a vida muda. E não se trata apenas de ter ou não sucesso no negócio – embora isso seja certamente relevante –, mas sim de uma transformação do modelo mental.

A verdade é que não somos preparados para empreender. A maior parte dos profissionais que estão no mercado foram orientados por seus pais para estudar e ter um bom emprego. A mente é preparada para fazer parte de uma organização.

As angústias começam pela incerteza de renda. A ausência de um salário fixo gera desequilíbrio no planejamento financeiro de quem sempre foi acostumado com a previsibilidade de seus ganhos.

Outro problema é a perda da estrutura corporativa. No início, o dono de um pequeno negócio faz tudo na empresa: desde assinar os principais projetos até servir café ao cliente.

Salvo as exceções de empresas que começam com jeito de corporação, os negócios têm um início pequeno e sem requintes. Essa perda de status deixa em muita gente um gosto amargo e o pensamento de que deveria voltar a ter um crachá corporativo.

Um dos maiores erros dos empreendedores iniciantes é associar a abertura de um negócio a uma vida com mais liberdade. Livre é o funcionário, que pode pedir demissão e ir embora quando não estiver mais satisfeito no emprego. Empreender não tem nada a ver com liberdade ou com ter mais qualidade de vida. Ser o próprio chefe dá trabalho, exige tempo de dedicação e cria amarras que não são fáceis de soltar.

É louvável aceitar que o ciclo do emprego foi encerrado. Iniciar um negócio próprio pode ser um movimento inteligente de carreira. O equívoco é executar um projeto baseado em ilusões ou pressionado pela falta de opções. O empreendedor com chances de sucesso é aquele que acredita na sua ideia e desenvolve um negócio consistente. Empreender é um sonho possível, desde que seja realizado com planejamento e sem a fantasia da fuga do emprego.