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A arte de criar engajamento em tempos de incertezas

Fomos lançados em um novo formato de trabalho e os desafios na gestão de pessoas cresceram exponencialmente. Como engajar as pessoas, manter a cultura da empresa e dar senso de propósito e pertencimento às equipes distantes? Em seu novo artigo para o Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, fala sobre o tema e qual o papel dos líderes e colaboradores neste novo contexto.

Desde que fomos lançados a um novo formato de trabalho, os desafios organizacionais ganharam novos contornos. Em velocidade exponencial, uma parte significativa de profissionais foi trabalhar em suas casas e desmontou os sistemas de trabalho em áreas coletivas, coloridas e despojadas que pareciam rechear os pensamentos sobre um ambiente moderno.

Em recente estudo global da consultoria McKinsey & Company, mais de 50% das empresas entrevistadas entendem que o trabalho em qualquer lugar permanecerá. E a maioria delas afirma que não voltará à rotina de escritório, mesmo após a pandemia.

Somado a isso, vivemos momentos em que a imprevisibilidade sobre o emprego, as questões de saúde e os dramas econômicos elevam o grau de ansiedade.

Diante desse contexto, os desafios na gestão de pessoas estão ampliados. Afinal, como manter a cultura da empresa?; quais os novos rituais para as trocas informais que desenhavam o dia a dia do trabalho?; como dar senso de propósito e pertencimento às equipes distantes?

Mais do que nunca, é fundamental explicar o que está sendo feito e os motivos que levam a tomada de decisão nesse momento de incerteza. E é por isso que o líder precisa ampliar as conversas sobre o momento, objetivos e dedicar tempo para ouvir as preocupações, interesses e angústias de seu time.

Segundo Dan Cable, professor de comportamento organizacional da London Business School, a jornada para obtenção de sentido e propósito é uma caminhada que exige experimentação e diálogo. Não basta reforçar o objetivo da empresa ou tentar iluminar o outro. É necessário que cada um busque conectar suas convicções e atividades. Precisa ser pessoal. E esse é o momento de resgatar exemplos e colocar o indivíduo para buscar o sentido do que faz.

O líder pode inspirar com exemplos para dar repertório, mas é de responsabilidade de cada um o passo para compreender o alcance de suas atividades e o propósito de realiza-las. Encontrar espaço para debater esse sentido e reforçar os motivadores é uma alavanca de engajamento. É importante trazer aspectos de impacto do trabalho na vida das pessoas, mostrar o resultado e o alcance do que é feito.

Outro aspecto importante na busca por engajamento vem dos estudos do pesquisador europeu, Wilmar Schaufeli, que constatou que os líderes que dedicam tempo para conversar sobre o indivíduo, aumentam o engajamento médio em três vezes.

São os líderes que conversam sobre a pessoa e que conseguem um nível de conexão muito maior do que aqueles chefes que apenas falam das atividades objetivas do trabalho.

A ideia de conversar sobre o desenho de vida do indivíduo não é nova. Faz parte da teoria contemporânea sobre carreira que entende que os papeis exercidos na vida estão relacionados com o trabalho.

Conversar sobre saúde física e emocional é, portanto, parte da atividade de um líder. Nesse momento de angustia, é ainda mais necessário incluir esse tema nas conversas.

Em minhas palestras em organizações de diversos setores ouço com frequência: “meu chefe nunca conversou sobre nada além das metas trimestrais e dos objetivos da área”. Essa distância gera desconexão e nesse cenário de pandemia revela um abismo que separará os verdadeiros líderes daqueles que são apenas controladores de planilhas.

Outro fator para aumentar conexão e engajamento é mostrar vulnerabilidades. O líder deve estar disposto a mostrar que tem dúvidas e que possui fraquezas. E isso não significa incompetência. Significa disposição para cooperar e aprender. O fato de ser líder não o coloca numa posição distante e intocável. A vulnerabilidade é uma chave para a conexão e um caminho para a cooperação.

O menino entusiasmado e o comandante sem paixão

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Novo artigo de Rafael Souto publicado na edição de 30 de julho em sua coluna Novas Conexões:

Num dos meus constantes voos entre São Paulo e Porto Alegre, vivi uma experiência marcante. Sentei numa poltrona na janela e logo atrás ouvi a voz de um menino entusiasmado. Conversava com seu pai sobre o avião e tudo o que acontecia em volta. Perguntava como aquele imenso bloco de aço iria sair do chão. Queria saber de tudo.

Como também sou curioso e apaixonado por aviação, as falas do menino de alguma forma também eram minhas. Quase ao final do embarque, sentou ao meu lado um piloto, com seu traje completo de comandante. Estava em trânsito. A conversa que logo iniciamos sobre aviação foi inevitável.

Ele me contou que estava indo para Porto Alegre em função de uma escala. Conversamos sobre a crise econômica e o impacto nas empresas. E, logo em seguida, questionei sobre como deveria ser incrível voar naquelas máquinas modernas e cada vez mais tecnológicas. Com ar cansado, o comandante tirou do bolso uma folha. Aquele papel amassado trazia sua escala de voos. Ele disse que com aquela rotina ninguém voava feliz. A sobrecarga e a pressão tiravam o prazer de trabalhar. Ele cumpria a tabela. Enquanto isso, a fala daquele aviador provocava em mim uma profunda reflexão.

Neste mês de julho, tive a oportunidade de apoiar a vinda do pesquisador e professor britânico Richard Barret ao Brasil. Barret estuda os valores e seus impactos nas pessoas e organizações. Valores no sentido de crenças e princípios.

O trabalho de Barret usa um modelo de sete níveis de consciência. Nos estágios iniciais, os indivíduos estão focados em sobrevivência. Nas fases mais evoluídas estão preocupados com o bem comum. Como referência, a pirâmide de Maslow na qual na base temos necessidades mais primordiais de sobrevivência e no topo desejos mais sofisticados. O mesmo raciocínio vale para o sistema de valores das organizações. No topo desse conjunto de princípios estão ética, moral e contribuição com a sociedade. Na base estão aspectos como resultado financeiro e processos. É um processo de desenvolvimento.

A pressão por resultados e lucro de curto prazo afastam essa discussão das organizações. A competição em oceano vermelho, com margens baixas e resultados cada vez mais difíceis, é um limitador. Não temos tempo e nem foco em discussões de valores como justiça, ética, felicidade e família. Nossas empresas estão lutando para sobreviver.

Essa batalha pelo lucro e pelo retorno do capital ao acionista não é suficiente para mover as pessoas. Ninguém trabalha pelo acionista. As pessoas produzem pelo propósito. No jogo corporativo atual, o resultado financeiro, além de ser o primeiro fator, em muitos casos é o único. Executivos com o olho no curto prazo e no bônus. Pouco interessados no futuro da organização. Esse comportamento não é inspirador.

O ambiente tóxico tem afetado a saúde dos profissionais, como apontou um estudo que fizemos há alguns anos, publicado nesse jornal. Chamava-se “executivos tarja preta” porque apontava que um número próximo a 20% dos profissionais entrevistados usavam medicamentos regulares para dormir e controlar ansiedade.

Eu compreendo o jogo corporativo. O retorno financeiro é fundamental. Desenvolver estratégias vencedoras, conquistar clientes e ganhar mercado são movimentos essenciais para os negócios. Mas parece que o jogo do jeito que está colocado dá sinais de fracasso. Estamos terminando com a paixão das pessoas. Precisamos pensar no rumo que estamos dando às nossas empresas e ao nosso país. Uma reflexão sincera sobre nossos valores e propósitos para que aquele menino entusiasmado do voo não termine amassado pelo sistema.

O colapso do apetite para liderar

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Novo artigo de Rafael Souto, CEO da Produtive, publicado em 16 de outubro em sua coluna Novas Conexões, do Valor Econômico:

Viver num mundo corporativo sem pessoas interessadas em liderar é desesperançoso e preocupante para as nossas organizações. Neste artigo, quero demonstrar que estamos construindo esse mundo. Nossa forma de administrar empresas e pensar os negócios não estimula a formação de novos líderes. Essa caminhada inquietante rumo à extinção de gestores é um fenômeno em curso.

A questão central está no declínio da atratividade da função de liderar. No mundo do trabalho do século passado, nas turbulentas águas da falta de oportunidades e impossibilidade de pensar além do emprego, a ideia de ser chefe de alguma coisa era tentadora. Proporcionava status social e melhores ganhos financeiros. Na fase do emprego para a vida toda, aquele que era leal e atendia ao projeto empresarial tinha mais garantias de permanecer na organização e construir sua carreira. Era a troca possível, o indivíduo dava a sua vida e ganhava um trabalho que permitia pagar suas contas.

Esses executivos abriram mão da família, de seus desejos pessoais e de suas escolhas. Seus filhos cresceram vendo pais assustados e presos num modelo de pouca felicidade no trabalho. E eles não querem mais esse projeto. A estabilidade da economia e o aumento de oportunidades permitiram que as pessoas pudessem escolher. Nessa reflexão sobre estratégias de carreira e felicidade, começam a questionar o peso da carreira executiva e o impacto disso no desenho de vida.

No ultimo mês de setembro tivemos o caso de Mohamed El-Erian, CEO da empresa norte-americana PIMCO, que abandonou a posição após ter recebido uma carta da filha de dez anos listando momentos importantes em que ele não estava presente.

No mês anterior Max Schireson, CEO da empresa de tecnologia MongoDB, abandonou a posição para ter mais tempo para família.

São casos emblemáticos que revelam uma tendência.

Neste ano, completo 20 anos de trabalho com executivos em transição de carreira e percebo o aumento gradativo de pessoas que não querem assumir desafios de liderança ou pretendem abandonar a posição de comando. E, quando observo o ambiente, entendo a decisão. Líderes se tornaram o repositório de todas as coisas que ninguém consegue fazer. O gestor precisa cuidar de sua equipe, motivar, pensar a carreira, planejar as demandas, ser amigo, psicólogo de plantão e, pasmem, dar resultados também. Além de suportar conselhos de administração que parecem jurados de programa de TV, mais preocupados em criticar do que ajudar a encontrar soluções. A missão beira o impossível. O resultado está nas estatísticas médicas, com gestores tarja preta, cansados, exaustos do jogo e apenas controlando o saldo do bônus para ver se a equação fecha. Contabilizando-se o dinheiro, compensa tudo o que foi perdido. São guerreiros cansados.

Nesse contexto, não adianta promover seminários de preparação de líderes, contratar coaching ou palestras motivacionais. Isso soa como a música “she talks to rainbows”, do Ramones. É como falar para o arco-íris, as pessoas observam o ambiente e percebem que não é aquilo que procuram. O treinamento é um mundo rosa que não combina com a realidade desestimulante da liderança contemporânea.

O encantamento pela vida executiva dura nos primeiros anos de trabalho. A visão idealizada do poder e a aspiração de construir algo significativo têm sido derrubadas pelo conflito com a vida pessoal e a sobrecarga de atividades que geram uma constante sensação de dívida, nada prazerosa.

Temos duas vertentes que deixam a escolha para liderar numa encruzilhada. Os novos profissionais questionando se querem realmente isso para sua vida. E os líderes mais experientes repensando o interesse em seguir nessa corrida maluca.

A admiração pelo pensamento evolucionista me leva a citar o trabalho do britânico Richard Dawkins, autor do livro Deus é um Delírio. Embora o ateu possa parecer frio e calculista, Dawkins tem uma visão poética digna de um Messias. Ele afirma que a vida é um conjunto perfeito de fatores que deram certo. É um grande presente estarmos nesse pequeno planeta azul. Muitas coisas aconteceram para termos a oportunidade de estarmos por aqui. Portanto, temos que aproveitar esse momento mágico.

Os executivos e os jovens candidatos no mercado que estariam prontos para assumir a gestão de nossas empresas estão pensando nisso. Não querem mais dar a vida para ganhar um bônus ou reduzir os custos de produção de uma cervejaria. Querem uma causa que os inspirem com equilíbrio no seu projeto de vida.

E não adianta irmos aos congressos de gestão reclamar da falta de líderes e da ausência de talentos, porque nós estamos matando o desejo de liderar.

Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado