O velho normal deixou de fazer sentido no mundo do trabalho. As transformações rápidas que vivenciamos desde o início do isolamento social deram mais poder de escolha aos profissionais. Em seu novo artigo para o Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, mostra como as empresas precisarão pensar em um equilíbrio entre interesse organizacional e desenhos de vidas dos colaboradores.
A vacinação para diminuir os riscos à saúde do Covid-19 avança e, com o controle da pandemia, muitas empresas começaram a comunicar os modelos de trabalho que pretendem adotar e o cronograma de retorno de seus funcionários aos escritórios.
Há poucos meses, o presidente da Apple, Tim Cook, fez um emblemático comunicado para este reingresso e a rejeição de boa parte dos funcionários da empresa é um alerta estrondoso do momento que estamos começando a passar no Brasil. A carta convoca os funcionários da Apple para retornarem ao escritório no mês de setembro e Cook deixa claro sua alegria e a expectativa entusiasmada de ver as pessoas trabalhando juntas novamente na empresa, além de ressaltar os ganhos para a cultura e a construção coletiva.
O resultado foi uma enxurrada de reclamações e ameaças de pedidos de demissão. Os funcionários da icônica empresa americana não fazem parte de um grupo isolado de rebeldes. Pelo contrário: todas as pesquisas que temos acompanhado apontam para um massivo interesse da permanência no “home office” como modelo principal de trabalho.
Um exemplo disso é um estudo recente da consultoria Pew Research Center que mostrou o percentual de 55% das pessoas que não querem retornar à rotina presencial nos escritórios. Esse montante compreende a importância de algumas atividades presenciais e de atividades em grupo, mas gostaria que fosse um modelo de exceção, e não um formato obrigatório.
Outra pesquisa conduzida pela companhia JLL com dois mil profissionais mostrou que 66% querem ter liberdade para escolherem o modelo que melhor combinar com seu estilo de vida. Querem autonomia para organizar a agenda, sendo a presença no escritório algo eventual.
Na mesma direção temos um estudo da Fundação Dom Cabral com profissionais brasileiros: 75% deles querem trabalhar em home office, com a opção de escolherem frequência de dias de trabalho presencial, conforme a necessidade, sem modelos rígidos.
Por aqui, em terras brasileiras, temos a vantagem de antecipar as consequências desse fenômeno, que vem ganhando força na Europa e nos Estados Unidos, para nos ajudar a pensar em estratégias para lidar com o inevitável. O mundo do trabalho não retornará aos modelos “tradicionais” em que vivíamos até fevereiro de 2020. Isso porque não existe retorno ao normal, uma vez que ele foi extinto.
As pessoas descobriram outras formas de construir seu desenho de vida e não querem mais abrir mão dele. Nas áreas em que a oferta de trabalho supera o número de pessoas qualificadas será impossível impor um modelo de retorno ao sistema antigo.
Já estamos vivendo um momento em que as ofertas de trabalho que contemplam o WFA (Working from Anywhere – Trabalhar de qualquer lugar) têm vantagem significativa sobre posições que determinam um local fixo de trabalho. Esse já é um diferencial para atrair pessoas.
E vejam este alerta: outro estudo recente mostrou que 39% das pessoas estavam dispostas a pedir demissão se o modelo de trabalho não for flexível. Ou seja, vão procurar por empregos que ofertem uma possibilidade de conciliar seu modelo de vida com o trabalho.
O efeito do WFA é que as pessoas não estão mais restritas às empresas próximas à região de moradia e podem trabalhar para qualquer empresa, independente da localização dos escritórios. Isso transforma a lógica de contratações e a guerra por talentos.
Estamos diante de um marcador histórico das relações de trabalho. O ano de 2020 representa uma divisão irreversível em que o poder da imposição não funcionará mais.
Diante disso é que os novos modelos terão de ser flexíveis e discutidos. As regras precisarão equilibrar interesse organizacional e desenhos das vidas dos colaboradores.
Por essa razão é que discursos rígidos não são mais aceitáveis, como o que foi feito pelo presidente da Morgan Stanley, James Gormann, que afirmou que teria conversas “num tom diferente” com os funcionários que não retornassem ao trabalho nos escritórios. A ameaça, o modelo de comando e controle estão com os dias contados. Líderes com esse perfil assistirão uma avalanche de talentos darem adeus e ficarão acompanhando seus negócios envelhecerem com uma saudade melancólica de um mundo que já não existe mais.
Durante uma crise, a demissão de funcionários e a falta de investimento em desenvolvimento de pessoas são práticas comuns. Com o reaquecimento da economia, o jogo vira, e aí a falta de profissionais qualificados tende a ser um problema nas empresas. Em sua coluna para a Você RH, Rafael Souto, CEO da Produtive, mostra os fatores e as motivações das pessoas nos pedidos de encerramento de ciclos organizacionais.
Vivemos um paradoxo do desemprego elevado e da falta de profissionais qualificados. De um lado, mais de 14 milhões de desempregados. Do outro, um contingente enorme de posições que não são preenchidas por falta de qualificação. Esse universo de vagas abertas passa de 350.000, conforme dados recentes do IBGE.
Esse apagão de talentos força um jogo complexo de caça aos profissionais e será um teste forte para as empresas nos próximos anos. Fenômeno similar aconteceu em 2012 quando o Brasil retomou o crescimento após a crise global gerada pela implosão do sistema financeiro iniciado na fatídica quebra do banco norte-americano Brothers.
Foco na formação das pessoas
O primeiro conjunto de assuntos que merece reflexão é sobre a formação de pessoas. Diante dos cenários de crise, a primeira decisão é cortar funcionários, subtrair investimentos nas áreas de treinamentos e jogar o desenvolvimento das pessoas para o segundo plano. Isso aconteceu em 2020 como efeito da pandemia. Essa fragilização estrutural fica evidente quando a economia retoma sua força e as contratações aumentam.
A necessidade de contratar rápido e repor posições não é proporcional à capacidade de formar pessoas. O déficit de profissionais força uma luta por talentos.
A formação de pessoas é uma estratégia de longo prazo. Aqueles que demitem na crise são os primeiros a reclamar sobre a falta de pessoas quando a economia retoma. A gestão do ativo humano não pode ser feita com olhar de curto prazo.
Quais são as motivações reais para sair de uma empresa?
O segundo conjunto de temas para reflexão é sobre a cultura e gestão de equipes. Normalmente, quando o turnover aumenta, os gestores procuram culpar o indivíduo que pede demissão ou o mercado. Criam um conjunto de explicações que excluem a forma de gerir. As frases típicas são: “O salário lá era muito melhor”. “Ele está tomando uma decisão precipitada”. “O mercado está oferecendo condições muito melhores”. Precisamos criar mais cargos e dar aumento de salário para reter os profissionais”. “Vamos criar um bônus de retenção”.
Todas essas frases escondem problemas profundos e que precisam ser enfrentados.
Os dados mostram que o salário não é o fator preponderante para um pedido demissão e, quando ele é relevante, está associado a outros fatores ligados à gestão e à cultura da organização.
Um estudo, conduzido pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Carreira da Produtive, apontou que o fator preponderante para troca de empresa é a perspectiva de carreira e desenvolvimento: 46% dos entrevistados pediram demissão porque não viram mais possibilidade de se desenvolver. Líderes que fazem conversas sobre carreira e favorecem a livre movimentação de pessoas têm mais chance de engajar as pessoas e não de as perder para o mercado. Quando o indivíduo percebe que tem possibilidades de se movimentar e de se desenvolver, tem mais chances de permanecer.
Na outra direção, lideres jurássicos que soterram talentos por sua insegurança e incapacidade de trabalhar o desenvolvimento de pessoas empilham perdas e desengajam as pessoas. São gestores que colocam sua agenda pessoal acima da empresa e fazem a gestão das equipes pelo comando e controle. O mundo do trabalho mudou, muitas pessoas querem trabalhar seu desenho de vida e equilibrar os papéis que exercem. Não querem regras ditatoriais, querem discutir seu desenvolvimento e precisam de espaço para diálogos transparentes. Construir um ambiente com segurança psicológica para essas conversas é fundamental para o engajamento.
Uma pesquisa global da consultoria Gartner, apontou que 53% das pessoas pedem desligamento pela falta de perspectiva de seu desenvolvimento. E quando a pesquisa era feita com os mais talentosos, os que são considerados profissionais com melhor performance, os dados ultrapassavam os 60%.
As transformações da pandemia
O mundo do trabalho vem mudado de forma acentuada no século 21 e o ano de 2020 será um novo marcador histórico nessa transformação.
Com a possibilidade de “trabalhar em qualquer lugar” – e as discussões do life design vieram para ficar e irão impactar a lógica das contratações e a competição por talentos -, as empresas contemporâneas terão de ter gestores com a capacidade de dialogar sobre um novo contrato psicológico mais equilibrado e atraente para manter seus profissionais.
A pandemia enterrou de vez o modelo de comando e controle e inaugurou uma era em que as partes constroem juntos um novo formato, a dinâmica e as entregas. E para os que temem as mudanças e insistem nos velhos modelos, restarão as cansativas discussões sobre os motivos de perdas de talentos.
A pandemia trouxe novos desafios a todas empresas e, principalmente, aos profissionais de gestão de pessoas. Focos e ações diferentes passaram a ser demandadas para que as áreas funcionassem melhor, e uma delas é em relação ao engajamento da equipe. Rafael Souto, CEO da Produtive, revela pontos importantes para as empresas e suas lideranças desenvolverem neste tema tão desafiador.
A pandemia do coronavírus trouxe novos desafios às empresas. Alguns profissionais ficaram mais inseguros e ansiosos, o que demandou ações diferentes do time de gestão de pessoas. A forma de engajar é uma delas.
Uma pesquisa feita pela consultoria Wisnet mostra que 89% dos gestores de recursos humanos têm como prioridade encontrar formas para engajar a equipe à distância. Como reflexo, alguns temas ganharam mais espaço na agenda da área, como criar ações para a saúde dos colaboradores (68%), se posicionar de forma generosa (61%) e evitar demissões (68%). A pesquisa mostra que o cuidado com o capital humano é uma resposta diferente de crises anteriores, quando a preocupação era exclusivamente com os resultados.
Para os especialistas, ao notar que uma equipe ou algum membro do time está desmotivado, além das questões do trabalho, o gestor deve observar as necessidades dos colaboradores adotando uma liderança mais humana.
“O engajamento passa pelo diálogo. É preciso olhar individualmente para os profissionais. Conversar sobre desejos e expectativas”, diz Rafael Souto, presidente da Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira. Veja, a seguir algumas dicas:
1. Aposte em conversas individuais
É fundamental manter uma rotina de diálogos, explicar o que está sendo feito e os motivos que levam a tomada de decisões nas empresas.
“Os líderes precisam ampliar as conversas sobre o momento e os objetivos, e dedicar tempo para ouvir as preocupações, interesses e angústias de seu time”, explica Rafael.
Isso quer dizer, que práticas desenhadas sem levar em conta a individualidade de cada um não têm mais espaço atualmente.
Segundo Rafael, o engajamento é a conexão do indivíduo com a empresa e isso se dá quando ele percebe que pode realizar os projetos de carreira e de vida na companhia, e que é ouvido.
“O líder, de tempos em tempos, deve perguntar sobre a saúde do colaborador, sobre como ele vê o trabalho e suas entregas, e sobre suas expectativas”, diz.
Rafael reforça, porém, que isso deve ser feito sempre, não apenas quando algo não vai bem.
2. Reconheça os profissionais
Uma pesquisa da O.C. Tanner, empresa de reconhecimento de funcionários, mostra que reconhecer o trabalho dos colaboradores pode aumentar em 83% o engajamento.
“Os líderes esperam coisas muito inalcançáveis para reconhecer. É preciso, também, celebrar as pequenas vitórias”, diz Cristina Fortes, diretora da consultoria LHH no Rio de Janeiro.
Ela ressalta que reconhecimento não tem a ver apenas com aumento de salário ou mudança de cargo, pode acontecer de formas mais simples, como com um elogio em público, um convite para almoçar ou por meio de um email ao colaborador destacando uma ação bem feita e copiando outros líderes da empresa. “Às vezes, as coisas mais simples são as que mais me motivam”, afirma Cristina.
3. Olhe para o clima da empresa
O engajamento passa, também, pelo bem-estar do profissional. Faça pesquisas internas para monitorar o clima e saber o que é mais interessante para a equipe.
Algumas empresas já usam a ferramenta de termômetro do humor para saber como os colaboradores estão e, assim, implementar ações diferentes.
Tendo como base a pandemia, pode ser interessante, por exemplo, a readequação de benefícios, como substituir a maior parte do saldo de vale-refeição para o vale-alimentação, a oferta de um valor para subsidiar a internet, o auxílio com a estrutura mobiliária, e programas de saúde mental. Além disso, aposte em momentos de descontração como happy hours virtuais e lives.
Estudos do pesquisador europeu Wilmar Schaufeli mostram, por exemplo, que os líderes que dedicam tempo para conversar sobre o indivíduo, aumentam o engajamento médio em três vezes.
4. Tenha momentos de descontração em grupo
O engajamento vem, também, do clima da empresa. Apostar em ações que gerem colaboração e troca de ideias que vão além do trabalho é essencial.
Nessa lista, entram happy hour, campanhas de mobilização para causas sociais ou atingimento de meta, confraternização virtual e lives.
Faça uma pesquisa interna para saber o que é mais interessante para o time, o que eles mais gostam, e monitore o clima sempre. O segredo está em manter o clima bom e não esperar a situação ficar delicada para correr atrás de melhorar.
A ideia de que o colaborador precisa ser guiado e protegido está profundamente consolidada no mundo do trabalho, e esta cultura pode impedir o seu protagonismo profissional e sua capacidade de inovar. É sobre este tema que Rafael Souto, CEO da Produtive, fala em seu novo artigo para o Valor Econômico.
A cultura de paternalismo traz danos profundos às organizações. Em um mundo em rápida transformação, a capacidade de inovar e se adaptar são fundamentais. Em pesquisa publicada num artigo dos consultores Ronald Heifetz e Donald Laurie, os líderes ainda são incentivados a criar conforto, estabilidade e a dar respostas às suas equipes. Não estimulam protagonismo e a capacidade de inovar. Ao contrário, incentivam a cultura da submissão.
Soma-se a isso, a cultura do trabalho que se construiu com a lógica de que o trabalhador é a parte fraca da relação e precisa ser protegido. Na legislação trabalhista brasileira – ultrapassada e caduca -, impera a premissa da hipossuficiência do trabalhador. A ideia de que o funcionário precisa ser guiado está profundamente consolidada no mundo do trabalho. Essa filosofia de paternalismo retira a possibilidade de construir uma cultura de inovação.
A filosofia do plano de carreira da empresa também faz parte desse sistema carregado de passividade – no qual o funcionário segue um projeto elaborado pela empresa. Esse sistema é peça de museu, mas ainda está na expectativa de muitos funcionários que delegam a gestão de sua trajetória. Quando encontram líderes acostumados com o modelo de comando e controle, temos a tempestade perfeita: de um lado, indivíduos passivos e esperando respostas para suas carreiras e, de outro, gestores sedentos por formarem replicantes do seu modelo.
Heifetz e Laurie defendem que o gestor contemporâneo precisa caminhar em outra direção. Para gerar desconforto, estimular as mudanças e dar segurança psicológica para que sua equipe possa arriscar, questionar processos e buscar inovação. Heifetz chama isso de desafio adaptativo. Significa adaptar comportamentos para a empresa prosperar em um ambiente de negócios mais competitivo. Nesse contexto, o paternalismo é fatal. Porque nele, as pessoas não querem sair da zona de conforto.
Um estudo global publicado por Kristen Jones e Eden King na Harvard Business Review cita que um grupo significativo de líderes tende a oferecer ajuda para sua equipe em temas que não deveriam, ao invés de questionar. Também relata o impacto negativo da ausência de feedbacks claros sobre pontos de desenvolvimento. O estudo mostra que muitos líderes fogem das dificuldades ou, simplesmente, não apontam os temas mais críticos. Esses comportamentos reforçam o paternalismo, reduzem a possibilidade de crescimento e limitam a criação de um ambiente de inovação.
O modelo proposto por Heifetz e Laurie, destaca os passos essenciais para estimular o protagonismo e impulsionar a transformação das empresas. O primeiro é identificar os desafios de adaptação da área. Depois provocar a reflexão do time e gerar questionamentos potentes sobre os impactos e a necessidade de mudança.
Também é fundamental administrar eventuais desgastes que a perda da zona de conforto pode trazer ao grupo. Dar segurança psicológica à equipe não significa dar respostas e, sim, garantir espaço para contribuição e autonomia. As ‘Vozes de baixo” precisam ser ouvidas e podem ser o caminho essencial para a transformação.
O indivíduo é o condutor da sua trajetória. Não existem caminhos de crescimento pré-definidos. O projeto deve ser construído por cada profissional, os diálogos devem ser baseados em desenvolvimento e não em cargos e salários.
Apesar de o conceito da meritocracia ser amplamente difundido em grande parte das organizações, na prática ainda há muitos desafios. Os fatores que envolvem as avaliações de desempenho e as decisões cheias de favoritismo precisam ser revistos. Rafael Souto, CEO da Produtive, fala sobre este assunto em seu novo artigo para o Valor Econômico, e traz à luz os desafios que a gestão de pessoas pode enfrentar com esta prática e como superá-los.
O conceito de meritocracia surgiu nos anos de 1950 e foi construído pelo sociólogo Michael Young como um conjunto de práticas em que o mérito é o fator decisivo nos processos seletivos, nas avaliações de desempenho, na remuneração e na evolução de carreira.
No âmbito empresarial, ganhou força no fim do século passado quando a globalização exigiu mais eficiência das empresas. A década de 1990 marcou uma transformação nos negócios. A gestão de pessoas e o desenvolvimento de carreiras baseado no mérito foi a prática escolhida para aumentar produtividade. A competição global exigiu práticas que estimulassem os melhores resultados.
No nível conceitual a meritocracia é amplamente aceita. Um estudo recente feito com 650 executivos de empresas de diversos setores e publicado na revista Harvard Business Review mostrou que mais de 80% entendem que o mérito deve ser o principal propulsor das carreiras e deve permear decisões, escolhas e todo o processo da vida de um indivíduo na empresa.
No entanto, quando questionados sobre a meritocracia na prática, os executivos mostraram desconfiança. Uma das manifestações da gestão baseada no mérito são as avaliações de desempenho. Na visão deles, o principal fator para as promoções é a proximidade com o chefe. Para 55%, a avaliação de desempenho não tem critérios claros ou é flexibilizada de acordo com o avaliado. Esse favoritismo é o principal traço cultural que destrói a meritocracia. Além disso, o excesso de poder discricionário aumenta a ideia de que os amigos do rei têm mais chances de crescer. Ou seja, no âmbito conceitual existe um consenso de que a meritocracia deve existir, porém, a prática mostra o favoritismo como o principal critério de avaliação.
A consultora Neusa Chaves apresenta os fatores culturais que prejudicam a meritocracia em seu livro “Meritocracia: Influência da Cultura Brasileira no Desempenho e no Mérito.” Ela apresenta o personalismo como um dos elementos mais destrutivos. A ideia de que um indivíduo pode estar acima da coletividade ou que as regras podem ser flexibilizadas para atender os interesses de poucos é corrosiva para a cultura meritocrática e torna a meritocracia um exercício cosmético em que todos percebem qual o verdadeiro jogo.
Em outra direção, outros especialistas entendem que a meritocracia é um mito. E pode, inclusive, atrapalhar. Um deles é o pesquisador norte-americano Clifton Mark. Ele afirma que a meritocracia amplia os abismos da desigualdade na empresa. As políticas de gestão precisam considerar as condições não iguais em que as pessoas ingressam e se desenvolvem. Com isso, o conceito de meritocracia não deveria sequer ser considerado como filosofia de trabalho, pois encoraja o egoísmo, a discriminação e o sofrimento dos menos afortunados. Mas, num mundo complexo em que a performance é necessária, negar sua importância não é razoável.
O desafio está na construção de um ciclo de desempenho mais dinâmico e inclusivo. A lógica da meritocracia ainda é importante, no entanto, precisamos evoluir os sistemas de avaliação anual para processos mais frequentes e que trabalhem o desenvolvimento de forma coletiva. Reduzir o favoritismo com mecanismos mais claros de avaliação. Aumentar os sistemas de decisão em grupo para minimizar o personalismo e o poder discricionário. O novo mundo do trabalho exige uma nova dinâmica para a meritocracia.
Com a covid-19, um dos maiores desafios no mundo do trabalho é o de criar e manter conexão com os colaboradores longe do ambiente físico e do convívio diário. Com a participação de Rafael Souto, CEO da Produtive, a matéria de capa da Você RH aborda o tema e elucida os papéis do RH e da liderança neste momento atípico que estamos vivenciando. Confira!
O mundo do trabalho ganhou novos contornos com a covid-19. De um lado está a mudança da dinâmica corporativa do presencial para o home office. De outro está a imprevisibilidade e a desaceleração da economia que, mundialmente, deve enfrentar uma das piores recessões da história. Como reflexo, veem-se profissionais mais ansiosos sobre o próprio trabalho e as condições que serão enfrentadas no futuro — o que demanda ações urgentes da área de gestão de pessoas. Um dos aspectos mais delicados nesse contexto é o engajamento. Afinal, como manter os laços quando todos estão temerosos quanto a questões pessoais e profissionais e, mais do que isso, longe do ambiente físico da empresa e do convívio diário, em carne e osso, com chefes e colegas? A resposta para essa pergunta é tão urgente que uma pesquisa conduzida pela consultoria Wisnet, com o objetivo de mapear como o RH brasileiro está encarando a crise do coronavírus, mapeou que 89% dos gestores de recursos humanos têm prioridade em engajar à distância.
E alguns temas ganharam mais espaço na agenda da área, como criar ações para a saúde dos empregados (68%), posicionar-se de forma generosa (61%) e evitar demissões (68%). O estudo mostra ainda que o cuidado maior com as pessoas é uma resposta diferente das que foram usadas em crises anteriores, quando a preocupação era exclusivamente com os resultados. “O engajamento sempre esteve muito ligado ao aumento de produtividade e de faturamento. A pandemia mostrou que essa é uma visão superficial, e as práticas que têm essa perspectiva não dão conta de acessar o humano de verdade nem de dialogar sobre questões complexas”, diz Airam Correa, sócio da Wisnet.
Por isso, o engajamento deve ser visto sob uma nova óptica, na qual a conexão afetiva e a liderança mais humana ganham força. “O engajamento vem, principalmente, da relação que se estabelece entre as pessoas”, diz Rafael Souto, CEO da Produtive, consultoria de recolocação, planejamento e transição de carreira. Ou seja, é necessário entender as expectativas de todos os funcionários e, também, suas necessidades mais íntimas. Além disso, sem times conectados, as companhias correm o risco de perder indicadores de negócio importantes, como explica Jim Clifton, presidente e CEO da consultoria Gallup: “Trata-se do elo mais forte com todos os elementos que tornam uma organização bem-sucedida, como segurança, menores custos de saúde, menos problemas de retenção e de conformidade. Mas nada disso pode ser corrigido por políticas — é preciso atitudes”.
TRÊS NÍVEIS
Os fatores que determinam o engajamento estão relacionados a três níveis. O primeiro é o individual: como cada pessoa percebe o próprio desenvolvimento. O segundo é o de grupo: quanto o funcionário nota o apoio dos colegas. O terceiro é o organizacional: como o time vê o impacto de seu trabalho para o todo. “O desafio agora é ser capaz de prover remotamente esses elementos”, diz Tatiana Iwai, professora e pesquisadora de comportamento organizacional e liderança no Insper. Ainda mais porque existem estressores adicionais durante a crise — o que pode prejudicar a formação de laços. “Estamos falando de um home office diferente, que foi forçado, e não uma opção do profissional. Isso pode gerar mais estresse e ansiedade”, diz. Além disso, por causa das demissões em muitas empresas, há sobrecarga de trabalho e pressão para a entrega de resultados, e as pessoas estão mais receosas com a própria capacidade, além de precisar enfrentar o medo de perder o emprego.
Quando se trata de desenvolvimento, o pilar que embasa o engajamento individual, as companhias têm a oportunidade de ajudar a força de trabalho a fortalecer competências importantes para o presente e o futuro.
E o bem-estar, a maneira como a pessoa se sente consigo mesma e com o ambiente quando está trabalhando, também é um pilar importantíssimo. Neste momento de home office, as necessidades para alcançar a qualidade de vida mudaram. Não basta mais haver sala de descompressão e salão de beleza no escritório — incógnitas para o futuro, aliás —, é preciso ajudar os empregados a se sentir bem em casa. E cada casa tem suas especificidades. Por isso, muitas companhias têm ajustado benefícios para a nova realidade, como trocar o vale-refeição pelo vale-alimentação (já que as pessoas estão se usando mais o supermercado para cozinhar em em casa), subsidiar a internet e criar programas de saúde mental (o apoio para manter o equilíbrio em meio a tantas instabilidades torna-se cada vez mais necessário).
LÍDERES COMO BASE
Nenhuma prática surte o efeito desejado se não tem a participação ativa da chefia. Nunca antes foi tão necessária uma gestão mais humanizada. “Os líderes não devem apenas coordenar e ajudar na entrega de trabalho, mas oferecer apoio emocional ao time”, diz Tatiana, do Insper. A questão é que, com tanta insegurança ao redor, os próprios gestores estão temerosos e podem criar um clima pesado, fazendo com que as equipes entrem numa espiral de presenteísmo e cobrança excessiva por produtividade só para “mostrar serviço”. Mas essa é uma péssima estratégia.
Embora os resultados imediatos possam até parecer melhores usando a rédea curta, os riscos dessa gestão são altos. Quanto mais controle e pressão, mais estresse e menos conexão real com a companhia. De acordo com o professor de comportamento organizacional de Stanford, Jeffrey Pfeffer, autor de Morrendo por um Salário, quanto menos autonomia e visão de futuro um funcionário tiver, maiores os índices de estresse e toxicidade organizacional — e, consequentemente, de engajamento. Isso é péssimo para os negócios, como mostra o relatório Engagement: The Technical Report de 2018, feito pela consultoria ADP. Segundo o documento, a cada 1% de perda no nível de engajamento total, um profissional é 45% mais propenso a se demitir. Se esse profissional for um supervisor, por exemplo, o custo de sua saída para a organização pode ser 2,5 vezes o valor do salário pago àquele empregado. “A qualidade do gestor determina o engajamento na empresa, e esse engajamento determina seu crescimento orgânico”, diz Jim, da Gallup.
Existe uma palavra para evitar esses problemas: confiança. Ela é a base para a criação de laços genuínos e, consequentemente, para o florescer do engajamento. E os líderes têm um papel fundamental nesse processo. Ainda de acordo com a ADP, que para seu relatório ouviu mais de 1.000 trabalhadores de 19 países, incluindo o Brasil, um funcionário é até 12 vezes mais propenso a estar totalmente engajado quando confia no gestor de seu time. O estudo ainda diz que existem dois pontos importantes para a sensação de pertencimento, nos quais os líderes influenciam mais do que imaginam: a clareza sobre as expectativas do próprio trabalho e o sentimento de que as competências estão sendo usadas diariamente para exercer as atividades. Quando o líder de um time consegue juntar essas duas coisas, explica o relatório, “a confiança é construída e é mais provável que o time conquiste o engajamento completo”.
COMECE A OUVIR
Uma das ferramentas mais eficientes para criar confiança e, consequentemente, engajamento não custa nada e está ao alcance de qualquer um: a escuta ativa. “Os gestores precisam ampliar as conversas sobre o momento e os objetivos, e dedicar tempo para ouvir as preocupações, os interesses e as angústias de seu time”, diz Rafael, da Produtive. Na pandemia esse hábito de conversar sobre as necessidades individuais precisa ser reforçado, e questões pessoais devem entrar naturalmente na pauta. “O líder deve entender um pouco mais sobre cada membro de seu time: como é seu cenário em casa, se há um local reservado para trabalhar, se a pessoa tem filhos ou se mora sozinha”, diz Vitorio Bretas, executive advisor da consultoria americana Gartner.
Idealmente, essa atitude deve permear a totalidade dos gestores da empresa, incluindo o presidente, que pode (e deve) falar sobre resultados, expectativas e metas para toda a organização. Mas o que faz mais a diferença no dia a dia e no senso de pertencimento é como os chefes diretos tratam a questão. “Se o gestor não se interessar em perguntar como o funcionário está e quais são suas aspirações, o engajamento não se sustentará”, diz Vitorio.
Para reforçar essa necessidade, o Linkedin estimula que as lideranças tenham um olhar compassivo, estejam sempre prontas para colaborar com as necessidades dos empregados e criem um ambiente de transparência e segurança psicológica, no qual os profissionais possam compartilhar seus sentimentos, vulnerabilidades e dúvidas sobre os rumos da companhia e da própria carreira. Além das reuniões conduzidas por Ryan Roslansky, CEO da companhia, para cerca de 10.000 funcionários em mais de 30 países, o Linkedin aposta em sessões de perguntas e respostas semanais e em conversas individuais.
Na crise da covid-19, o primeiro desafio da chefia foi se colocar no lugar do outro e entender as diferentes realidades para mapear como a empresa poderia ajudar. “Alguns têm filhos, outros não possuem um local adequado para trabalhar”, diz Alexandre Ullmann, diretor de RH da rede social. Segundo ele, cada gestor faz acordos com sua equipe para que o trabalho se ajuste à rotina, mas existe um programa formal que ajuda na flexibilidade. Funciona assim: quem tem filhos ou parentes que precisem de cuidados especiais pode optar por trabalhar em horários ainda mais fluidos, reduzir a carga de trabalho ou até tirar uma licença remunerada de um mês. “Com o fechamento das escolas, adotamos essa medida para ajudar as equipes a se manter produtivas, equilibrando as responsabilidades do trabalho e da família. Trabalhamos muito na conscientização dos líderes para esse olhar individual”, afirma Alexandre.
NÃO CAIA NESSA
Três erros do RH na hora de pensar no engajamento
1. ACHAR QUE O SENTIMENTO NASCE DE FORA PARA DENTRO
Investir em escritórios coloridos ou, atualmente, em lives superproduzidas não traz engajamento por si só. As ações fazem sentido apenas quando estão ao lado de iniciativas que proporcionem liberdade para os profissionais se manifestarem e falarem sobre seus anseios e dificuldades.
2. ASSUMIR O PAPEL DOS LÍDERES
Quem faz o dia a dia é a liderança. Por isso, o principal responsável pelo engajamento das pessoas é o gestor direto. É ele quem deve realizar conversas de desenvolvimento, como diálogos sobre carreira e sucessão. Cabe ao RH conscientizar os chefes quanto a esse papel — sem tomar a frente do relacionamento.
3. SEGUIR NO SISTEMA ANTIGO DE PLANO DE CARREIRA
Fornecer soluções genéricas de crescimento não ajuda a engajar. É preciso entender o que cada um busca para elaborar uma trilha de aperfeiçoamento que faça sentido individualmente. Ofereça às pessoas ferramentas para a construção de seu desenvolvimento, além de informar sobre as posições internas e reforçar uma cultura que permita movimentações. Quando o indivíduo percebe que consegue realizar seu projeto de carreira na empresa, seu senso de pertencimento aumenta.
Fonte: Rafael Souto, CEO da Produtive.
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Fomos lançados em um novo formato de trabalho e os desafios na gestão de pessoas cresceram exponencialmente. Como engajar as pessoas, manter a cultura da empresa e dar senso de propósito e pertencimento às equipes distantes? Em seu novo artigo para o Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, fala sobre o tema e qual o papel dos líderes e colaboradores neste novo contexto.
Desde que fomos lançados a um novo formato de trabalho, os desafios organizacionais ganharam novos contornos. Em velocidade exponencial, uma parte significativa de profissionais foi trabalhar em suas casas e desmontou os sistemas de trabalho em áreas coletivas, coloridas e despojadas que pareciam rechear os pensamentos sobre um ambiente moderno.
Em recente estudo global da consultoria McKinsey & Company, mais de 50% das empresas entrevistadas entendem que o trabalho em qualquer lugar permanecerá. E a maioria delas afirma que não voltará à rotina de escritório, mesmo após a pandemia.
Somado a isso, vivemos momentos em que a imprevisibilidade sobre o emprego, as questões de saúde e os dramas econômicos elevam o grau de ansiedade.
Diante desse contexto, os desafios na gestão de pessoas estão ampliados. Afinal, como manter a cultura da empresa?; quais os novos rituais para as trocas informais que desenhavam o dia a dia do trabalho?; como dar senso de propósito e pertencimento às equipes distantes?
Mais do que nunca, é fundamental explicar o que está sendo feito e os motivos que levam a tomada de decisão nesse momento de incerteza. E é por isso que o líder precisa ampliar as conversas sobre o momento, objetivos e dedicar tempo para ouvir as preocupações, interesses e angústias de seu time.
Segundo Dan Cable, professor de comportamento organizacional da London Business School, a jornada para obtenção de sentido e propósito é uma caminhada que exige experimentação e diálogo. Não basta reforçar o objetivo da empresa ou tentar iluminar o outro. É necessário que cada um busque conectar suas convicções e atividades. Precisa ser pessoal. E esse é o momento de resgatar exemplos e colocar o indivíduo para buscar o sentido do que faz.
O líder pode inspirar com exemplos para dar repertório, mas é de responsabilidade de cada um o passo para compreender o alcance de suas atividades e o propósito de realiza-las. Encontrar espaço para debater esse sentido e reforçar os motivadores é uma alavanca de engajamento. É importante trazer aspectos de impacto do trabalho na vida das pessoas, mostrar o resultado e o alcance do que é feito.
Outro aspecto importante na busca por engajamento vem dos estudos do pesquisador europeu, Wilmar Schaufeli, que constatou que os líderes que dedicam tempo para conversar sobre o indivíduo, aumentam o engajamento médio em três vezes.
São os líderes que conversam sobre a pessoa e que conseguem um nível de conexão muito maior do que aqueles chefes que apenas falam das atividades objetivas do trabalho.
A ideia de conversar sobre o desenho de vida do indivíduo não é nova. Faz parte da teoria contemporânea sobre carreira que entende que os papeis exercidos na vida estão relacionados com o trabalho.
Conversar sobre saúde física e emocional é, portanto, parte da atividade de um líder. Nesse momento de angustia, é ainda mais necessário incluir esse tema nas conversas.
Em minhas palestras em organizações de diversos setores ouço com frequência: “meu chefe nunca conversou sobre nada além das metas trimestrais e dos objetivos da área”. Essa distância gera desconexão e nesse cenário de pandemia revela um abismo que separará os verdadeiros líderes daqueles que são apenas controladores de planilhas.
Outro fator para aumentar conexão e engajamento é mostrar vulnerabilidades. O líder deve estar disposto a mostrar que tem dúvidas e que possui fraquezas. E isso não significa incompetência. Significa disposição para cooperar e aprender. O fato de ser líder não o coloca numa posição distante e intocável. A vulnerabilidade é uma chave para a conexão e um caminho para a cooperação.
Em um cenário de estresse devido aos efeitos da crise da covid-19 e a incertezas quanto ao futuro, contar com o engajamento dos colaboradores será fundamental para a trajetória de recuperação das empresas. Leia a reportagem e ouça o podcast da revista CNT, que conta com a participação do CEO da Produtive, Rafael Souto. Ele fala sobre as melhores estratégias para o corpo diretivo e de liderança das empresas nessa condução:
A imprevisibilidade sobre o futuro do Brasil e do mundo permeia o atual cenário de empresas dos mais variados segmentos que, para sobreviverem aos impactos econômicos e sociais provocados pela pandemia do novo coronavírus, se desdobram na busca por soluções oportunas e acertadas.
O fato é que as boas decisões devem ser baseadas em um conjunto de informações precisas, mas o atual momento não as oferece tão facilmente frente às incertezas que cercam os rumos da pandemia. Neste momento, um dos grandes desafios das lideranças do mundo empresarial é lidar com uma série de fatores sobre os quais não existe controle, mas que podem ter um impacto sem precedentes nas corporações.
Para o CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado, Rafael Souto, essa crise tem uma configuração diferente, porque mexeu com as relações de trabalho ao transformar muito rapidamente toda a cadeia de consumo e o movimento da sociedade. Nesse contexto, as lideranças das empresas precisarão engajar suas equipes de forma a envolvê-las na busca conjunta de alternativas e novas soluções. Para isso, elas precisam se comunicar de forma clara, ágil e frequente, inclusive sobre a imprevisibilidade do futuro. “Muitos líderes ficaram atordoados com a crise e se retiraram da comunicação com seus times, seja porque não estavam no mesmo ambiente físico, seja por insegurança. Mas eles precisam dar o tom do que esperam dos colaboradores”, defende.
A comunicação e a saúde mental
Toda a insegurança gerada pela pandemia tende a reverberar, de forma negativa, no emocional dos colaboradores, o que impacta diretamente a produtividade, o engajamento e a resiliência da equipe. Esse é um entendimento comum entre especialistas de Recursos Humanos, como a psicóloga organizacional Edwiges Parra. Para ela, os líderes e os profissionais que atuam na gestão de pessoas devem traçar estratégias, ancoradas em comunicações ágeis, constantes e transparentes, de modo que os colaboradores percebam que estão sendo cuidados, mesmo em um cenário difícil como o atual.
Segundo ela, é natural que as pessoas se sintam ansiosas e preocupadas por quererem respostas e, nesse contexto, as lideranças precisam deixar claro que elas virão na medida em que os elementos e as variáveis forem se apresentando. “As pessoas ficam inquietas quando têm que lidar com expectativas porque não têm informações. Isso contribui para elevar os níveis de ansiedade e estresse”, afirma Edwiges, que considera que ignorar essa vulnerabilidade é um erro. “Os líderes devem trazer o lado humano para as relações e buscar proximidade com a equipe. E a equipe deve entender que o líder não é indiferente e sofre, também, as influências da situação”, explica ela ao ressaltar a importância de cuidar da saúde mental de todos os profissionais da empresa, sem distinção de cargo e hierarquia.
Recentemente, a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou um guia a respeito de cuidados sobre a saúde mental durante a pandemia. São orientações para lidar com as consequências psicológicas da covid-19, que vêm gerando estresse por motivos diversos, como o temor pela contaminação, as incertezas das mudanças, o isolamento social e o medo do desemprego. Um dos públicos-alvo abordados na publicação são os líderes de equipes.
O outro lado da crise
Embora a crise tenha deixado todos mais vulneráveis, ela cria condições para que nos tornemos mais adaptáveis e capazes de superar outras situações adversas, afirmam os especialistas em comportamento humano. “A capacidade de fluir em um terreno de imprevisibilidade, com boas entregas, sendo o dono da gestão da própria vida e da carreira. Esse é o tema central do ‘novo mundo’ do trabalho”, afirma Rafael Souto, da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado.
Diversos segmentos do mundo corporativo já percebam os impactos negativos da crise: redução da demanda e da produtividade, paralisações de serviços, comprometimento da capacidade de pagamento, demissões. No entanto, ainda é precipitado medir, de forma precisa, os impactos reais. Contudo, Souto aposta que, quando a pandemia arrefecer, o emprego nunca mais será o mesmo, e as lideranças terão o desafio de reorganizar seus modelos de trabalho. “Estamos todos demitidos dos modelos tradicionais de trabalho e teremos que nos reinventar”.
Nesse cenário, o mundo corporativo precisará revisar seus paradigmas de trabalho e encontrar alternativas, como o home office, que não é nenhuma novidade, mas que passou a ser “um exercício interessante para muitas empresas”, explica Souto. Outras alternativas, segundo ele, são a possibilidade de trabalhos mais flexíveis e a revisão de níveis hierárquicos.
Neste momento em que equipes estão sendo desafiadas a trabalhar numa situação incomum e imprevisível, surge a necessidade de um modelo de liderança capaz de engajar e desenvolver pessoas no caos. Em seu novo artigo para a VOCÊ S/A, Rafael Souto, CEO da Produtive, discorre sobre este tema, indicando estratégias para a liderança ser mais efetiva e com modelo mental mais moderno.
Chefes que coordenam os times baseados em hierarquia rígida, comando e controle, terão de repensar modus operandi no contexto pós-pandemia
Não é de hoje que discutimos a transformação dos modelos de gestão para lidar com a rápida evolução dos negócios e do trabalho contemporâneo. E a pandemia de coronavírus é um acelerador dramático dessas mudanças.
Os já fragilizados modelos de liderança baseados em hierarquia rígida, comando e controle, por exemplo, foram postos em cheque. O mesmo acontece com a dificuldade de chefes falarem com times sobre carreira. Delegar essas conversas difíceis para a área de recursos humanos é uma atitude que ficará no passado.
Neste momento em que diversas equipes estão em home office, sendo desafiadas a trabalhar numa situação atípica e bastante imprevisível, surge a necessidade urgente de um modelo capaz de engajar e desenvolver pessoas no caos.
Certa vez, eu estive em um almoço com o guru de negócios Ram Charan conversando sobre os desafios de gestão. Num tom incisivo, o indiano e mentor de muitos CEOs importantes indagou: “Quer saber se um executivo é mesmo orientado a pessoas?”. Fiquei atento e logo veio a resposta: “Basta olhar a agenda da próxima semana”. E ele prosseguiu: “Veja quanto de tempo ele investe em conversar sobre os funcionários, ou se o seu foco está somente nos processos e nas metas”.
Esse célebre professor de Harvard resumiu em uma fala o que hoje entendemos como o novo jeito de pensar sobre carreira e trabalho. A vida profissional não se resume aos seus papéis no trabalho atual. Essa ideia, chamada de “life design”, ganhou força nos últimos anos quando diversos estudiosos do tema consolidaram essas reflexões, entre eles o expoente professor Mark Savickas, da Universidade de Kent, nos Estados Unidos.
Considerando que a vida no trabalho abarca vários aspectos, o líder precisa integrar na sua avaliação a saúde física, o equilíbrio emocional, o contexto familiar e os interesses futuros de cada funcionário. Ou seja, fazer gestão de pessoas significa conversar sobre carreira, vida pessoal, sonhos e expectativas.
Num contexto de pandemia não podemos isolar os aspectos pessoais. O engajamento se dá quando a liderança compreende os aspectos de vida dos indivíduos e consegue dar apoio para o seu desenvolvimento. E isso não significa abrir mão das metas e rotinas operacionais, mas sim incluir conversas mais amplas sobre a vida do indivíduo.
Tenho falado constantemente sobre a importância da confiança como moeda organizacional. É o combustível do novo mundo do trabalho. Se a liderança estabelece uma relação com vínculo e confiança, conseguirá melhores resultados. Não à toa, um estudo recente da consultoria Gartner mostrou que 88% dos entrevistados não se sentem confortáveis para revelar suas intenções sobre carreira ou compartilhar dificuldades com seus gestores. O medo e a falta de transparência ainda são preponderantes, embora o discurso corporativo e os valores fixados na parede dos escritórios explorem a retórica da transparência e da comunicação aberta.
A rápida e incontrolável chegada do novo coronavírus derrubou nossa sensação de controle e trouxe questionamentos e reflexões para todos os profissionais e dirigentes de organizações. Embora a humildade seja considerada uma caraterística dos melhores líderes, ainda não é o que se vê em boa parte das posições com maior nível hierárquico. Em seu novo artigo para o Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, mostra essas transformações e qual estilo de liderança será bem-sucedido no mundo pós-pandemia.
A nossa espécie ingressou no século XXI com a certeza de que caminharíamos para a imortalidade.
O brilhante historiador e autor do livro Homo Deus, Yuval Harari, fez uma empolgante narrativa de que iniciávamos uma nova era marcada pela superação dos grandes dramas de nossa história. As guerras, as pestes e a própria fome estariam em níveis muito menores do que séculos atrás.
A fome, por exemplo, seria muito mais um drama de decisões políticas do que de falta de alimentos. Os recursos estariam disponíveis para todos, mas talvez não fossem acessíveis por problemas na gestão pública.
No campo das ciências, seguiríamos para uma humanidade gerida pela informação. O volume gigantesco de dados e seus algoritmos dominariam medicina, engenharia de tráfego, direito e demais áreas de conhecimento. Tudo sendo comandado pela inteligência dos dados. O domínio sobre a vida nunca esteve tão presente na agenda humana do novo século. Uma nova era promissora.
E aí, no início de 2020, sentimos um drama imprevisível e que fez o mundo parar. A rápida e incontrolável chegada do novo coronavírus colocou o homo deus de joelhos, sensível e sem defesas, mesmo com o arsenal de dados, algoritmos e superioridade inquestionável como espécie dominante no planeta, ele não foi capaz de prever e preparar a humanidade para os impactos dramáticos do inimigo invisível.
Estamos revivendo momentos que experimentamos há mais de 100 anos. As recomendações sobre o uso de máscaras, lavar as mãos e o distanciamento social são as mesmas que tivemos durante a gripe espanhola. Isso revela o contra-ataque que levamos na gestão do planeta.
Vivemos um paradoxo e uma espécie de limbo. Nossas discussões sobre veículos autônomos e energias renováveis ficaram em segundo plano diante da restrição mais básica na nossa jornada na Terra: o direito de ir e vir.
A ausência de tratamento para o novo vírus fez com que regredíssemos um século na maneira de fazer a prevenção. O vírus fechou a economia do mundo.
Infelizmente, a conclusão dessa pandemia ainda parece distante e seguirá sendo um tremendo desafio. Uma das questões mais certas será o impacto profundo na economia dos países e talvez mais brutal ainda nas economias emergentes, como afirmou Jered Diamond em seu célebre livro Armas, Germes e Aço, em que mostrou como a riqueza acabou se concentrando e gerando desenvolvimento mais expressivo em algumas nações e pobreza em outras.
A pandemia derrubou nossa sensação de controle e supremacia no planeta e nossa prepotência merece uma reflexão. Acredito que essa seja a grande lição no novo mundo que surgirá quando nossas portas forem reabertas. Tendo a história como base, confirmamos mais uma vez que a arrogância sempre foi um dos fatores marcantes para a queda de impérios, governos e derrocada das empresas.
Em recente artigo, o consultor Bill Taylor, explica o fenômeno da prepotência no mundo corporativo e afirma que, embora o senso comum aponte para a humildade como caraterística dos melhores líderes, não é o que se vê em boa parte das posições com maior nível hierárquico.
Isso ocorre porque existe uma associação que liderar é saber sobre tudo e mandar nas pessoas, como afirma o professor Edgar Schein, professor emérito do MIT – Sloan School of Management. Especialista em liderança e cultura, Schein diz que esse é um componente da representação que as pessoas têm da liderança. A competição em que alguém ganha e outra perde. O líder que tem todas as respostas é aquele que atende o padrão esperado de gestão. E isso gera um descompasso entre o estilo de liderança humilde e colaborativo.
Na prática, o líder que é ambicioso, tem as respostas para todos os problemas e toma decisões rápidas no alto de sua sabedoria ainda compõe o referencial de muitos gestores que estão no poder. No entanto, sabemos que a prepotência gera muitas manchetes, mas é a humildade que traz mais resultados.
Taylor construiu uma nova competência para o século XXI chamada de “ambilidade” e significa que o líder precisa cultivar ambição e humildade. Essas atitudes não são excludentes, ao contrário, a busca por realizações, sucesso e crescimento são positivas quando associadas à habilidade de fazer perguntas, não ter medo de mostrar sua vulnerabilidade em situações desconhecidas e a capacidade de construir um ambiente colaborativo.
O mundo pós-pandemia será marcado pela aceleração das transformações que já vinham ocorrendo nos negócios e no mundo do trabalho. A humildade em aprender, ouvir, questionar e cooperar será determinante para os líderes bem-sucedidos. Enquanto os antigos chefes, que acham que sabem tudo, irão sucumbir de um outro vírus: a doença da onipotência e o amargo sabor de ficarem obsoletos.