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Como planejar a sucessão no novo mundo de trabalho

A continuidade de uma empresa depende de sua capacidade de formar pessoas. Basta analisar as empresas mais bem-sucedidas para concluir que um dos aspectos centrais da perenidade dos negócios está na sucessão planejada como um processo e não um evento isolado.

O tema de sucessão não é novo. É uma agenda presente na pauta da gestão há anos.

Porém, a evolução do mundo trabalho trouxe novas reflexões sobre o assunto.

A principal mudança é que durante o século passado as relações de trabalho eram de longo prazo. Os indivíduos ingressavam numa organização para fazer a carreira. O plano era elaborado pela empresa e as pessoas seguiam um caminho sequencial previsível. Para a maior parte das posições a preparação de novos profissionais era organizada pelo decurso do tempo. Com isso, a discussão mais relevante ficava nas posições de CEO e demais cargos de alta gestão. Em muitos casos, o desafio era preparar a transição de gerações em empresas familiares.

O mundo do trabalho mudou. O tempo médio de permanência caiu drasticamente e as pessoas não parecem tão interessadas em fidelidade. Querem espaços para crescer e estão mais atentas ao mercado. Ficam na empresa que oferecer mais possibilidades e querem realizar seus projetos de vida. Nesse cenário a sucessão ganha outro contorno.

O ponto de partida está na construção de uma visão sobre o tema. A sucessão precisa ser entendida como um desafio de todos os gestores. Escolher alguns níveis e posições mais críticas para dedicar energia pode ser uma estratégia. Mas, a filosofia de formar pessoas precisa estar nas atividades prioritárias da liderança.

Mapear talentos começa pela identificação dos interesses de carreira das pessoas. Um dos riscos de inferir as intenções dos profissionais é criar um mapa de sucessão “fake news”. Construir um plano baseado no que a empresa avalia é uma forma antiga de conduzir as carreiras. O mundo do trabalho contemporâneo exige decisões compartilhadas e não impostas. Não funciona mais de outra forma.

Outro desafio é abandonar o conceito de sucessão por cadeira e pensar em pool sucessório. Essa lógica de pensar o desenvolvimento significa planejar possibilidades de carreira e não apenas preparar para um cargo. Do ponto de vista do individuo dá liberdade de pensar alternativas de carreira de forma mais fluida. Também reduz o efeito de silo de um líder de área que quer bloquear as pessoas naquela área. Ou que se sente dono de um sucessor. Pela ótica da organização essa lógica também deixa claro que um mapa de sucessão é um conjunto de possibilidades. Não há garantia de vaga. Quando a posição surgir, a organização irá analisar as pessoas e decidir. Até lá, irá apoiar o sucessor para que se prepare e construa seu projeto de carreira na empresa.

Na mesma direção de carreiras mais fluídas, diálogos e cenário mais flexível é importante entender o conceito de potencial. Não é necessariamente aquele de maior performance. Resultados passados são relevantes, mas o futuro depende da capacidade de aprendizagem. Identificar aqueles que mais entregam resultados e também os que possuem mais agilidade para aprendizado é essencial. O talento do futuro é o mais capaz de aprender.

O processo sucessório precisa ser compreendido como uma filosofia de gestão a ser praticada pelos gestores da empresa. Não é um processo da área de recursos humanos. Precisa ser vivida pela gestão como desafio permanente e estar na pauta regular do conselho e nas reuniões de gestores.

Como afirma a referência global no tema Ram Charan, a sucessão não pode ser vivida apenas no momento de ingressar num comitê de sucessão. Precisa ser vivenciada no dia a dia. A formação das pessoas, o mapeamento de interesses de carreira e a garantia da livre movimentação dos talentos são atividades essenciais de liderança.

Como devem ser feitas as promoções se a carreira não é mais linear?

A maior parte dos planos sucessórios é feito com base nas necessidades das empresas e não das pessoas. Esse sistema baseado na visão empresarial praticamente exclui as escolhas individuais e se torna um grave fator de risco para as organizações. Rafael Souto, CEO da Produtive, mostra como a nova lógica de sucessão pode beneficiar empresas e profissionais em seu novo artigo para a Você RH.

Durante boa parte do século passado, as relações de trabalho eram construídas num modelo de obediência cega. A empresa determinava o futuro das pessoas, movimentando as carreiras de acordo com as demandas de negócio. O plano de carreira era de longo prazo e previsível. O contrato psicológico significava entrar num local e a empresa cuidar da carreira.

Os planos de sucessão seguiam uma linearidade e previsibilidade no tempo. Alguém apontado para ser o sucessor tinha prazo e cadeira garantidos num modelo com estruturas grandes e que asseguravam essa estabilidade. O engajamento das pessoas ao longo do tempo era baseado nessa promessa sequencial de cargos.

Essa filosofia sucumbiu diante das transformações do mundo dos negócios. As estruturas não são mais previsíveis. Ao contrário, mudam com velocidade supersônica. Isso impede promessas de longo prazo baseado em cargos.

A sucessão contemporânea também precisa ser ajustada na forma de mapear os interesses de carreira dos indivíduos. Nos sistemas do passado era fácil inferir o que era melhor para os empregados considerando avaliações de desempenho e potencial. Depois cruzar com as demandas de negócio e construir um mapa. Esse sistema baseado na visão empresarial exclui ou minimiza as escolhas individuais e se torna um grave risco para as empresas. Por mais que possamos rechear o processo de sucessão com ferramentas, algumas com glamorosas siglas em inglês como “assessment”, “high potential”, “nine in box”, precisaremos repensar o equilibro entre interesse organizacional e visão de carreira do indivíduo.

Desde o final do século passado, o protagonismo na carreira vem ganhando força como uma forma de dar sentido prático para a responsabilidade do indivíduo na construção da sua carreira. Essa diretriz combina com o novo mundo do trabalho e dá clareza no papel de cada profissional na construção de sua trajetória agindo de forma curiosa e ativa na exploração de seu futuro profissional.

Nesse sentido, precisamos conectar a diretriz de protagonismo com os mapas de sucessão para que a visão de futuro da organização faça sentido com a narrativa de carreira do funcionário.

Segurança psicológica

Isso exige uma nova abordagem para o tema, começando pela construção de uma cultura de segurança psicológica que permita livre reflexão e diálogos transparentes entre líderes e sua equipe. Somente num ambiente de confiança e com conversas frequentes é possível construir reflexões potentes sobre carreira. Estimular gestores para estabelecer rituais permanentes de conversas sobre cenários de carreira, interesses e temas de desenvolvimento é um passo estratégico para a construção de planos de sucessão equilibrados e que sejam confiáveis.

Os comitês que discutem pessoas e mapas de sucessão também precisam repensar os modelos de comando e controle na forma de considerar a carreira e os movimentos dos indivíduos. A inferência é um pecado mortal na construção da carreira contemporânea.

Um estudo publicado pelas americanas Julie Winkle Giulioni e Beverly L. Kaye mostrou que 55% dos mapas de sucessão realizados em grandes empresas eram feitos com visão predominante da empresa e pouco incluíam interesses genuínos dos funcionários. Isso se deve à ausência de conversas e mapeamento desses interesses de carreira, e também a falta de liberdade para a livre discussão sobre carreira. Isso torna os mapas de sucessão altamente falhos.

A nova lógica de sucessão não exclui a visão da organização sobre os indivíduos e sim integra a visão de carreira para que os movimentos sejam equilibrados e coerentes com a filosofia baseada no protagonismo. Permitir a diversidade de carreiras e que cada um possa construir o seu projeto são as mais potentes estratégias para engajar as pessoas e garantir consistência nos planos de sucessão.