A aceleração das mudanças e a necessidade de inovar associadas ao mundo digital, fizeram com que os jovens fossem cultuados e aumentou o preconceito com profissionais mais velhos. No novo artigo para o Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, fala sobre o tema e como o equilíbrio entre as diversas faixas etárias trabalhando em conjunto é cada vez mais sábio e necessário.
Vivemos um período de inquietação e ansiedade, com diversas e profundas transformações no mundo do trabalho. No que se refere à faixa etária, podemos observar mudanças acontecendo ao longo dos anos.
Desde o início da industrialização no início do século XX até os anos de 1990, a lógica de contratações e crescimento profissional privilegiava a experiência. Pensar em ser gerente antes dos 35 ou 40 anos de idade era presunção. O jovem devia aguardar sua vez na fila, pois os sistemas de plano de carreira eram lentos e não valorizavam a performance. Por isso, os ciclos de permanência na empresa eram longos e, por vezes, desestimulantes.
Com abertura da economia e o início da globalização no final do século, vivemos uma rápida transformação do mercado. A cultura do jovem e do trainee passou a ser sinônimo de inovação e agilidade necessária para os novos desafios. Os mais velhos foram rapidamente culpados pela ineficiência das empresas e iniciamos uma fase de idealização da juventude para salvar negócios envelhecidos.
No século XXI a aceleração das mudanças e a necessidade de inovar fez com que os jovens fossem cultuados. A era digital reforçou o etarismo. O preconceito com profissionais mais velhos ganhou força com o aumento da tecnologia nos negócios, associado à mítica ideia do jovem “nerd” que reinventa o mundo a partir de sua garagem.
O universo das startups e seus jovens universitários ganharam destaque. O mundo digital e os ecossistemas de inovação pressupõem a liderança de jovens com ideias brilhantes e disruptivas. No entanto, os dados começam a mostrar que o culto excessivo ao jovem, além de não corresponder ao sucesso almejado, pode ser um risco.
A pesquisa “Idade e Empreendedorismo de Alto Crescimento”, do professor do MIT, Pierre Azoulay, desconstrói a crença de que só os jovens criam negócios grandes e transformadores. A constatação é de que 42 anos é a idade média dos fundadores de startups e outros negócios bem-sucedidos nos EUA.
Outra reflexão sobre liderança precoce nas empresas é como alguns programas colocam jovens no poder muito cedo e sem bagagem suficiente. O excesso de pressão para crescer rápido pode ser ruim para o jovem e para a empresa. O culto ao “trainee” que vai salvar a empresa gera efeitos colaterais graves. Um deles é descrito pelo psicólogo Keith Campbell como “Epidemia Narcisista”. Ele afirma que essa síndrome começa a ser construída nas famílias e na escola. O excesso de reconhecimento e a incapacidade de serem criticados estão construindo uma geração sem autocrítica e com dificuldade para lidar com perdas e frustrações. A culpa está sempre no outro que não soube valorizar ou dar espaço para o gênio da família.
“E nas organizações, estamos ampliando esse problema”, diz Campbell. Não há nada mais nocivo do que empoderar jovens potenciais como se fossem senhores da verdade para ficarem acima do bem e do mal porque estão sendo mapeados como talentos da empresa.
Ninguém ganha com isso. Logo, o próprio talento entra em sofrimento porque não consegue ver seus projetos evoluírem.
Estamos vivendo mais, os desafios são mais complexos e o equilíbrio entre as diversas faixas etárias trabalhando em conjunto parece sábio. A nova onda de gestão que respeita a diversidade e trabalha para a inclusão precisa revisitar o conceito de sucesso e desempenho. A inferência de que a idade pode determinar mais energia ou exposição a risco não se sustenta.
O fim do preconceito em relação à faixa etária deve acontecer. A sociedade tem se mostrado cada vez mais disposta a coibir toda forma de discriminação, seja de etnia, religião ou gênero. Chegou a hora de combatermos o etarismo. Ele não é compatível com o novo mundo do trabalho.