Tag Archives: novos modelos de trabalho

Ajude seus talentos a criar um portfólio, não um plano de carreira

Talentos não podem ser retidos. Eles podem ser engajados. As pesquisadoras norte-americanas Beverly Kaye e Julie Winkle fizeram um extenso trabalho sobre carreira que culminou na publicação do livro “Help Them Grow or Watch Them Go” (Ajude-os a crescer ou assista a eles irem embora, em tradução livre). A profunda investigação mostrou que pessoas talentosas são cuidadosas com a construção de suas carreiras e permanecem numa organização quando conseguem vislumbrar oportunidades e sentem confiança para realizar seus projetos. Quase 70% dos entrevistados afirmaram que a perspectiva de carreira na empresa é o fator-chave para permanecer ou ir embora.

Mas as transformações no mundo do trabalho e os impactos da pandemia nas relações entre profissionais e empresas vêm aumentando a complexidade para desenvolver e engajar esses talentos. A imprevisibilidade dos negócios não permite que a empresa ofereça promessas de cargos, por exemplo. Isso porque, o horizonte incerto das estruturas eliminou a ideia antiga de plano de carreira. Precisamos, agora, construir novas abordagens para o desenvolvimento profissional.

A escritora e palestrante April Rinne sugere, em recente artigo publicado na Harvard Business Review, a construção de um portfólio de serviços em vez de um plano de carreira. O portfólio é um conjunto de possibilidades de contribuição. Essas contribuições são como um mosaico de conhecimentos e interesses. Por exemplo, um profissional que está trabalhando na área de finanças pode construir suas reflexões de portfólio incluindo projetos em recursos humanos ou marketing. Esses interesses vêm de áreas de estudo, hobbies ou interconexão de temas de negócios.

A livre movimentação de talentos também é um fator-chave na construção dessa abordagem contemporânea. Dar liberdade para que os profissionais fluam e eliminar rituais atrozes para que uma pessoa consiga evoluir na carreira também fortalece o engajamento. A segurança psicológica para que o profissional se candidate livremente às vagas e projetos que surgirem na empresa é peça estratégica nessa filosofia de protagonismo.

Na pesquisa de Beverly, quase 60% dos entrevistados afirmaram que tinham receio de expor seus interesses de carreira com medo de contrariar seu líder e sofrer consequências ruins na organização. A cultura de comando e controle ainda é dominante. Essa mudança na forma de acolher os interesses de carreira inclui a revisão das estruturas lineares e a construção de modelagens mais fluidas como projetos, hubs ou squads que permitam ao profissional circular na empresa. O potencial de contribuição das pessoas pode estar além do cargo que ocupam. O portfólio é o mapa para essa zona de contribuição ampliada.

A construção de um portfólio de atividades também inclui reflexões de trabalho fora da empresa. O tabu das discussões sobre atividades paralelas precisa ser vencido.

Ao contrário do que muitos chefes pensam, indivíduos que realizam atividades fora da companhia são mais engajados. O espaço concedido é um combustível para que o profissional contribua e realize seus objetivos. Empresas rígidas e que mantém a ideia de dedicação exclusiva terão mais dificuldade para manter seus profissionais.

O trabalho de April Rinne mostrou que mais de 55% dos entrevistados gostariam de realizar atividades paralelas, como dar aulas e prestar consultoria. Exigir exclusividade ficou obsoleto. Nenhuma empresa garantirá emprego até a aposentadoria, portanto, não pode exigir que o portfólio de carreira fique restrito a ela. A liberdade para construção da trajetória é a melhor narrativa de carreira para engajar os talentos.

Esmalte híbrido não encobrirá gestão obsoleta

As novas configurações de trabalho requerem mais diálogos abertos e frequentes entre líderes e colaboradores, mas essa realidade ainda parece um sonho distante, na maioria das organizações. Rafael Souto, CEO da Produtive, fala sobre o tema em seu novo artigo para o Valor Econômico.

As empresas encontraram o caminho para o retorno aos escritórios. O avanço da vacinação e o baixo número de casos graves dão condições para construir opções ao severo confinamento a que fomos submetidos. Mesmo com o terrível impacto que a covid-19 gerou, a transformação na forma de trabalhar permitiu a todos uma profunda revisão no desenho de suas vidas.

As conclusões parecem inequívocas. Pesquisas apontam para a escolha massiva de modelos híbridos nas atividades de capital intelectual compatíveis com o trabalho remoto. Ninguém quer voltar ao antigo esquema totalmente realizado no escritório.

Segundo um estudo global da consultoria Pew Research Center, apenas 6% das pessoas pensam no retorno integral ao esquema antigo. O restante busca modelos híbridos ou totalmente remotos, sendo que 59% querem ter a opção de usar o escritório quando necessário e manter a opção de trabalhar em qualquer lugar. Entendem que a flexibilidade trouxe benefícios.

As organizações também reduziram seus custos com viagens, despesas operacionais e locação de espaços corporativos. Parece que o retorno integral para o escritório não é bom negócio para ninguém.

O caminho que se desenha é a mescla de momentos de trabalho no escritório e a possibilidade de trabalho em qualquer lugar. Porém, essa não é uma mudança trivial. O que está em jogo é muito mais do que o local de trabalho. Estamos diante de uma das mais profundas transformações na história das relações entre indivíduos e organizações. O mundo do trabalho que estamos desenhando impõe um novo pensar na forma de gerir, produzir e entregar resultados. É um jeito diferente de realizar atividades e de se relacionar.

Do ponto de vista da liderança, temos um enorme desafio. Os líderes do século passado foram turbinados com modelos de gestão baseados em comando e controle. O contrato psicológico de trabalho era guiado pela empresa. Os indivíduos estavam submetidos às imposições da companhia como forma de garantir o emprego.

Nesse milênio, começamos a ver uma nova formatação. As pessoas passaram a exigir uma configuração diferente de trabalho. Essa nova ordem exige diálogo, construção coletiva e colaboração. O modelo híbrido será mais uma etapa nesse processo de transformação.

Como afirmou a consultora Carolyn Taylor, especializada em cultura, em recente entrevista publicada no Valor, essa é uma caminhada que exige paciência. A mudança precisa considerar a inclusão daqueles que estão no trabalho remoto. O líder não pode privilegiar os que estão no escritório e criar um impasse político que deixe os funcionários remotos com a sensação de que não estar no trabalho presencial é ruim para a carreira. A gestão a distância tem como base a construção de relações de confiança e exigirá novos rituais e conversas frequentes sobre desenvolvimento e performance.

Dados mostram que estamos distantes dessa realidade. Estudo do Gartner mostrou que 70% dos entrevistados não se sentem confortáveis em dizer o que pensam sobre suas carreiras. Mais da metade percebe que seu líder não está interessado em ajudá-lo em seu crescimento profissional, e quase 80% dos entrevistados não se sentem encorajados a explorar possibilidades internas pelo medo de que seu gestor se sinta traído.

Esses números apenas relatam a experiência de quem está no mundo real das empresas. Os sistemas autoritários ainda prevalecem. O diálogo aberto é um sonho distante. Nesse árido cenário, estamos desenhando um novo modelo que exige um conjunto avançado de práticas ainda não consolidadas. O caminho será investir tempo na verdadeira transformação na forma de gerir pessoas e não apenas na cosmética corporativa de embalar práticas velhas com nomes simpáticos.

Desejo por flexibilidade obriga as empresas a repensar a gestão

Com os novos modelos de trabalho, a volta ao escritório se tornou cada vez menos atrativa. Modelos mais flexíveis em que o escritório seja opcional, é um dos desejos da maioria dos profissionais. Em seu artigo para a Você RH, Rafael Souto, CEO da Produtive, fala sobre o tema e dos novos desafios das empresas e gestão.

O modelo híbrido está em alta. Mas se tiver comando e controle, exigir dias fixos de escritório e horários rígidos será um disfarce para velhos sistemas.

“Enquanto se trabalha, se vive uma vida”. Essa célebre frase é do grande pesquisador e escritor, Donald Super, que ilustra o tempo e os desafios que iremos enfrentar nos próximos meses.

O retorno aos escritórios passou a ser uma das pautas corporativas mais relevantes neste semestre, com o avanço da vacinação e o controle da pandemia. As discussões sobre os modelos de trabalho têm sido acaloradas.

Algumas organizações insistem nos modelos pré-pandemia e querem que seus funcionários retornem ao trabalho presencial. Desconsideram os dados de diversas pesquisas que apontam o baixo interesse e querer de as pessoas voltarem ao formato antigo de trabalho.

Um estudo recente da consultoria Pew Research Center mostrou que 55% dos profissionais não queriam retornar ao escritório. Preferem modelos flexíveis e entendem que o trabalho pode ser feito de qualquer lugar.

Repensar a vida

O trabalho em home office permitiu que todos pudessem rever seu desenho de vida. O brilhante Super colocou de forma simples uma perspectiva que todos os que trabalham em home office puderam perceber. Essa revisão de “life design” fez com que muitas pessoas reavaliassem suas prioridades e interesses de vida. A pandemia e o seu terrível impacto nas famílias e na economia foram catalisadores para reflexões sobre prioridades, desenho de vida e trabalho.

O pesquisador Antony Holtz descreveu esse fenómeno como “a grande renúncia”. No último mês de maio, por exemplo, 2,7% de toda a força de trabalho norte-americana pediu demissão quando seus empregadores iniciaram a retomada ao trabalho presencial. E o principal motivo foi uma mudança nas prioridades da vida, o desejo de equilibrar a presença com a família, os ganhos de tempo com a logística e a liberdade para organizar o tempo.

Um estudo da Fundação Dom Cabral com profissionais brasileiros mostrou a mesma direção: 75% das pessoas querem trabalhar em home office e escolher a frequência de dias de escritório conforme a necessidade. Apenas 6% gostariam do retorno ao modelo de trabalho presencial.

Os dados apontam o que as pessoas querem: modelos mais flexíveis em que o escritório seja opcional, funcione como um ponto de encontro para algumas atividades, mas não represente o principal local para realiza-las.

As pessoas entendem que a presença eventual no escritório é importante para cultura da organização. Além disso, existem alguns rituais e momentos de conexão presencial insubstituíveis. Mas, isso não significa voltar ao modelo antigo.

Novo contrato psicológico

O WFA (Working from anywhere – ou “Trabalho de qualquer lugar”) veio para ficar. E, com ele, vem um novo contrato psicológico em que as pessoas com mais competividade no mercado irão negociar o modelo no qual querem trabalhar. Menos de 10% da força de trabalho no Brasil atua em atividades que permitem home Office, segundo dados do IPEA. No entanto, esse grupo representa parte expressiva do capital intelectual das empresas e são os profissionais mais disputados no mercado.

Nesse cenário de transformação intensa, chegou um momento em que as empresas farão escolhas cruciais. Uma cartada errada pode representar uma debandada das pessoas mais talentosas e ainda comprometer a marca empregadora para atração de profissionais.

O ano de 2020 marcou um novo período histórico. O modelo de trabalho terá de ser mais flexível. Muito tem se falado em modelos híbridos em que o indivíduo terá parte do tempo no escritório e parte em qualquer outro lugar que desejar. Mesmo nesse sistema, o desafio será dar flexibilidade. Um modelo híbrido com tonalidade de comando e controle, exigindo dias fixos de escritório e horários rígidos será apenas um disfarce para os velhos sistemas, e também um incentivo para os talentos irem embora.

Imposição é o pior caminho: cresce o número de profissionais que pensam em pedir demissão caso tenham que voltar ao escritório

Com a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar, os profissionais estão mais exigentes quanto às oportunidades e os modelos de trabalho oferecidos pelas empresas. Desde já, as organizações e seus líderes precisam se adaptar aos novos desenhos de vida dos colaboradores e entender que ignorar este fato é sinônimo de perda de talentos. É sobre este tema que Rafael Souto, CEO da Produtive, contribui para o site Economia SC.

As mudanças sociais impostas pela pandemia, como a adesão das empresas ao home office integral, parecem ter surtido efeitos permanentes em alguns profissionais.

Com o avanço da vacinação, muitas companhias já estão traçando a volta ao escritório, mesmo que parcial, mas estão batendo de frente com o desejo de muitos em permanecer no trabalho remoto.

O movimento Work From Everywhere, ou trabalhe de qualquer lugar, em tradução livre, se transformou no ideal de muita gente.

Já vemos, por exemplo, pessoas que moravam em capitais, já que precisavam ficar próximas da empresa, mas foram morar no campo ou na praia, e de lá passaram a trabalhar. Ou seja, a rotina mudou para uma boa parcela das pessoas. E a ideia de voltar ao que era antes já não faz parte dos planos.

Segundo um levantamento feito pela Think Work, que atua para empoderar a comunidade de RH por meio de conteúdos e conexões, em parceria com a Appus, empresa de pesquisa e desenvolvimento de soluções que ajudam a aprimorar a gestão de pessoas, o retorno à velha rotina dos escritórios tornou-se, mais do que improvável, indesejável para a maioria dos profissionais que tiveram a chance de fazer home office.

O estudo aponta que, se a empresa optar pela volta ao escritório o tempo todo, 6% pedem demissão, 48% seguem a definição, mas procuram outro emprego e 46% aceitam.

Na Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira, os números de pedidos para recolocação aumentaram.

E o motivo é o profissional não querer voltar ao modelo antigo de trabalho, como conta Rafael Souto, CEO da Produtive:

“Há executivos que não querem, sequer, um dia de trabalho presencial. É aquela pessoa que mudou para o interior, por exemplo, e prioriza outro estilo de atuação”.

Segundo ele, impor um modelo de retomada pode ter um preço alto às empresas, que é perder os melhores talentos:

“São profissionais que têm o poder de escolha”, diz. Hoje nas vagas divulgadas pela consultoria, já há a informação se a companhia tem ou não trabalho remoto. “Isso não era um fator de decisão antes”.

Um dos erros do RH é achar que todas as pessoas são iguais, e desenhar um modelo a partir disso. Decidir sobre a melhor estrutura de trabalho requer a abertura ao diálogo com todos os profissionais, dos diretores aos estagiários.

“Os profissionais, hoje, querem discutir seu ‘life design’ e isso determina um novo contrato psicológico de trabalho”, completa Rafael. Ele explica que o melhor caminho é ouvir as pessoas e fazer uma gestão o mais personalizada possível. “Será que faz sentido dizer para um funcionário que tem um trabalho mais intelectual que ele precisa ir todos os dias ao escritório?”, questiona. Rafael recomenda realizar pesquisas de clima, conversas entre equipes e líderes, e pulses. “Mas é importante que essas pesquisas sejam quantitativas e qualitativas para entender por que o grupo A prefere o home office e o B o trabalho presencial”, explica Rafael.

Nesse sentido, o RH tem que assumir o papel de desenhista organizacional, como reforça o empresário. Para isso, deve promover encontros e discussões permanentes para a adequação do modelo ideal daqui para frente: “vamos viver ciclos”.

Ele acredita que o mundo do trabalho pós-pandemia não terá um padrão, e as empresas vão precisar aprender a trabalhar nos três modelos: presencial, híbrido e home office. Isso joga um desafio a mais para as lideranças. É possível que numa mesma área, haja pessoas trabalhando das três maneiras.

“Caberá ao líder evitar o favoritismo, como achar que quem está no escritório é mais comprometido, e estabelecer uma comunicação sem ruídos e que atinja a todos, independentemente do modelo de trabalho, para não privilegiar quem está na empresa”, diz. O caminho é investir em canais digitais.

Ainda há muito a se discutir sobre esse assunto e, certamente, as empresas vão aprender testando e ouvindo seu time. Mas uma coisa é certa: a imposição, seja ela qual for, parece o pior caminho.

Empresas nos EUA adiam volta ao escritório

Os profissionais não querem saber dos modelos tradicionais de trabalho e vão levar a sério seu poder de escolha dentro das organizações. Em matéria do Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, contribui com sua visão modelos de trabalho e desenho de vida das pessoas.

As empresas começam a anunciar seus planos de retorno ao escritório, mas a verdade é que essa volta ao modelo presencial de trabalho ainda é incerta. Uma nova pesquisa feita pela consultoria de recrutamento executivo Korn Ferry nos Estados Unidos mostrou que mais da metade dos profissionais entrevistados (54%) disse que as empresas onde trabalham mudaram os planos de retorno ao escritório em função do aumento de casos de covid.

Quando perguntados sobre quando acham que o retorno deve acontecer, 22% responderam que não será antes de 2022 e 32% disseram “nunca”. Uma outra parcela, de 20%, já está em período integral no escritório e 26% acreditam que voltam até o fim do ano.

Quando (e se) o retorno ao modelo presencial acontecer, os protocolos de prevenção à covid continuarão em vigor, na visão dos entrevistados. Quase um terço dos profissionais (32%) disse que vacinas e testes negativos para covid-19 serão exigidos antes que o empregado seja autorizado a voltar ao escritório. Para 73%, máscaras serão necessárias quando as pessoas estiverem em locais fechados.

Elise Freedman, líder da prática de transformação da força de trabalho e estratégia organizacional da Korn Ferry, disse, ao comentar o estudo, que se os empregados sentirem que seus empregadores não estiverem levando a sério o bem-estar dos funcionários eles deixarão o emprego em busca de outra empresa que tome os cuidados esperados.

A pesquisa ouviu 378 profissionais em agosto. Em sua coluna de setembro, publicada no Valor, Rafael Souto, sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado, afirma que os funcionários não querem voltar ao normal. Isso porque as pessoas desenharam um novo modelo de vida, do qual não querem abrir mão.

Ele cita algumas pesquisas, incluindo uma feita pela Fundação Dom Cabral no Brasil. No levantamento, 75% dos profissionais pesquisados querem trabalhar em home Office, com a opção de escolherem frequência de dias de trabalho presencial, conforme a necessidade, sem modelos rígidos.

“Nas áreas em que a oferta de trabalho supera o número de pessoas qualificadas será impossível impor um modelo de retorno ao sistema antigo”, afirma. “Por essa razão é que discursos rígidos não são mais aceitáveis. Líderes com esse perfil assistirão uma avalanche de talentos darem adeus e ficarão acompanhando seus negócios envelhecerem com uma saudade melancólica de um mundo que já não existe mais.”

Os funcionários não querem voltar ao normal

O velho normal deixou de fazer sentido no mundo do trabalho. As transformações rápidas que vivenciamos desde o início do isolamento social deram mais poder de escolha aos profissionais. Em seu novo artigo para o Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, mostra como as empresas precisarão pensar em um equilíbrio entre interesse organizacional e desenhos de vidas dos colaboradores.

A vacinação para diminuir os riscos à saúde do Covid-19 avança e, com o controle da pandemia, muitas empresas começaram a comunicar os modelos de trabalho que pretendem adotar e o cronograma de retorno de seus funcionários aos escritórios.

Há poucos meses, o presidente da Apple, Tim Cook, fez um emblemático comunicado para este reingresso e a rejeição de boa parte dos funcionários da empresa é um alerta estrondoso do momento que estamos começando a passar no Brasil. A carta convoca os funcionários da Apple para retornarem ao escritório no mês de setembro e Cook deixa claro sua alegria e a expectativa entusiasmada de ver as pessoas trabalhando juntas novamente na empresa, além de ressaltar os ganhos para a cultura e a construção coletiva.

O resultado foi uma enxurrada de reclamações e ameaças de pedidos de demissão. Os funcionários da icônica empresa americana não fazem parte de um grupo isolado de rebeldes. Pelo contrário: todas as pesquisas que temos acompanhado apontam para um massivo interesse da permanência no “home office” como modelo principal de trabalho.

Um exemplo disso é um estudo recente da consultoria Pew Research Center que mostrou o percentual de 55% das pessoas que não querem retornar à rotina presencial nos escritórios. Esse montante compreende a importância de algumas atividades presenciais e de atividades em grupo, mas gostaria que fosse um modelo de exceção, e não um formato obrigatório.

Outra pesquisa conduzida pela companhia JLL com dois mil profissionais mostrou que 66% querem ter liberdade para escolherem o modelo que melhor combinar com seu estilo de vida. Querem autonomia para organizar a agenda, sendo a presença no escritório algo eventual.

Na mesma direção temos um estudo da Fundação Dom Cabral com profissionais brasileiros: 75% deles querem trabalhar em home office, com a opção de escolherem frequência de dias de trabalho presencial, conforme a necessidade, sem modelos rígidos.

Por aqui, em terras brasileiras, temos a vantagem de antecipar as consequências desse fenômeno, que vem ganhando força na Europa e nos Estados Unidos, para nos ajudar a pensar em estratégias para lidar com o inevitável. O mundo do trabalho não retornará aos modelos “tradicionais” em que vivíamos até fevereiro de 2020. Isso porque não existe retorno ao normal, uma vez que ele foi extinto.

As pessoas descobriram outras formas de construir seu desenho de vida e não querem mais abrir mão dele. Nas áreas em que a oferta de trabalho supera o número de pessoas qualificadas será impossível impor um modelo de retorno ao sistema antigo.

Já estamos vivendo um momento em que as ofertas de trabalho que contemplam o WFA (Working from Anywhere – Trabalhar de qualquer lugar) têm vantagem significativa sobre posições que determinam um local fixo de trabalho. Esse já é um diferencial para atrair pessoas.

E vejam este alerta: outro estudo recente mostrou que 39% das pessoas estavam dispostas a pedir demissão se o modelo de trabalho não for flexível. Ou seja, vão procurar por empregos que ofertem uma possibilidade de conciliar seu modelo de vida com o trabalho.

O efeito do WFA é que as pessoas não estão mais restritas às empresas próximas à região de moradia e podem trabalhar para qualquer empresa, independente da localização dos escritórios. Isso transforma a lógica de contratações e a guerra por talentos.

Estamos diante de um marcador histórico das relações de trabalho. O ano de 2020 representa uma divisão irreversível em que o poder da imposição não funcionará mais.
Diante disso é que os novos modelos terão de ser flexíveis e discutidos. As regras precisarão equilibrar interesse organizacional e desenhos das vidas dos colaboradores.

Por essa razão é que discursos rígidos não são mais aceitáveis, como o que foi feito pelo presidente da Morgan Stanley, James Gormann, que afirmou que teria conversas “num tom diferente” com os funcionários que não retornassem ao trabalho nos escritórios. A ameaça, o modelo de comando e controle estão com os dias contados. Líderes com esse perfil assistirão uma avalanche de talentos darem adeus e ficarão acompanhando seus negócios envelhecerem com uma saudade melancólica de um mundo que já não existe mais.