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Demissões começam a chegar no alto escalão das empresas

A Folha de S.Paulo publicou reportagem que mostra a dura realidade de demissões com a baixa de alguns mercados causada com a pandemia do COVID-19.
Quem contribuiu para a publicação, falando sobre as áreas e os cargos afetados neste período, é Rafael Souto, CEO da Produtive. Ele também indica o cenário para o mercado de trabalho neste segundo semestre.

 

A fabricante de alimentos onde o gerente corporativo industrial Carlos Rogério Zacaro trabalhou por nove anos, em Ribeirão Preto (SP), teve sua produção fortemente afetada pela pandemia. Com produtos dependentes do mercado de atacado, comércio de rua e consumo de balcão — aquele doce que o consumidor pega no caixa, depois do almoço, no intervalo do trabalho —, a empresa viu sua demanda despencar em abril.

Como resultado, a companhia demitiu dezenas de trabalhadores da produção, principalmente em contratos temporários. “Houve um ajuste muito forte da mão de obra operacional, para nos adequarmos àquele momento de uma frenagem muito brusca na produção. Inclusive fui eu que fiz esse ajuste”, conta o executivo, de 47 anos. “Depois, um pouco mais adiante, houve o meu desligamento.”

A história de Zacaro é a de muitos trabalhadores de maiores salários nessa pandemia.

A princípio pouco afetados pela primeira onda de demissões em decorrência da crise, esses trabalhadores agora também passam a ser impactados pelos cortes — embora ainda em menor proporção do que os trabalhadores de salários mais baixos, que têm sido os mais penalizados pelos efeitos do coronavírus sobre o mercado de trabalho.

O movimento de cortes entre os profissionais mais bem remunerados já é sentido por empresas de recolocação de executivos, mercado chamado de outplacement, na expressão em inglês.

“Entre abril e maio, sentimos uma diminuição no volume de demissões, em função principalmente dos acordos de redução de jornadas e salários, que levaram as empresas a assumir o compromisso legal de não demitir”, conta Rafael Souto, presidente da Produtive, especializada na recolocação de profissionais com salários acima de R$ 10 mil.

“Mas isso passou e percebemos a partir de junho um aumento expressivo de demissões”, diz Souto, que registou em junho e julho um crescimento de 20% na demanda pelos serviços de recolocação, na comparação com iguais meses de 2019.

Pelos tipos de contratos que têm sido realizados, Souto avalia que as demissões devem se estender pelo segundo semestre. “Várias empresas têm nos procurado para organizar programas de demissão para os próximos meses”, afirma. “Isso aponta para um volume maior de desligamentos, o que mostra que o movimento de junho e julho não é isolado.

Entre os setores mais afetados, Souto cita indústrias de médio e grande porte, particularmente na cadeia automotiva, na indústria de base e de bens duráveis. Ele sente movimentação também no setor financeiro, no segmento de serviços de entretenimento e de educação.

“As empresas estão cortando em todos os níveis, o que é característico de downsizing [enxugamento visando redução de custos]”, diz Souto. “Mas o volume maior de demissões acontece na média gestão – coordenadores, gerentes e gerentes seniores -, porque a alta gestão costuma ser mantida em momentos de crise.”

Eduardo Romão, de 45 anos, foi demitido após 18 anos na Caloi, como resultado de um processo desse tipo. Gerente nacional de vendas e trade marketing no grupo canadense Dorel Sports, dono da marca de bicicletas desde 2013, Romão foi desligado em março.

“Foi um choque muito grande, após 18 anos em uma empresa onde fiz carreira”, conta Romão. “Quem assumiu minha posição foi outro gestor, da área de pós-venda, que incorporou o comercial e o trade.”

O executivo conseguiu uma nova oportunidade no setor de bicicletas após pouco mais de dois meses, mas agora como gerente regional.

Aceitar salários menores ou cargos mais baixos na hierarquia devem ser uma realidade para os funcionários de altos salários demitidos na pandemia, dizem os especialistas. Eles também enfrentam processos seletivos mais longos e competitivos, num momento em que algumas empresas retomam contratações.

“Na crise de 2015 e 2016, já vimos grande parte das empresas reduzirem suas faixas de remuneração”, diz Lucas Oggiam, diretor do PageGroup, empresa especializada em recrutamento de executivos. “Agora, novamente, algumas empresas devem apertar o cinto em relação a salários muito extravagantes. O profissional que está se realocando precisa entender essa realidade das companhias, pois estão todas com custos apertados.”

Grandes empresas como Santander, PwC, Embraer e Latam estão entre as corporações que têm realizado cortes de profissionais mais qualificados.

O banco espanhol reduziu seus quadros no Brasil em 844 funcionários entre o primeiro e o segundo trimestres, segundo balanço divulgado ao fim de julho. Já a empresa de auditoria não confirma o número de demissões no país, estimadas em 600 pelo site especializado Going Concern.

A fabricante de aviões propôs ao fim do mês passado seu segundo PDV (plano de Demissão Voluntária) em um mês, após realizar mudanças também no topo do escalão, com a troca de quatro vice-presidentes e um diretor. Em recuperação judicial, a Latam, por sua vez, pretende demitir até 2.700 tripulantes após uma tentativa fracassada de negociar com o sindicato da categoria uma redução permanente de salários.

Mesmo com o avanço das demissões entre trabalhadores mais bem remunerados, eles continuam a ser privilegiados, dentro do contexto geral do mercado de trabalho.

Segundo dados do Caged (cadastro de contratações e demissões de trabalhadores com carteira assinada mantido pelo Ministério da Economia) compilados para a Folha pela consultoria IDados apontam que foram fechadas 24 mil vagas entre março e junho para trabalhadores com remuneração entre R$ 5 mil e R$ 10mil. Entre os profissionais com salários acima de R$ 10 mil, foram 12,6 mil vagas fechadas nos quatro meses de agravamento da pandemia no país.

Ainda não há dados para julho.

Os montantes representam respectivamente 2% e 1% do 1,5 milhão de empregos com carteira perdidos entre março e junho, em decorrência da pandemia. A participação na perda de empregos é inferior à parcela desses trabalhadores mais bem remunerados no estoque de vagas formais, que era respectivamente de 8% e 4% em junho.

Naquele mês, os trabalhadores com carteira assinada com salários entre R$ 5 mil e R$ 10 mil somavam 3 milhões, enquanto aqueles com salários acima de R$ 10 mil eram 1,6 milhão, de um estoque total de 37,8 milhões de empregos com carteira. Mas é preciso levar em conta que uma parcela dos trabalhadores mais bem remunerados não entra nas estatísticas do Caged, por trabalharem como PJs (pessoas jurídicas).

“Há no Brasil um problema grande de baixa qualificação da mão de obra. Não à toa, em momentos de crise, esses trabalhadores mais qualificados, que também são os de renda maior, são os que sofrem menos — têm menos chance de serem demitidos e na retomada são os primeiros a se recolocar”, diz Bruno Ottoni, economista do IDados.

O analista lembra ainda que a maior parte desses trabalhadores ocupa posições formais, que geram maiores custos para os empregadores na hora de demitir, o que ajuda a explicar por que muitas empresas seguraram as demissões desses profissionais no início da crise.

Mario Custodio, diretor de recrutamento da Robert Half, avalia que o pior momento para as demissões foi entre março e abril, e que agora já há retomada das contratações por algumas empresas. Segundo ele, as áreas de tecnologia e comércio eletrônico estão entre as mais aquecidas na busca por profissionais.

Souto, da Produtive, cita ainda os setores logístico, de saúde, alimentos, agronegócio, empresas exportadoras e o setor farmacêutico, como segmentos que mostram crescimento na oferta de vagas para profissionais mais qualificados.

Fazer MBA turbina a carreira, mas é preciso paciência

Investimento em formação acadêmica retorna no médio prazo; pesquisa mostra alta de salário após titulação.

 

É caro fazer MBA no Brasil. A média de preço dos programas em 2017 (último dado disponível) era de R$ 31.788, de acordo com números da NOZ – Pesquisa e Inteligência e da Anamba (Associação Nacional de MBA).

Segundo Rafael Souto, diretor-executivo da Produtive, empresa de recolocação, alguns profissionais esperam, após o alto dispêndio, uma valorização imediata da carreira, o que não costuma ocorrer.

“Investimentos académicos dão retorno a médio prazo. E o ganho vem pela entrega que a pessoa dá no trabalho, não necessariamente pela titulação. No MBA, você aprende ferramentas para conseguir gerar resultados.”

Preço de um curso de MBA no Brasil

Média salarial

Há, sim, ele frisa, uma vantagem do profissional com MBA numa disputa de vaga, mas apenas se a experiência dos candidatos for a mesma. Pouco adianta, portanto, fazer um programa desse tipo sem bagagem profissional.

Por isso, Souto não aconselha um recém-formado a buscar essa pós-graduação.

A recomendação dele é que a pessoa procure fazer uma especialização em primeiro lugar para só mais adiante, com dois ou três anos de trabalho, ir atrás de um MBA.

Vanessa Lopes, superintendente de educação executiva da FGV, concorda. “O ganho do MBA, além do conteúdo em si, é a troca com os colegas de classe. Se a turma é homogénea, formada por profissionais que já estão no mercado há algum tempo, as trocas tendem a ser melhores”, afirma.

Durante o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) de seu mestrado, feito na própria instituição em que trabalha, no ano passado, Vanessa pesquisou a relação entre salário e MBA de ex-alunos da instituição de ensino.

De um universo de 15 mil pessoas, que fizeram os programas na FGV entre 2012 e 2017, o resultado foi que, em média, o ganho mensal do profissional aumentou 24% depois da pós-graduação.

“Isso aconteceu porque houve uma migração para cargos de gestão. Muitos deixaram de ser analistas ou supervisores e se tornaram coordenadores ou gerentes”, diz.

Guilherme Filgueiras, gerente sênior da empresa de recrutamento e seleção Michael Page, por outro lado, não enxerga o MBA como um diferencial que tende a garantir recolocação rápida ou valorização profissional.

“E importante se você foca só uma área e quer se especializar apenas nela, mas hoje se valoriza o profissional multitarefas. Não precisa ter uma profundidade extrema num determinado tema para atuar” diz.

De acordo com ele, quem faz várias pós-graduações, em áreas correlatas, porém diferentes, tende a ter mais oportunidades de crescimento.
Souto, da Produtive, diz que os MBAs deveriam fazer esse papel. “A origem do MBA é generalista. No Brasil, criou-se essa aberração desses programas setorizados. Quem quer se aprofundar só numa área deve buscar especialização.”

Vanessa, da FGV, também tem críticas aos programas divididos em áreas específicas.
Existem programas com foco em marketing, finanças, projetos etc. Os MBAs deveriam trabalhar mais a liderança e as soft-skills (competências socioemocionais)”, afirma.

Gerentes e chefes dispensados tentam se ajustar ao mercado

Marcia Oliveira, consultora de carreira sênior da Produtive, fala sobre o mercado de trabalho para o jornal Folha de S. Paulo.

 

Gerente de negócios para a América Latina de uma multinacional do agronegócio, Heloisa Beigin, 56, se viu desempregada no final de 2014, depois de quase 30 anos de uma carreira em grandes empresas. Três anos após a demissão, atua em um nicho aberto pela própria crise em seu campo de atuação.

A Innovativa, empresa criada em parceria com outros oito sócios que há alguns anos se viram na mesma situação, oferece consultoria empresarial em diferentes áreas. Além disso, possui um cadastro de 800 gerentes, supervisores e diretores, que podem trabalhar de forma temporária cobrir licenças-maternidade, substituir um expatriado, por exemplo.

É comum também que atuem em projetos específicos, que têm início, meio e fim.

A empresa fecha o contrato com a consultoria, o que reduz o risco de serem processadas na Justiça. “Aproveitamos esse momento de muitos desligamentos e de grande capital intelectual disponível para alocar pessoas no mercado de trabalho. Isso já acontece nos Estados Unidos e na Europa”, afirma.

Como outros chefes, ela perdeu o emprego pelo fato de trabalhar em uma empresa internacional, que decidiu eliminar sua função. “Apesar de a empresa ter escritório aqui, eu me reportava diretamente à matriz fora do Brasil. Quando houve uma reestruturação, a minha posição, assim como em outras regiões do mundo, foi extinta.”

O caminho encontrado pela ex-gerente é uma saída frequente para o enxugamento de cargos na chefia intermediária. “Muitos que no passado ocupavam essas posições passaram a montar empresas e a prestar serviços para antigos empregadores”, afirma Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, da FGV-EAESP.

Aqueles que conseguiram se manter no mercado de trabalho tradicional passaram a ter que desenvolver qualidades como flexibilidade e empreendedorismo. “O modelo de comando e controle está em desuso”, diz Marcia Oliveira, consultora de carreira sênior da Produtive. “O comportamento empreendedor, de atitude, engajamento, passa a ser mais importante.”

TROCAS

Dados do Caged mostram que o crescimento de vagas formais em 2017 foi maior entre os trabalhadores com escolaridade de nível médio ou superior, que ocuparam postos antes destinados aos menos qualificados.

“Diferentemente de diretores e presidentes, contratar gerentes é mais fácil”, diz Luís Testa, da Catho. “E um gerente com anos de casa ganha mais que um novo.”

Apesar de o movimento ser considerado irreversível, a avaliação de parte dos especialistas é que, quando o país voltar a crescer, haverá um pico de demanda por profissionais qualificados, que vai beneficiar esses profissionais.

“Nos últimos meses, já temos visto um aumento nas contratações”, afirma Ricardo Basaglia, da Michael Page. “Se o país crescer, os gestores das empresas vão ficar no limite do que conseguem gerenciar.”

 

Contratado para demitir

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Em matéria veiculada na edição deste domingo, 10 de maio, no Caderno Mercado, da Folha de S. Paulo, Rafael Souto, CEO da Produtive, comenta o aumento da procura pelo serviço de Outplacement:

Com aumento do desemprego no país, cresce a procura por empresas especializadas em ‘demissão responsável’

JOANA CUNHA

DE SÃO PAULO

“Estamos fazendo uma reestruturação na empresa e a sua posição foi extinta. Precisaremos de outra estrutura funcional que vai absorver suas atividades. Agradecemos sua participação.”

Variações desse discurso se tornaram um fantasma para milhares de trabalhadores brasileiros e um mantra na mente de executivos de empresas especializadas em demissões desde que a crise deflagrou a escalada do desemprego no país.

Enquanto a economia desacelera, corroendo o nível de ocupação, quem fatura são as firmas de “outplacement”, aquelas especializadas no que chamam de “transição profissional” e também em demissão, termo menos eufemístico e mais adequado ao contexto atual.

O serviço é contratado por companhias que pretendem demitir um ou mais funcionários e buscam auxílio para elaborar a forma de informá-los da má notícia. Tais empresas também oferecem auxílio psicológico e orientam os demitidos sobre como procurar emprego por um período que pode chegar a um ano.

Quem escolhe os que serão dispensados e os avisa é o próprio empregador.

O objetivo é fazer “desligamentos menos traumáticos”, segundo Marshal Raffa, diretor da Thomas Case, cujos contratos cresceram mais de 50% desde o início de 2014.

“É a demissão responsável”, explica Raffa, usando palavras como “acolhimento” e “conscientização”.

No momento atual, considerado por executivos de “outplacement” uma das piores ondas de demissões que já vivenciaram, os cortes envolvem redução de custo e busca de eficiência operacional.

As empresas estão fazendo demissões mais drásticas que na crise de 2009, segundo Rafael Souto, presidente-executivo da Produtive, que neste primeiro trimestre registrou alta de 25% em tais contratos ante igual período de 2014.

“O que preocupa é que estão cortando muito num momento em que há pouco se reclamava de falta de talentos. São talentos que elas demoraram para incorporar”, diz.

No primeiro trimestre deste ano, 50,3 mil vagas foram fechadas. Em igual período de 2009, foram cortados 26,6 mil postos. A taxa de desemprego no país fechou o primeiro trimestre em 7,9%.

“Em outras crises havia menos empresas se reestruturando. Fusões e aquisições são um fator adicional que gera demissões. Arrisco dizer que este é um momento que nunca vimos”, diz Lucia Costa, diretora da Stato, que teve alta de 22% nos contratos de transição de carreira.