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O poder das carreiras não lineares

A definição de sucesso profissional está sendo radicalmente reescrita. Não estamos mais limitados à tradicional estrada, baseada na formação acadêmica, nas estruturas piramidais de cargos e na progressão linear que uma vez nos conduziu a carreiras previsíveis. Estamos em uma era de carreiras não-lineares, onde as oportunidades se expandem em todas as direções e onde a inovação e a adaptabilidade são as chaves para o sucesso.

Do ponto de vista das empresas, a construção de alternativas de carreira não lineares significa um novo formato para dar oportunidades e aproveitar o potencial de contribuição dos funcionários. O modelo tradicional baseado em progressão linear está cada vez mais limitado. Segundo estudo da consultoria global Mercer, os números de níveis hierárquicos caíram de 18 para 8 nos últimos 20 anos. A necessidade de aumentar eficiência fez com o que estruturas fossem achatadas gerando menos opções de crescimento tradicional.

Além disso, os dados mostram que o principal fator para perda de talentos é a falta de desenvolvimento profissional. Estudo do LinkedIn mostrou que para 61% dos profissionais o fator chave para ficar na empresa é possibilidade de crescimento.
Temos uma equação de difícil resolução. De um lado estruturas enxutas e do outro, pessoas querendo mais espaços e crescimento.

A carreira não linear é uma forma de lidar com essa problemática. Nela, as pessoas podem trabalhar em atividades complementares circulando na empresa de acordo com as atividades disponíveis e sua possibilidade de contribuição. É como um profissional que está na área de vendas, mas pode trabalhar algumas horas da semana na área de recursos humanos contribuindo numa iniciativa específica.

A não linearidade significa a formalização de um aspecto cada vez mais vivo nas expectativas de carreira de muitos profissionais: o interesse de contribuir além do cargo que ocupam.

Em que pese fenômenos recentes como o “quiet quitting”, em que profissionais só querem fazer aquilo para que foram contratados e nada mais, temos um número significativo de pessoas com fome de aprendizado e interesse em colaboração além da área em que atuam.

Querem se destacar e contribuir e não necessariamente ter mudança de cargo. Entendem que participar de uma atividade complementar ao seu foco pode ser um caminho para ampliar networking e visibilidade na empresa.

A carreira não linear, também chamada de carreira em nuvem, não pode ser imposta. Precisa ser dialogada uma vez que determina esforço adicional. Esse diálogo deve considerar o interesse do profissional, momento de vida e capacidade de equilibrar suas demandas.

O movimento exige uma mudança cultural dos líderes que precisam escutar e encorajar seu time. Não podem impor e nem bloquear, precisam construir. A carreira em nuvem é uma caminhada que exige dedicação extra e isso só acontece quando o individuo entende os ganhos para sua carreira.

A não linearidade é um exercício de protagonismo em seu estado mais genuíno, pois exige autoconhecimento para descobrir interesses e paixões. Também é um movimento que sintetiza a ideia de aprendizagem permanente e adaptabilidade. É um treinamento poderoso para habilidades essenciais do século XXI e também um caminho para pensar em novos formatos de trabalho e reforçar a capacidade de gerar renda para além do emprego tradicional.

À medida que o mundo do trabalho continua a evoluir, as carreiras não-lineares estão se tornando a norma, não a exceção. É um caminho para abraçar a diversidade de oportunidades que a vida profissional moderna oferece pode ser uma jornada emocionante e gratificante, gerando ganhos para indivíduos e organizações.

Conhecimento que flui na empresa

Em vez de treinamentos pontuais, os ecossistemas de aprendizagem começam a ganhar força nas organizações – saiba como implementar um na sua também.

E nquanto você lê este texto, é bem provável que uma soft skill tenha ganhado força, alguém tenha inventado um método de ensino inovador ou um vídeo sobre o uso do ChatGPT tenha viralizado no YouTube. O cenário é reflexo da pressão por resultados e sua consequência direta: revoluções por minuto na forma de trabalhar. Em algum lugar do mundo, alguém, de algum setor, está precisando adaptar-se a uma inteligência artificial. E para acompanhar tudo isso?

Se a velocidade dessas mudanças corre de um lado, trazendo soluções inéditas, do outro (o de saber lidar com elas), o ritmo parece mais lento. Uma pesquisa feita pela Gartner com mais de 3 mil entrevistados de diferentes países mostra que os funcionários não estão aprendendo rápido o suficiente para acompanhar essas transformações: apenas 45% deles concordam que a organização fornece todo o conhecimento de que precisam. E 65% dizem não ter influência sobre o que estão aprendendo. Segundo a consultoria, apenas uma em cada cinco empresas realmente ouve os colaboradores sobre o que gostariam de aprender e como. Só que, na montanha-russa do contexto atual de negócios, a aprendizagem é vital para amenizar os sustos. E isso passa por mudanças também na forma de receber (e buscar) esse aprendizado.

Os maiores especialistas em educação corporativa já sabem: o processo agora deve ter menos foco nos treinamentos formais, em sala de aula, e mais na formação de um ambiente que permita a fluidez do conhecimento – em diferentes formatos, com diversas origens, de modo que cada um seja professor e aprendiz. Não à toa, as consultorias começaram a falar em ecossistemas de aprendizagem.

O termo busca sua inspiração na natureza: os mais variados tipos de organismos interagem entre si para se alimentar e se transformar em harmonia. No mundo empresarial, essa interação envolve uma diversidade de conteúdos, lugares e fontes de conhecimento, segundo a definição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Aprendizagem informal

“Nesse ecossistema, a área de educação corporativa é só uma das que facilitam a aprendizagem. Ela deve ser promovida por todos os setores da companhia, interagindo entre si. Cada área, com suas especialidades, oferece um conhecimento diferente”, diz Juliana Falcon, consultora da nōvi, estúdio especializado em cultura de aprendizagem. “E todo colaborador é um aprendiz. Ele recebe informações do setor de treinamento do RH, de sua própria área e de outras que tenham interesse em informá-lo. E também tem autonomia para buscar conhecimento.”

Esse ecossistema ainda depende das tecnologias e ferramentas apropriadas e de uma liderança que estimule uma verdadeira cultura de aprendizagem na empresa como parte da estratégia do negócio, quando todos aprendem o tempo todo. Mesmo quando nem percebem isso.

Falcon se refere aqui aos momentos de aprendizagem informal, quando você conversa com um colega sobre algum assunto da empresa, participa de uma atividade de outra área, e mesmo quando lê um livro por prazer.

A diversidade de perspectivas, contextos, histórias e lugares ganha palco. “Esse ecossistema é gerido pelo coletivo. A ideia é ir ‘furando bolhas’ para trazer ideias diferentes, que são essenciais em dia”, diz Reynaldo Gama, presidente da HSM & SingularityU Brazil. Para ele, não dá mais para pasteurizar a educação e ter apenas a sala de aula como padrão, pois dessa forma só uma parte do time vai aprender. “Há pessoas que absorvem mais conhecimento com vídeos, outras com webinar ou PowerPoint.”

Para Juliana Falcon, isso não significa que os treinamentos formais vão desaparecer. Sempre haverá necessidade, em alguns negócios. “O importante é que o RH não deixe de olhar para a aprendizagem que circula pelos corredores nas empresas e está em todos os níveis.”

É necessário ter em mente que existe muito conhecimento dentro das organizações, e isso não tem relação direta com o cargo. “Claro que ter uma governança é importante, mas sem regras impostas”, diz a consultora. “Muitos profissionais que atuam numa fábrica há muitos anos possuem habilidades essenciais, como um mecânico que só de ouvir o barulho de uma máquina sabe que ela está com defeito”, diz. O desafio da liderança é entender como passar adiante esse conhecimento, estimulando as interconexões.

O RH não deve centralizar as ações

Na visão do educador Eduardo Valladares, designer de experiência de aprendizagem, o século 20 ficou muito marcado por obrigações e imposições, e, de certa forma, esse pensamento pautava a atuação das companhias em treinamento e desenvolvimento, e do próprio RH. “É preciso entender, por exemplo, que nem sempre é necessário um MBA de um ano e meio para capacitar um profissional. O aprendizado pode vir em pequenas doses de conteúdo”, diz. A área de recursos deve possibilitar maneiras diferentes de aprender, criar comunidades e incentivar as trocas e a colaboração.

Antes, era comum a gestão de pessoas estruturar ações de aprendizagem de acordo com o cargo de cada um, atuando como um arquiteto que desenha as experiências para toda a empresa. Mas, segundo Vitorio Bretas, diretor de pesquisa e assessoria da Gartner, com a rápida evolução de habilidades, e profissionais com perfis distintos, ficou muito difícil ter o comando centralizado de toda a capacitação. “Agora é preciso estimular a autonomia e o protagonismo dos funcionários para que eles identifiquem o que devem aperfeiçoar e a melhor maneira de fazer isso”, afirma.

A Algar Telecom tem investido nessa mudança. Em 2021, passou a dar um novo significado ao que é aprender, estimulou as oportunidades de ensino informais e motivou os colaboradores a ter autonomia sobre sua jornada como aprendizes. “Percebemos que precisávamos reposicionar a educação corporativa, identificar novos papéis e mapas de aprendizagem diante do contexto do grupo e do mundo”, explica Thais Pazini, líder de cultura e aprendizagem da UniAlgar.

Segundo ela, o modelo estava travado na mentalidade antiga, atuando muito sob comando e controle, lista de presença e trilhas padronizadas. “Nossa estratégia foi desconstruir velhas ideias e apontar caminhos para que o profissional seja protagonista do seu desenvolvimento.”

Com o mote “Se não te dissessem o que aprender, o que você aprenderia?”, a empresa começou a estruturar um hub de aprendizagem, para facilitar a busca das fontes de conhecimento – a ideia é baseada no livro Se Joga que Aqui Tem Rede: Um desmanual para comunidades de aprendizagem autodirigida, de Alex Bretas com o apoio de Conrado Schlochauer.

Aprendizado que vem de experiências pessoais

Dois passos foram importantes para a Algar iniciar esse processo. Começou pela campanha Aprender a Aprender, para conscientizar as pessoas da importância da mudança, estimular a autonomia e orientar as lideranças. O outro foi a realização do documentário Um Eterno Aprendiz, gravado num ambiente de metaverso com Luiz Alberto Garcia, presidente do conselho de administração. “Ele é uma referência. Tem 86 anos e ainda coloca uma mochila nas costas para ir ao Vale do Silício aprender”, diz Pazini.

Garcia compartilha ali que a maior parte de seu conhecimento não veio das salas de aulas, mas, sim, de viagens, conversas e interações. O executivo faz parte, inclusive, do Algar Top Voice, criado para reconhecer os colaboradores que mais geram insights e compartilham aprendizados.

A empresa conta, também, com uma ferramenta de pedidos e ofertas. O funcionário pode solicitar por ali uma ação de desenvolvimento, baseada no que precisa aprender, e a tecnologia realiza o match com quem pode ofertar esse conhecimento. “Nosso objetivo é fomentar um ambiente vivo de aprendizagem, no qual as pessoas possam se conectar e fazer curadoria do conteúdo, aproveitando todo o capital intelectual que temos internamente”, completa a executiva, ressaltando que nos dois últimos anos não aconteceu nenhum treinamento formal na companhia, só ações informais.

O papel da liderança diante de tanta autonomia

O líder deve ser um apoiador desse movimento, incentivando a autonomia do time, pois um ecossistema de aprendizagem só existe se cada indivíduo se sentir responsável pelo próprio desenvolvimento, como explica Rafael Souto, presidente da consultoria Produtive. Ele ressalta que, para isso, é essencial sair do modelo de gestão de comando e controle – aquele que estabelece o que o profissional deve fazer e quando, como se as pessoas precisassem ser guiadas o tempo todo –, e seguir para um que promova reflexões, escuta ativa e colaboração.

Na Sicredi, há um movimento para fomentar o aprendizado autodirigido e tornar o líder um apoiador do processo. “Só a pessoa sabe o que busca para a sua carreira e quais conhecimentos deseja adquirir. Por isso, passamos a pautar nossa estratégia com perguntas como ‘O que faz sentido para aquele profissional?’, ‘Qual o melhor formato de captura de informação?’”, conta Rossana Bitello, gerente de desenvolvimento de pessoas da companhia.

Segundo ela, a ideia é estimular os profissionais a exercer o protagonismo, entendendo que as escolhas são deles. “Ao RH e aos líderes cabe oferecer ferramentas e ajudá-los nesse processo.”

Essa postura faz parte de um projeto para disseminar o ecossistema de aprendizagem na companhia. O primeiro passo foi ouvir todos os colaboradores. “Fizemos uma pesquisa online com mais de 2 mil funcionários para entender como viam a educação oferecida pela empresa, o que queriam aprender e de que maneira. “Não se trata de criar algo baseado no que o RH ou a liderança acha melhor, mas, sim, no que faz sentido para todos”, diz a gerente.

Depois a empresa realizou entrevistas individuais com diretores de cada central e nove workshops. Com os dados em mãos, começou o processo de criação conjunta das ações. Rossana Bitello destaca um fator essencial: a atuação do RH e dos líderes como incentivadores, sem estipular qual treinamento fazer e quando.

O que importa, afinal, é que todos alimentem esse ecossistema, com a aprendizagem permeando todos os ambientes, partindo de todas as pessoas, chegando a todos, não importando a hierarquia de cada um. É o conhecimento como algo vivo, onipresente, sempre ao alcance dos profissionais que têm a inteligência de admitir que não sabem tudo. Esses, aliás, já aprenderam a mais importante das lições.

 

 

 

Conscious quitting, qual o recado desta tendência?

A complexidade, a incerteza e a ambiguidade que marcam a realidade atual têm exigido dos profissionais uma série de competências cognitivas, sociais e emocionais para seguir avançando na carreira.

O mais recente relatório sobre o futuro do trabalho, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, destacou habilidades que devem ganhar ainda mais força nos próximos cinco anos, segundo entrevistas feitas com empregadores.

Num mundo em que a adoção da inteligência artificial ganha força, os humanos com pensamento analítico, capacidade de inovação, aprendizagem contínua, senso crítico aguçado e criatividade serão os mais disputados pelas empresas. Em terra de robôs, será preciso algo mais para se destacar.

Sob o risco de perder o posto para a automação, os indivíduos precisam investir na capacidade de aprendizagem contínua, assumindo as rédeas de seu desenvolvimento, buscando apoio, explorando recursos oferecidos pela empresa, trilhando o caminho com mais autonomia.

Esse perfil profissional assume uma identidade mais crítica e propositiva. São indivíduos que tendem a estar mais atentos às eventuais incongruências entre o que uma empresa prega e o que faz. Não compram mais a velha retórica corporativa, nem se iludem com  boas técnicas de storytelling. Querem vivenciar o discurso da organização na prática e doar sua força de trabalho para empresas com impacto positivo na sociedade.

Este é um dos achados de uma pesquisa recente realizada pelo ex-CEO da Unilever, Paul Polman,  defensor do capitalismo consciente e autor do livro “Impacto Positivo- Como empresas corajosas prosperam dando mais do que tiram”.

O estudo 2023 Net Positive Barometer avaliou as expectativas e atitudes dos funcionários em relação ao impacto das empresas no mundo. Dos  4 mil respondentes – entre profissionais dos Estados Unidos e do Reino Unido -, cerca de metade consideraria pedir demissão se os seus valores não estivessem alinhados aos do negócio. Um terço dos entrevistados disse que esse já foi, inclusive, motivo para deixar uma organização.

Entre profissionais da geração Z, o índice é ainda maior: 49% dos jovens do Reino Unido e 40% dos norte-americanos já pediram demissão por falta de alinhamento com valores e práticas de empresas.

Esses números mostram que valores e impacto positivo da organização no mundo são poderosos ativos de atração e retenção de talentos. Segundo Polman, do fenômeno quiet quitting, a demissão silenciosa, partimos para o conscious quitting: a saída consciente.

É claro  que os  trabalhadores continuam querendo melhores salários e flexibilidade. O ponto aqui é o risco de uma visão reducionista de um colaborador. É preciso ir além do que já deveria ser óbvio. Há algum tempo, compartilho a abordagem do pesquisador e professor Mark Savickas sobre life-design.  Nela, a gestão da vida pessoal e profissional está conectada a valores, interesses e habilidades.

A vida e o trabalho estão intrinsecamente ligados, sendo inseparáveis do contexto que nos cerca. Conforme colocado por Polman, estamos imersos em um mundo pós-pandêmico, marcado por eventos climáticos extremos, guerras e desigualdade abundante. Isso torna ainda mais importante que as organizações busquem alcançar um impacto positivo significativo em suas comunidades, agindo com mais ambição e propósito nessa jornada.

Quanto mais os profissionais se desenvolvem na carreira e adquirirem justamente as habilidades citadas no começo do artigo, menor a chance de se ligarem a organizações (e líderes) desconectados da realidade e das transformações. Estamos numa nova era do trabalho e de investimentos mais responsáveis. Manter altos padrões ESG, medindo sustentabilidade e impacto ético, reduz o perfil de risco da empresa e aumenta o poder de atração e retenção dos novos talentos.

Desinteresse de jovens pela liderança é sinal dos tempos

Quantos jovens você conhece que sonham com a  posição de diretor corporativo e quantos estão simplesmente exaustos, torcendo pela popularização da semana de quatro dias?

A cadeira de CEO não faz brilhar os olhos de profissionais de começo de carreira. Essa foi a conclusão de Gorick Ng, escritor e conselheiro de carreira na Universidade de Harvard, ao investigar quais eram as prioridades profissionais dos universitários, no fim do ano passado.

O que ele descobriu é que dentre os estudantes de uma das universidades mais tradicionais e renomadas, apenas 2% tinham como meta escalar a hierarquia corporativa, traçando o caminho linear de carreira. A maioria das respostas girava em torno do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e estabilidade financeira.

No começo da década, um estudo global realizado pela consultoria Deloitte em 2020, apontou para um quadro mais geral de diminuição do interesse pela gestão, revelando que apenas 29% dos millennials e 27% da geração Z estavam interessados em ocupar cargos de liderança.

As circunstâncias e fenômenos enfrentados pelos jovens devem ser levadas em consideração em uma eventual análise dessa realidade. A pandemia global, crises financeiras e políticas, tensões crescentes e polarizações exacerbadas estão moldando a percepção de mundo dos jovens e influenciando seus comportamentos.

O aumento dos casos de burnout também é um aspecto que chama atenção e que pesa sobre o cenário. Pesquisas indicam que os norte-americanos saíram da pandemia com uma saúde mental três vezes pior. No Brasil, 44% dos entrevistados pela consultoria de recrutamento Robert Half relataram estado de esgotamento profissional, após o período de pandemia.

A pressão e sobrecarga de trabalho dos líderes são fatores que afugentam cada vez mais os profissionais de cargos de gestão. Em um contexto em que as expectativas em torno da liderança são cada vez mais rigorosas, muitos indivíduos percebem que tais requisitos não correspondem a suas aspirações e não se sentem diminuídos por isso, diferentemente do que ocorria em tempos passados. Um ponto positivo é que os novos modelos e formatos mais flexíveis de trabalho abriram espaço para a autenticidade e personalização da experiência de carreira.

É dado que no mundo pós-pandemia, as pessoas passaram a visitar e revisitar valores, repensando propósito e ajustando seu desenho de vida. O modelo de pensar a carreira e tomar as decisões de movimentação no mercado está hoje mais ligado à compreensão de vida, propósito, valores e autoconhecimento do que no enquadramento a um conjunto de cargos numa trajetória linear de subida numa grande  organização.

Nesse sentido, é preciso refletir sobre meios de atração  e engajamento da nova geração de líderes. É cada vez mais importante ampliar as experiências de carreira oferecidas e oferecer um portfólio de recursos de aprendizagem atraente e eficaz, capaz de reter os melhores talentos.

Um mundo em constante e rápida transformação exige uma agenda contemporânea de desenvolvimento de líderes, que  oriente a aquisição de um conjunto de habilidades alinhado às necessidades e responsabilidades do papel de líder atual.

Mas, de nada adianta melhorar a competência dos líderes e afogá-los na operação, sem deixar espaço para que eles possam praticar a liderança, apoiando e desenvolvendo o time.

Como iremos influenciar os jovens para assumirem posições de liderança se basta olhar para a agenda dos gestores e constatar que a essência da missão da liderança, em muitos casos, está perdida entre reuniões, entregas, relatórios, e-mails?

Alfabetização para o futuro impulsiona o RH como agente de transformação

Usar o futuro como uma lente de observação do presente. Essa é uma das possíveis abordagens práticas no caminho da inovação no RH.

Criada pela Unesco, a alfabetização de futuro – future literacy – é uma disciplina que capacita indivíduos para esse approach. A sua metodologia, segundo um dos criadores, o pesquisador Riel Miller, foi construída de tal maneira a dar mais consciência ao funcionamento dos processos de suposição antecipatória do futuro na tomada de decisão estratégica no presente.

É fato que planejamos e tomamos decisões baseadas na suposição do futuro o tempo todo. Mas, ao antecipar e imaginar futuros possíveis de maneira organizada e metódica, iluminamos processos mentais subjetivos de suposição e reação, permitindo uma expansão de consciência. Como pesquisador, Miller estuda há 30 anos a maneira como as pessoas pensam e imaginam o futuro. E, segundo ele, a future literacy tem a grande vantagem de desenvolver uma sofisticação no processo mental de antecipação e uso do futuro no presente.

Indivíduos equipados de alfabetização sobre futuros projetam diferentes cenários e diversificam suas apostas para novos contextos que emergirem. Consequentemente melhoram a capacidade de tomada de decisão e inovação em ambientes de alta complexidade. Essa é uma competência considerada das mais relevantes aos líderes no contexto atual e é especialmente importante para os profissionais de RH.

No que se refere ao desenho organizacional, profissionais da área de gestão de pessoas têm o papel de provocar uma transformação e podem usar o exercício de pensar o futuro como um laboratório para inovar no presente. Para uma proposta efetiva de mudança nas estruturas, é essencial essa agenda de observação de futuros.

Desenvolver esse mindset exige a consideração de múltiplos contextos. Na prática, trata-se de imaginar cenários possíveis ainda que improváveis para aumentar a capacidade de inovar, planejar e criar o futuro mais desejado. Na dimensão individual, abraçar a incerteza e a complexidade, nos torna mais criativos no desenvolvimento de estratégias e aumenta nossa autoeficácia.

Ao desafiar padrões de pensamento, a alfabetização do futuro pode ainda mudar as condições de mudança — um ponto importante para guiar os processos de transição na sociedade e nos negócios. No contexto dos RHs, a alfabetização sobre futuros, sem dúvida, potencializa a influência da área de gestão de pessoas e a eleva à condição de agente transformador. Um olhar consciente e estratégico para a projeção sobre o futuro é o que fará a diferença na resposta da organização às transformações do novo mundo do trabalho.

É papel da área de recursos humanos estar atenta à evolução e ser a mensageira das tendências na organização. Talentos não suportam mais estruturas arcaicas e fenômenos como o aumento no número de pedidos de demissão de profissionais qualificados reforçam esse movimento. Negar a mudança e insistir em modelos desalinhados aos anseios dos profissionais do século 21 tem levado empresas a patinarem entre estudos de turnover e continuará levando.

Organizações conectadas com o futuro e que investem em desenvolvimento têm mais agilidade de resposta frente aos desafios cada vez mais complexos que se apresentam. Além das mudanças evidentes na maneira de contribuir, nos modelos de trabalho remotos ou híbridos, o estímulo à cultura de aprendizagem é essencial em uma agenda voltada para o futuro.

A metodologia para usar o futuro a favor do presente permitirá o RH fazer apostas mais assertivas na construção de novo desenho organizacional com mais estímulo à cultura de aprendizagem. Essa é, de fato, a grande transformação que o futuro nos convoca no presente.

A era do candidato

A nova edição da revista Você S/A traz novo artigo do Rafael Souto, CEO da Produtive, que provoca uma reflexão sobre a decisão de fazer uma transição de carreira, considerando as propostas douradas que surgem com o reaquecimento da economia. O novo cenário que se apresenta no horizonte é uma excelente notícia. Mas, traz consigo a necessidade dos profissionais saberem fazer escolhas.

 

A perspectiva de melhora na economia acende uma chama que estava recrudescida nos últimos anos. Para aqueles que estão fora do mercado, a notícia é um alento para voltar. Já os que estão trabalhando em oportunidades que subutilizam seu potencial, mais chances terão para uma recolocação assertiva.

Em tempos de luta por talentos também já observamos os recrutadores das empresas atuando como guerreiros na busca de bons profissionais. Caçam pessoas e procuram seduzi-las com ofertas tentadoras.

Esse novo cenário que se apresenta no horizonte é uma excelente notícia. Mas, traz consigo a necessidade dos profissionais saberem fazer escolhas.

A sedução de um processo seletivo e o desejo de ser escolhido não podem deixar de lado a cautela na análise da empresa e do projeto de trabalho.

Já passou a época em que só a empresa fazia avaliações de candidatos. Um profissional precisa usar o processo seletivo para também analisar a nova oportunidade.

Podemos considerar diversos fatores nessa avaliação. Mas, entendo que são três os principais grupos de questões que devem ser colocados em análise, sendo o primeiro a empresa.  Entender a cultura e o jeito de trabalhar é peça-chave para saber se vale trabalhar numa organização.

Para isso, é importante conhecer seus valores pessoais e buscar saber se suas crenças têm sinergia com o que a empresa acredita. Por exemplo, alguém que preza pelo trabalho em grupo e pela colaboração talvez não se sinta confortável numa empresa em que o foco nas metas individuais é o mantra da cultura. Para investigar isso, é importante acessar pessoas que atuam ou já trabalharam na empresa. Também é possível levantar pontos para pesquisar mais sobre a empresa nas entrevistas e ficar atento aos sinais emitidos pelo contratante.

A segunda questão é a atividade a ser desenvolvida. Mais do que o nome do cargo, é importante compreender quais serão as responsabilidades e os desafios da nova posição. Um recente estudo sobre pedidos de demissão mostra que 46% das pessoas que saíram da empresa em até 6 meses o fizeram por conta de um desalinhamento entre proposta realizada e as atividades que, de fato, eram realizadas.

O terceiro fator é o salário e os benefícios. Esse é sempre um ponto relevante. Mas é importante analisar a composição geral. E não só o salário no mês. O ideal é fazer a análise da remuneração anual. Com isso, podemos avaliar o pacote completo, incluindo bonificações e benefícios.

A carreira é construída pela soma de experiências ao longo de uma trajetória. Saber avaliar as propostas de trabalho é fundamental para o profissional estruturar uma carreira bem-sucedida.

Sete dicas para se recolocar no mercado de trabalho

Especialistas são claros: depois da demissão, é preciso fazer um autodiagnóstico de eventuais fraquezas e das potencialidades e criar estratégias para voltar o mais breve possível ao mercado de trabalho. A dica é fazer uma análise de sua trajetória até aqui, inclusive conversando com antigos colegas, para compreender no que é preciso dedicar tempo para se desenvolver e quais são as habilidades que poderão abrir portas.

 

Se há carência por mais habilidade para trabalhar em grupo, por exemplo, pode ser importante começar a participar de dinâmicas e mesmo consultar especialistas que ajudem a superar esta barreira. Se uma autoanálise sugerir que você tem habilidades em organizar tarefas, bom comprometimento com prazos ou espírito de liderança, poderá indicar os rumos do perfil das vagas a serem procuradas.

Acione contatos, revise as redes sociais e capriche no currículo

A recolocação implica acionar a rede de contatos, o que também é essencial para comunicar a ex-colegas e amigos seu interesse em receber propostas de emprego. Consultores dizem que boa parte das vagas é preenchida por indicação, então, cercar-se de contatos profissionais e acioná-los com frequência é uma forma de se manter no radar de recrutadores.

Mais um passo importante é caprichar na elaboração da carta de apresentação profissional: o currículo. É fundamental ter diferenciais como língua estrangeira, trabalho voluntário ou intercâmbio, por exemplo, detalhando como foi sua experiência. Competências comportamentais, como capacidade de liderança, facilidade em trabalhar em grupo, vontade de encarar novos desafios e de aprender são alguns elementos que podem pesar a favor do candidato.

Outra orientação é revisar as postagens feitas em redes sociais. As empresas que recrutam costumam procurar os perfis pessoais dos candidatos nesses sites e avaliar se suas manifestações não estão em desacordo com a cultura organizacional.

Sete dicas para se recolocar no mercado

Tenha foco: um profissional em busca de recolocação precisa ter clareza sobre quais tipos de problemas consegue resolver em uma empresa. Manter foco significa ter uma área de trabalho bem definida — por exemplo, a de marketing. Dessa forma, será possível comunicar o objetivo de maneira clara no currículo, em uma entrevista de emprego ou nas redes sociais.

Acione a rede de contatos: boa parte das recolocações vem de indicações de outros profissionais. Quem está buscando trabalho precisa acionar esses contatos para saber o que está acontecendo no mercado. Não adianta fazer uma rodada de contatos e, depois, ficar parado esperando colher os frutos. É preciso voltar a conversar com ex-colegas, consultores e recrutadores com frequência.

Amplie suas chances: procure colocar senso crítico na sua busca por oportunidade, tentando sempre evoluir na forma como se sai nas entrevistas, na formatação do currículo e na assertividade das vagas que busca. Há cursos e palestras online que podem ajudá-lo a entender o que o mercado procura .

Crie uma rotina: estar desempregado não tem nada a ver com deixar o tempo correr aleatoriamente. É importante criar uma rotina diária de procurar trabalho, fazer cursos online e agendar reuniões com ex-colegas, que pode ser um simples encontro para um cafezinho. Tudo conta como estratégia para sair do sofá e seguir ativo na busca pela vaga.

Atualize-se: se tiver uma verba rescisória, use parte dela para o seu próprio aprimoramento profissional, com cursos de curta duração ou aulas de idioma. Caso não tenha condições de investir neste momento, existem vários cursos gratuitos, e-books e workshops, disponíveis principalmente na internet, que podem ajudar na melhoria da sua qualificação profissional.

Avalie sites de emprego: os portais que aproximam candidatos de empregos podem ser boas alternativas para encontrar vagas. Alguns são redes sociais, como o LinkedIn, e outros são portais de cadastro e publicação de vagas.

Elabore um bom currículo: faça uma apresentação profissional que deixe claras quais são suas capacidades, experiências e pretensões. Também é importante colocar os resultados alcançados em cada empresa que você atuou, como metas, conquistas e projetos. Isso mostra o seu diferencial.

 

Fontes: Rafael Souto, sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado, Escritório de Carreiras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e consultores de mercado.

 

A ARTE DA RECOLOCAÇÃO

Os dados sobre desemprego não melhoram há alguns anos no Brasil, então, para conseguir uma recolocação no mercado de trabalho, é necessário focar em, pelo menos, três aspectos. É sobre esta questão que o CEO da Produtive, Rafael Souto, traz em novo artigo publicado pelo jornal Zero Hora.

Os dados sobre desemprego não melhoram há alguns anos no Brasil. Infelizmente, seguimos em uma crise persistente com mais de 13 milhões de pessoas sem trabalho. A imensa maioria dos profissionais não consegue contar com ajuda especializada para se recolocar. Fazem isso sozinhos e lutam com todas as dificuldades para superar um momento difícil que mexe com nossos mais profundos medos e angústias.

Acompanho pessoas em transição de carreira há 24 anos. E, nesse longo período, percebo que existem diversos fatores que determinam o êxito na busca de um novo trabalho. Mas, três deles são decisivos.

O primeiro é o foco. Um profissional em recolocação precisa ter clareza sobre quais problemas consegue resolver em uma empresa. É uma idiotice pensar que as empresas buscam generalistas. O mercado funciona na era da hiperespecialização das carreiras. Basta ler as descrições das vagas abertas para perceber que as empresas querem pessoas com foco bem definido.

O desespero de encontrar uma posição e começar a buscar qualquer coisa só piora o resultado. Nenhum contratante admite alguém para ajudar a diminuir o desemprego. As empresas contratam pessoas que possam dar os resultados esperados e reduzir os riscos de uma contratação frustrada. Ter um foco significa ter uma área de trabalho bem definida, por exemplo, a de vendas. Dessa forma será possível comunicar o objetivo de maneira clara no currículo, em uma entrevista e nas redes sociais. Saber no que contribuir, buscar as posições alinhadas a esse foco são um dos pontos mais importantes para uma recolocação no mercado de trabalho.

O segundo fator de sucesso em uma transição é a construção de uma rede de contatos.

Boa parte das recolocações vem de indicações de outros profissionais. Quem está buscando trabalho precisa acionar esses contatos para saber o que está acontecendo no mercado. Trocar informações, oxigenar as estratégias, ajudar e ser ajudado. Esse é o espirito do “networking”. Uma rede de contatos potente é um elemento chave para gerar oportunidades de trabalho.

Já o terceiro aspecto para uma transição bem-sucedida é a curiosidade. O comportamento de exploração ativa de possibilidades é o motor do protagonismo na carreira. A curiosidade no momento de recolocação se manifesta de várias formas, começando pela busca de empresas e novos contatos, depois passando por outras ações como investigar melhorias no desempenho em entrevistas, descobrir cursos para fazer, entender o que o mercado está buscando e organizar a rotina diária de busca de trabalho. Tudo irá depender de curiosidade e exploração ativa.