Durante o século XX as pessoas aceitavam o que lhes era imposto no trabalho pela ideia do vínculo de longo prazo. O modelo mental era ingressar numa empresa e aposentar-se lá. Questionar o modelo era perigoso e ofensivo.
A gestão da carreira era delegada à empresa. Havia uma relação de subserviência. Trocar de trabalho era complexo e visto de forma pejorativa. O melhor era fingir que não percebia incoerências, assédios e esquisitices corporativas. Aceitar a retórica tinha um sentido na sustentação do emprego para a vida toda.
Isso mudou drasticamente nos últimos anos. Os indivíduos começaram a lutar por satisfação e propósito. A evolução da sociedade fez surgirem novas dinâmicas de interação entre indivíduos e empresas. A conexão entre o sentido do que fazem e a coerência organizacional está em evidência.
A pandemia e seus impactos marcaram o início de uma nova era no trabalho. Fenômenos como “a grande renúncia” ganharam força a partir de 2020 e são um extrato da nova dinâmica, em que o indivíduo tem mais poder e quer fazer novas escolhas. Assistimos a um número significativo de pessoas que pediram demissão em busca de trabalhos que atendessem melhor ao seu estilo de vida e propósito.
Uma pesquisa realizada em 2022 pelo Instituto Gallup apontou que 43% dos profissionais estavam dispostos a trocar de trabalho e os fatores centrais eram ausência de identificação com práticas de gestão e a percepção de falta de oportunidades de mudar na empresa.
Até pouco tempo dizíamos que uma empresa precisava contar histórias para atrair pessoas ou clientes. O tal storytelling. Hoje é mais do contar histórias: é necessário garantir que ela de fato exista. O discurso deve ser vivido na realidade da empresa.
Não é aceitável uma empresa ser defensora de agenda ESG e ter fábricas que usam trabalho análogo à escravidão noutro continente. Ou ainda, pregar transparência nas equipes e usar práticas antiéticas sobre dados de clientes.
Nessa linha, as críticas às bizarrices corporativas estão mais intensas. Líderes que não observam os interesses de carreira de suas equipes impondo modelos jurássicos de comando e controle estão no centro dessa retórica inaceitável. Recente estudo da consultoria internacional Gartner, numa amostra de 5000 profissionais, apontou que 78% dos indivíduos não se sentem encorajados por seus líderes a explorar possiblidades de carreira na empresa. Não sentem confiança na relação com seus líderes.
Períodos de desemprego mais alto podem suavizar o problema para contratar, mas os danos às marcas empregadoras hostis geridas por líderes desconectados de seu tempo prevalecerão aumentando o turnover e a dificuldade de engajar.
Precisamos formar líderes que sejam faróis para apoiar seus times que façam conversas mais frequentes e assumam suas vulnerabilidades. É fim da era do líder quem tem todas as respostas. O líder contemporâneo é um conselheiro no desenvolvimento das pessoas. Precisa agir com transparência e ser embaixador de uma cultura coerente que possa atrair e engajar as pessoas. Como afirma John Mackey, co-fundador e CEO da Whole Foods Market, considerado um dos pais do capitalismo consciente: coerência e ética empresarial são os pilares mais importantes de sustentação de uma empresa.
Alguns poderiam dizer “na minha época as pessoas eram comprometidas e não havia esse discurso”. Ao invés de ficarmos escandalizados com fenômenos novos, como o TikTok de jovens se demitindo, precisamos entender essa transformação e aceitar que estamos diante de uma nova era do trabalho. Novas gerações denunciam práticas obscuras com alta intensidade.
Para os críticos da evolução já passou da hora de eliminar a naftalina do armário e se atualizar. Do contrário, serão gestores de empresas parecidas com mausoléus repletos de histórias horripilantes para contar.