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O escritório do futuro

Você já parou para pensar em como o ambiente de trabalho afeta a sua rotina? Este é um dos aspectos que influencia a satisfação profissional e o desempenho dos profissionais. Em artigo para a Você S/A, Rafael Souto fala sobre essa relação e destaca que não adianta investir em um ambiente moderno se as relações de trabalho permanecerem engessadas em modelos antigos de gestão. O que define satisfação e propósito no trabalho é um movimento de dentro para fora e cabe a cada pessoa fazer essa investigação permanente entre interesses e objetivos profissionais.

É comum acompanharmos os ambientes corporativos por meio de reportagens, vídeos e fotos. Os que chamam mais atenção são os coloridos, com frases de efeito nas paredes, cadeiras descoladas e um ar de garagem criativa. Os mais inovadores incluem até um bar com apresentações de rock’n’ roll improvisadas e, se tiverem animais de estimação no escritório, já estão quase prontos para estampar uma capa de revista.

Trabalhar em um ambiente descontraído e agradável é um ponto positivo no mosaico que define satisfação. Mas, esse não é o aspecto central. Não podemos escorregar na ideia de que andar com um coelho no colo trará satisfação profissional.

O que define satisfação e propósito no trabalho é um movimento de dentro para fora. É a partir das motivações e interesses do indivíduo que se constroem a satisfação no trabalho. E não o contrário. Quando tratamos de satisfação e felicidade no trabalho, o ambiente funciona como uma órbita ao redor do núcleo que é definido pelas aspirações e motivações internas do indivíduo.

Cabe a cada pessoa fazer essa investigação permanente entre interesses e objetivos profissionais. A ideia de protagonismo na carreira está na moda. Uma das ações objetivas para ser dono de dela é fazer uma reflexão permanente sobre quais são interesses, motivações e aspirações profissionais. E, a partir daí, abrir um diálogo com o líder e a organização em busca desses objetivos.

Do ponto de vista da empresa, mais do que investir em salas de inovação e permitir que as pessoas usem bermudas, temos de trabalhar para mudar o modelo mental dos gestores.

Ainda vivemos um primitivismo colonial quando tratamos a carreira das pessoas nas empresas. Falar em avanço tecnológico e inovação não funciona se as pessoas ainda trabalharem em modelos hierárquicos ultrapassados que não favoreçam diálogos transparentes sobre carreira.

Uma recente pesquisa chamada “A experiência dos funcionários”, conduzida pela consultoria norte-americana Future Workplace, revela que os funcionários anseiam por algo fundamental às necessidades humanas.

Exemplo disso foi o que a sócia dessa consultoria, Jeanne C. Meister, levantou quando entrevistou 1.614 funcionários de grandes empresas ao redor do mundo e descobriu que estar em um ambiente com luz natural e com vista para a rua são os itens número um de importância no ambiente de trabalho, superando benefícios tradicionais, escritórios perfumados ou mesas de sinuca.

Nosso desafio parece estar mais na aplicação de coisas simples e que, de fato, transformam negócios.

Uma janela com vista e um bom diálogo permanente sobre carreira podem funcionar muito mais do que estratégias mirabolantes para mudar o ambiente de trabalho. Na sociedade do novo milênio, investir em colaboração e desapegar as velhas formas de gerir pessoas são pontos fundamentais para engajar talentos e desenvolver o negócio.

O menino entusiasmado e o comandante sem paixão

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Novo artigo de Rafael Souto publicado na edição de 30 de julho em sua coluna Novas Conexões:

Num dos meus constantes voos entre São Paulo e Porto Alegre, vivi uma experiência marcante. Sentei numa poltrona na janela e logo atrás ouvi a voz de um menino entusiasmado. Conversava com seu pai sobre o avião e tudo o que acontecia em volta. Perguntava como aquele imenso bloco de aço iria sair do chão. Queria saber de tudo.

Como também sou curioso e apaixonado por aviação, as falas do menino de alguma forma também eram minhas. Quase ao final do embarque, sentou ao meu lado um piloto, com seu traje completo de comandante. Estava em trânsito. A conversa que logo iniciamos sobre aviação foi inevitável.

Ele me contou que estava indo para Porto Alegre em função de uma escala. Conversamos sobre a crise econômica e o impacto nas empresas. E, logo em seguida, questionei sobre como deveria ser incrível voar naquelas máquinas modernas e cada vez mais tecnológicas. Com ar cansado, o comandante tirou do bolso uma folha. Aquele papel amassado trazia sua escala de voos. Ele disse que com aquela rotina ninguém voava feliz. A sobrecarga e a pressão tiravam o prazer de trabalhar. Ele cumpria a tabela. Enquanto isso, a fala daquele aviador provocava em mim uma profunda reflexão.

Neste mês de julho, tive a oportunidade de apoiar a vinda do pesquisador e professor britânico Richard Barret ao Brasil. Barret estuda os valores e seus impactos nas pessoas e organizações. Valores no sentido de crenças e princípios.

O trabalho de Barret usa um modelo de sete níveis de consciência. Nos estágios iniciais, os indivíduos estão focados em sobrevivência. Nas fases mais evoluídas estão preocupados com o bem comum. Como referência, a pirâmide de Maslow na qual na base temos necessidades mais primordiais de sobrevivência e no topo desejos mais sofisticados. O mesmo raciocínio vale para o sistema de valores das organizações. No topo desse conjunto de princípios estão ética, moral e contribuição com a sociedade. Na base estão aspectos como resultado financeiro e processos. É um processo de desenvolvimento.

A pressão por resultados e lucro de curto prazo afastam essa discussão das organizações. A competição em oceano vermelho, com margens baixas e resultados cada vez mais difíceis, é um limitador. Não temos tempo e nem foco em discussões de valores como justiça, ética, felicidade e família. Nossas empresas estão lutando para sobreviver.

Essa batalha pelo lucro e pelo retorno do capital ao acionista não é suficiente para mover as pessoas. Ninguém trabalha pelo acionista. As pessoas produzem pelo propósito. No jogo corporativo atual, o resultado financeiro, além de ser o primeiro fator, em muitos casos é o único. Executivos com o olho no curto prazo e no bônus. Pouco interessados no futuro da organização. Esse comportamento não é inspirador.

O ambiente tóxico tem afetado a saúde dos profissionais, como apontou um estudo que fizemos há alguns anos, publicado nesse jornal. Chamava-se “executivos tarja preta” porque apontava que um número próximo a 20% dos profissionais entrevistados usavam medicamentos regulares para dormir e controlar ansiedade.

Eu compreendo o jogo corporativo. O retorno financeiro é fundamental. Desenvolver estratégias vencedoras, conquistar clientes e ganhar mercado são movimentos essenciais para os negócios. Mas parece que o jogo do jeito que está colocado dá sinais de fracasso. Estamos terminando com a paixão das pessoas. Precisamos pensar no rumo que estamos dando às nossas empresas e ao nosso país. Uma reflexão sincera sobre nossos valores e propósitos para que aquele menino entusiasmado do voo não termine amassado pelo sistema.