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Os meninos de Jeri e o novo paradigma de carreira

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Artigo de Rafael Souto, CEO da Produtive, publicado na edição de 02 de março do jornal Valor Econômico, em sua coluna Novas Conexões:

Os ventos do Ceará criaram um local perfeito para a prática de esportes com vela. Esse paraíso chama-se Jericoacara. E lá, conheci uma história fascinante sobre construção de carreira e de vida.

Alguns meninos nascidos em Jeri e que cresciam olhando a prática de windsurf se interessaram pelo tema. Os movimentos inquietantes das velas que voavam sobre o mar verde e trêmulo maravilhavam eles.

Um dia, esses meninos conheceram um italiano praticante do esporte chamado Maurizio Guzella, e passaram a ajudá-lo a transportar os seus equipamentos. A partir daí, começaram a viver o esporte. Rapidamente evoluíram. Praticavam todo o dia. Sentiam vibração e energia únicas. Logo começaram a se destacar em campeonatos e decidiram fazer suas vidas conectadas ao  surfe no vento.

Hoje, esses jovens figuram entre os campeões mundiais de windsurf. Algumas técnicas que foram criadas nas águas de Jeri são referência para os melhores atletas do planeta.

A incrível história dos meninos que nunca haviam subido numa prancha e se tornaram destaque num esporte de alta técnica serve como base para uma reflexão sobre um novo olhar para carreira.

Um grupo internacional formado por pesquisadores de carreira chamado Life Design International Research Group, que possui representantes da Bélgica, França, Itália, Portugal, Brasil, Suiça, Holanda e EUA, trabalha há alguns anos na construção de um novo pensar sobre gestão de carreira.

Em sua essência, a discussão está baseada nas profundas mudanças do século XXI, notadamente na transformação da economia global que alterou a relação dos indivíduos com o trabalho. Enquanto no século passado a previsibilidade e a estabilidade eram constantes, hoje vivemos um período de alterações rápidas e transições frequentes. O impacto da tecnologia altera rapidamente as perspectivas e os movimentos de carreira. As trajetórias estáveis, lineares e previsíveis faziam parte de um mundo que não existe mais.

O conjunto de alterações econômicas também gerou uma significativa mudança na percepção dos indivíduos sobre sua carreira.

A questão do equilíbrio entre as interações e atividades de trabalho e as interações e atividades relativas à família está se tornando fundamental nas reflexões das pessoas acerca de suas competências e aspirações. O gerenciamento das relações entre os diversos domínios da vida tornou-se uma preocupação central para inúmeros profissionais.

Uma das principais consequências das inter-relações entre os diferentes domínios da vida é que não podemos mais falar com convicção em desenvolvimento de carreira. Devemos vislumbrar “trajetórias de vida”, nas quais os indivíduos progressivamente projetam e constroem suas próprias vidas, incluindo seus percursos profissionais. Não são apenas os jovens que se confrontarão com a grande questão: o que eu vou fazer da minha vida? Ela está posta para todos, quando confrontados com uma série de grandes transições nas suas vidas, ocasionadas por mudanças na saúde, no emprego e nas relações pessoais.

Os diversos papéis que temos na vida são o tema central das reflexões de carreira. O percurso profissional faz parte desse contexto. A construção desse desenho de vida passa a ser o desafio de cada profissional.

A identificação de nossos “bens-chave” é a parte nuclear desse projeto. Quando pensamos em valores que nos dão sentido, estamos definindo nosso autoconceito que será norteador do projeto de vida. Para definir com precisão esses valores, precisamos frequentemente nos questionar e compreender nossa narrativa de carreira. Na brilhante teoria do professor Mark Savickas, a capacidade de narrar a própria história é uma forma única e profunda de aproriar-se de si mesmo. A trajetória nos ajuda a compreender nossos temas de vida.

Com profunda simplicidade e intuição, os meninos de Jericoacoara parecem ter feito escolhas que mesclaram com precisão a ideia da construção de vida.

Não podemos mais usar a visão segmentada sobre carreira na qual trabalho e vida pessoal eram tratados de forma isolada e separada.

A construção da vida é o novo paradigma para entender a carreira no século XXI.

Veja a publicação no Valor Econômico.

A anatomia das carreiras vencedoras: o alvo certeiro

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Artigo de Rafael Souto publicado na coluna Novas Conexões, na edição de 28 de abril do Valor Econômico:

Nos últimos dois artigos que escrevi nesta coluna, analisei aspectos que entendo estarem no núcleo das carreiras vencedoras. Em síntese, expliquei a lógica das decisões e a estrutura das carreiras que têm evolução positiva. Profissionais bem-sucedidos conseguem mensurar com mais qualidade os projetos nos quais se envolvem. Constroem ciclos de trabalho consistentes e sabem que trocar de trabalho sem deixar resultados pode ser fatal. Tendem a permanecer mais tempo nas empresas. São imunes ao troca-troca fácil de emprego, principalmente nas fases do mercado de trabalho com maior demanda.

Neste último texto sobre a anatomia das carreiras vencedoras, vou analisar outro ponto que observo nos profissionais de melhor evolução. O tema é a definição de uma área foco e a exploração de zonas próximas, as quais chamo de “Gap de oportunidade”.

O mercado de trabalho vem se transformando na carona do aumento da competição entre as empresas. Num mercado mais acirrado, os ganhos de produtividade são essenciais. Também é necessário tomar decisões mais complexas e com alto grau de impacto nos negócios. Para responder a demandas cada vez maiores, os contratantes buscam pessoas altamente especializadas. O professor Thomas Malone, da universidade americana do MIT, chama esse fenômeno de “hiperespecialização”.

Na prática, significa que em todos os níveis profissionais as empresas querem pessoas com conhecimentos profundos. Não há mais espaço para os generalistas. Conhecimentos superficiais não são aceitáveis. Se no início da era industrial essa especialização era restrita aos cargos mais básicos, hoje ela se estende para todas as posições numa empresa. O resultado disso pode ser observado no dia a dia das contratações.

Quando verificamos os requisitos das vagas em aberto no mercado, fica muito claro que as empresas querem profissionais altamente focados numa área. Quando me refiro a uma área, estou tratando de eixo funcional de carreira. São as grandes áreas presentes nas empresas, tais como: vendas, marketing, operações/industrial, recursos humanos, tecnologia de informação e administrativos/financeiro. Cada área dessas tem um enorme conjunto de conhecimentos. Na era da hiperespecialização não é viável ser profundo e ter mais de uma área foco.

Pode haver áreas específicas que não se encaixam nessa definição, mas são exceções. No geral, as atividades principais orbitam esse grupo de assuntos. Mais importante do que determinar quais são as áreas principais é termos clareza do conceito. Com a evolução dos negócios, os espaços para generalistas estão em extinção. O mercado está dominado e será cada vez mais marcado pelos especialistas.

Analisei 90 profissionais que atingiram posições de alta gestão. Em 85 deles, havia uma área bem definida. Apenas cinco executivos tinham múltiplas atividades sem um centro de excelência bem determinado. Na imensa maioria das carreiras vencedoras conseguimos perceber a área em que o profissional construiu sua trajetória. É evidente que um profissional pode ter passagens por outras áreas. Isso ajuda na compreensão do negócio e na visão sistêmica. Faz parte das exigências complementares ter uma boa visão das outras áreas. Porém, as pessoas com melhor evolução possuem uma área de destaque. A compreensão das outras atividades e setores de uma organização é valorizada, mas não é o elemento central. O foco é predominante no valor de uma carreira.

Além do foco bem definido, as carreiras de alta performance congregam outro aspecto. Exploram conhecimentos novos que são as tendências de sua área foco. Chamo essa capacidade de movimentação de “Gap de oportunidade”. Por exemplo, um profissional de marketing que busca novos conhecimentos no universo digital. Ele mantém o foco na área de marketing e explora o novo mercado porque observa a tendência. Toda a área tem uma zona de fronteira para ser explorada.

Esses movimentos são definidos com base na leitura do cenário da área. Os profissionais que sabem analisar esses caminhos e buscam o conhecimento surfam uma onda perfeita. Conseguem reunir foco numa área e diferenciação porque estão com os conhecimentos mais atualizados. Outro exemplo de Gap de oportunidade é a controladoria para profissionais da área contábil. Ou ainda, o chamado “people analitics” (análise de dados e estatísticas) para os profissionais de recursos humanos.

Como conclusão afirmo que o trinômio: foco numa área, visão sistêmica e Gap de oportunidade formam um conjunto de alta atratividade no mercado. Os profissionais que determinam uma área principal e reúnem conhecimentos de ponta terão mais chance de êxito nesse cada vez mais competitivo mercado de trabalho global.

A anatomia das carreiras vencedoras: o caminho do topo

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Novo artigo de Rafael Souto publicado em sua coluna Novas Conexões, do Valor Econômico, na última quinta-feira, 24:

Rafael Souto

No último artigo que escrevi para esta coluna, analisei as carreiras bem-sucedidas pela ótica da tomada de decisão em relação a um novo trabalho. Em resumo, as decisões mais consistentes estão baseadas num trinômio que avalia a empresa, a função a ser desempenhada e a remuneração. Os três aspectos precisam ser profundamente considerados para minimizar os riscos inerentes à transição.

Neste texto quero tecer uma breve análise dos executivos que atingiram posições de alta gestão. Estou considerando profissionais que alcançaram posições de presidente, vice-presidente e diretoria.

Convém destacar que essa é uma análise limitada sobre o que pode ser considerado “carreira vencedora”. A escola contemporânea de carreira chamada “Life Design” (desenho de carreira) reflete sobre o tema e diz que a satisfação está muito mais ligada à motivação interna sobre o papel de trabalhador do que ao nível do cargo alcançado. A felicidade está mais conectada à realização de um conjunto de aspectos da vida do que à posição no organograma.

No entanto, sabemos que boa parte dos profissionais ambiciona um cargo executivo de alto nível. Por isso, quero aprofundar a análise sobre esse grupo de pessoas.

Para construção dessa reflexão, analisei uma amostra de 85 executivos de alta gestão. Um dado ficou muito evidente nas trajetórias ascendentes: o tempo de permanência nas organizações. Desse total, 90% tinham permanecido pelo menos cinco anos numa empresa. 60% deles tinham dez anos ou mais numa companhia. Outro dado importante é que, em 80% dos profissionais, a promoção para o alto nível veio na empresa em que ficaram mais tempo.

Apenas 5% dos profissionais tiveram uma promoção num movimento de troca de empresa. Ou seja, eram gestores intermediários e numa mudança para outra organização foram elevados a um cargo de alta gestão.

Quando comecei a trabalhar com aconselhamento e transição de carreira nos turbulentos anos de 1990, um tema que assustava novos contratantes eram os profissionais que permaneciam muito tempo na mesma organização. O receio era de que não iriam se adaptar a uma nova cultura e que seriam pessoas acomodadas. Eram dinossauros. Se olharmos o contexto da época, vivíamos uma transformação brutal no mercado de trabalho. Os ciclos de longo prazo estavam sendo destruídos pela reengenharia. As empresas queriam oxigenar seus negócios. Começamos a construir uma cultura de que trocar de trabalho era positivo.

Os profissionais puderam fazer escolhas e dar o rumo de sua carreira. Não queriam, com razão, ficar esperando as decisões da empresa. Desejavam ser protagonistas. Esse movimento positivo somado ao aquecimento do mercado de trabalho impulsionou as pessoas para um troca-troca desenfreado. Passamos a viver uma fase descalibrada de ciclos profissionais. Fomos lambuzados com a oferta de trabalho mais intensa dos anos 2000. Boa parte dos jovens profissionais passou a realizar trocas muito frequentes sem construir nada sólido por onde passavam.

Os dados do estudo que realizei e minha percepção sobre os profissionais com ascensão consistente mostram que a lógica de ciclos mais duradouros ainda é um fator decisivo para chegar ao topo.

A anatomia dos currículos de primeira linha não deixa dúvidas. Chegar ao topo exige tempo numa empresa. É preciso construir confiança e conhecimento do negócio. A experiência na posição e o desenvolvimento de alianças internas também exigem tempo.

O difícil é encaixar esse discurso na prática. O que vemos no mercado são pessoas muito dispostas a mudanças pensando no curto prazo. Querem promoções com velocidade supersônica. E, por outro lado, empresas que não hesitam em demitir no primeiro sopro de crise e falta de resultados. Está cada vez mais difícil construir ciclos sólidos.

Vou continuar dissecando os aspectos que compõem as carreiras vencedoras nos próximos artigos dessa coluna.

O tempo de permanência num trabalho não é o único, mas é um dos fatores que integram esse conjunto de características. Aqueles que conseguem explicar seus projetos concluídos e que fizeram movimentos de carreira com lógica terão vantagem. Por outro lado, os que passam mais tempo explicando por que mudaram de trabalho e muito pouco sobre suas contribuições ficarão mais distantes do topo.

Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado

A anatomia das carreiras vencedoras na trajetória profissional

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Artigo de Rafael Souto publicado em sua coluna Novas Conexões, na edição deste quinta-feira, 25, do Valor Econômico

As carreiras bem-sucedidas são compostas por um conjunto de fatores.

Neste artigo, que é o primeiro de uma série de três que escrevo sobre a anatomia das carreiras vencedoras, quero destacar a lógica de escolha dos empregos e o impacto dessas decisões na construção da jornada profissional.

Mesmo num cenário de crise e retração da oferta de emprego é importante selecionar o novo trabalho.

Cada passagem realizada passa a fazer parte da trajetória profissional. O mercado analisa esse conjunto de trabalhos para determinar a empregabilidade. Um profissional bem-sucedido tem atividades e resultados para mostrar. A consistência desse legado é um componente importante para medir o nível de desenvolvimento da carreira.

Essa reflexão sobre a escolha de um novo trabalho é peça-chave. Um profissional com uma história consistente sempre terá um espaço diferenciado. Por outro lado, aqueles que gastam mais tempo explicando por que tiveram que deixar a empresa do que aquilo que de fato fizeram, terão sua carreira desvalorizada.

Nas décadas de 1980 e 1990, as pessoas que ficavam por muito tempo numa empresa eram tidas como estagnadas. Hoje, as trocas excessivas e uma avalanche de currículos com períodos curtos em cada projeto (leia-se menos de dois anos) fizeram com que os profissionais com mais tempo nas empresas e com ascensão nelas tivessem sua redenção.

Para conseguir essa credibilidade na carreira é preciso acertar na decisão de entrada numa organização. O primeiro ponto nessa análise são o perfil e a reputação da empresa.

Em época de Operação Lava-Jato, a credibilidade do empregador precisa ser analisada. A imagem da organização se transfere para o profissional. O mercado de trabalho é cruel nesse julgamento. Enquanto nos tribunais cada um explica seus atos e a justiça determina as responsabilidades, no mercado basta um sinal de fumaça para condenar um executivo. A verdade é que uma empresa com imagem abalada irá levar esse drama para o executivo.

Ainda na análise da empresa é importante escolher uma empresa em que a ideologia de trabalho combine com os valores do profissional. Essa validação precisa ser feita além do processo seletivo. As entrevistas são processos imperfeitos em que cada um entra com o quem tem de melhor. O candidato e o contratante tendem a dourar a pílula para seduzir a outra parte. Nesse jogo de conquista, o risco fica ampliado.

Vencer um processo seletivo pode ser uma grande derrota na carreira se a análise da cultura organizacional não for feita. O melhor jeito de colher as informações é com pessoas que já trabalharam lá ou que conhecem a empresa com profundidade. Trabalhar num lugar que você acredite faz muito mais sentido do que produzir para esperar o salário.

O segundo aspecto para considerar na análise de um trabalho é a função que vai ser desempenhada. Ter clareza das atividades e expectativas da empresa é fundamental para reduzir o risco de entrar numa fria.

Também é relevante medir o impacto dessa nova posição na sequência de carreira. A nova função pode ser interessante para o projeto da organização e gerar limitações para a carreira. Esse desequilíbrio não é saudável. A recolocação que funciona bem é aquela que gera um ciclo positivo para ambos. Um movimento comum em épocas de crise são profissionais aceitarem projetos que tirem o foco de sua expertise. Isso precisa ser pensado com muito cuidado. A regra aqui é analisar o impacto. Não é aceitável avaliar somente o curto prazo. Um profissional com carreira consistente estuda os efeitos de cada decisão na condução de sua carreira.

O terceiro aspecto para considerar é a remuneração. Esse é o dado mais objetivo e que costuma gerar maior atenção. O engano é não colocar esse fator em conjunto com a análise da empresa e da função.

O dinheiro é fundamental, mas precisa de um projeto que o sustente. Existem situações em que o salário pode ser menor se a empresa e a função estiverem mais adequadas ao momento da carreira.

Considerar ganhos financeiros de forma isolada costuma gerar mudanças frágeis e que não se consolidam.

Encontrar um trabalho somente para pagar as contas pode ser necessário, mas não é a melhor estratégia de carreira.

Com desemprego em alta não é fácil fazer essa reflexão. A tendência é aceitar aquilo que surgir. Mas a anatomia das carreiras vencedoras mostra que as pessoas mais estratégicas na tomada de decisão constroem histórias mais consistentes.

Rafael Souto é e sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado