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Os efeitos perversos de uma cultura hierárquica na gestão de pessoas

Com a necessidade de reestruturação das empresas em função da globalização, o sistema em que as carreiras são controladas de maneira previsível dá sinais de colapso. Rafael Souto, CEO da Produtive, faz uma reflexão sobre este tema em seu novo artigo para o Valor Econômico.

A discussão sobre cultura organizacional e seu impacto nos negócios não é nova. A cultura pode ser definida como o conjunto de crenças e práticas que, ao longo do tempo, vai se enraizando na organização. É aquilo que se faz em uma empresa e não o que gostaria que fosse feito.

No que se refere à forma de organizar e estruturar o trabalho e as carreiras, as empresas optaram por um modelo piramidal baseado em comando e controle para gerir as pessoas. Isso há mais de 70 anos.

A forma de desenvolver as carreiras em uma empresa era definida por um plano que tinha um conjunto descrito de regras para crescer. Esse modelo prosperou pela previsibilidade, largas estruturas com diversos cargos e níveis, e serviu de mantra organizacional por anos.

A lógica do plano de carreira, modelo hierárquico, crescimento linear e comando e controle na gestão de pessoas moldou a forma de trabalhar e administrar as empresas.

Já tem algum tempo que esse sistema vem sofrendo pressões por não representar a dinâmica exigida pelos negócios do século XXI. Desde o final do século passado, com a necessidade de reestruturação das empresas em função da globalização, esse sistema em que as carreiras eram controladas de maneira previsível dá sinais de colapso. A necessidade de inovar, acelerar mudanças nos negócios e atrair talentos tornaram esse modelo antiquado.

O problema é que ele está profundamente enraizado na cultura de um número significativo de empresas e na forma de trabalhar de muitos líderes.

O Profº da Columbia University, Dr. Tomas Chamorro-Premuzic, em recente artigo, apresentou uma pesquisa sobre como profissionais talentosos naufragam nas culturas tóxicas e hierárquicas. Esse modelo tradicional de gestão hierárquica traz consigo diversos efeitos perversos. Talvez o mais agressivo para o engajamento das pessoas seja o impacto nos movimentos da carreira. Limitados na sua área e com medos decorrentes de um sistema de comando e controle, os profissionais arriscam pouco, não exercitam sua curiosidade e ficam reféns de gestores autoritários.

É aí que alimentamos um sistema fadado ao caos. As empresas estão com estruturas cada vez mais enxutas e sem condições de oferecer crescimento linear e previsível como tinham no passado.

Outro dano da cultura hierárquica é a de limitar o protagonismo dos indivíduos. Sem espaço para dialogarem sobre suas carreiras e fluírem na estrutura, as pessoas devolvem para a empresa a responsabilidade que deveriam ter sobre suas carreiras. Então, entramos em um modelo circular em que todos os lados estão insatisfeitos.

O modelo hierárquico talvez não possa ser extinto. Nem todas as empresas podem ou devem romper totalmente com a hierarquia. Também não é razoável pensarmos que elas irão operar no modelo de holocracia, como os exemplos da Zappos, Spotify ou Amazon. Mas, precisamos construir alternativas ao cansado sistema hierárquico tradicional.

Os modelos híbridos baseados na construção de estruturas mais flexíveis são uma alternativa para favorecer movimentos laterais e permitir que as pessoas fluam na organização sem ficar restrito ao seu cargo para contribuir. A hierarquia não é rompida totalmente, mas permite ter outras formas de evolução na carreira.

Investir tempo na construção de uma cultura de trabalho mais arejada e com novas formas de desenvolvimento também permitirá ao indivíduo exercer seu protagonismo na carreira. Cabe ao profissional refletir sobre seus caminhos e construir essa jornada.

Líderes mais capacitados para esse diálogo contemporâneo e com a visão de que seu papel é colaborar para o crescimento das pessoas serão os verdadeiros agentes dessa transformação.

O medo de dialogar

Muitos líderes possuem insegurança quando o assunto é carreira dentro das organizações. O organograma tradicional e o plano de carreira já não são realidades nas estruturas empresariais. É nesse ponto que Rafael Souto, CEO da Produtive fala em seu novo artigo para o jornal Zero Hora.

O organograma tradicional sofre pelas alterações das estratégias de negócios cada vez mais frequentes. Falar em sequenciamento de cargos ou em plano de carreira em uma organização já faz parte do passado.

O problema fica mais evidente quando vários estudos revelam que as expectativas dos profissionais em relação a crescimento e desafios na carreira estão maiores. Uma pesquisa de doutorado, conduzida pela Prof. Drª. Manoela Ziebell, procurou mostrar os motivadores de turnover nas empresas. A conclusão foi que 46% das pessoas trocam de empresa por falta de perspectivas na organização. Muitas delas seguem com a fantasia do antigo plano de carreira.

Outro levantamento que comprova este dado é o da consultoria CEB/Gartner, que revelou que 52% dos entrevistados saem das empresas por estarem decepcionados com suas carreiras. A falta de oportunidades é o fator chave para perda de talentos.

Há enormes desafios impostos para empresas e profissionais neste novo cenário. Do ponto de vista da organização, uma ação fundamental será preparar gestores e indivíduos para lidarem com esse novo mundo do trabalho. Os modelos tradicionais de discussão de carreira misturados com avaliações de desempenho ou feitos mediante promessas de cargos e salários contribuem mais para confundir as pessoas do que para ajudá-las em seus desenvolvimentos.

Empresas mais avançadas já se deram conta disso e reformularam seus modelos de trabalho. Operam com metodologias em que os gestores investem mais tempo em reuniões focados no futuro e bem menos em retrospectivas. Mas, para que isso funcione bem, os líderes precisam ter a consciência de que dialogar sobre carreira é conversar sobre interesses do indivíduo e ajudá-lo a realizar seu projeto.

A segunda parte do desafio está no trabalho de educação sobre carreira. Ou seja, ajudar os indivíduos a assumirem o controle de sua vida profissional. Quanto mais cedo conversarmos sobre o protagonismo na carreira e a responsabilidade que não pode ser transferida, contribuiremos na formação de profissionais mais conscientes sobre seus temas de desenvolvimento e mais seguros de suas decisões.

O plano de carreira é do indivíduo e a organização ajudará a realizar esse projeto por meio de diálogos que procurem equilibrar o projeto empresarial e os interesses das pessoas.

Estamos obsoletos na forma de discutir carreira nas empresas

Discutimos as mudanças nos negócios, mas nossas estruturas internas e os modelos para desenvolver carreiras são arcaicos”. Veja o que Rafael Souto, CEO da Produtive, fala sobre o tema para o jornal Valor Econômico.

Boa parte dos executivos tem tido a missão de transformar os negócios das empresas a fim de conduzir o processo dessa mudança para competir em um mundo em acelerada evolução. As informações que temos à disposição são muitas e das mais variadas, que comprovam a necessidade de se transformar rapidamente ou assumir o fracasso.

No entanto, temos de pensar na conexão dessa agenda de transformação do negócio com a necessidade de mudar as estruturas de trabalho e a forma de discutir o desenvolvimento de carreira nas organizações.

Em geral, as pautas de negócios propõem a discussão sobre impacto da tecnologia, robotização, inovação, novos ecossistemas de trabalho entre as empresas e uma imensa lista de impactos positivos e de riscos nessa corrida evolutiva.

Mas, a maioria das estruturas de trabalho está vencida. Ainda pensamos a carreira nos modelos tradicionais do século passado. Discutimos as mudanças nos negócios, mas nossas estruturas internas e os modelos para desenvolver carreiras são arcaicos.

O primeiro desafio parece ser a mudança de modelo mental dos profissionais em relação à responsabilidade sobre a carreira. Isso porque ainda existe um grupo significativo de pessoas que transfere essa responsabilidade para a empresa, espera ansiosamente por um plano de crescimento oferecido pela organização, reclama com voracidade do gestor e do time de recursos humanos que não sabem seu rumo na empresa, e funciona como consumidores organizacionais esperando que o produto seja entregue.

As pesquisas de clima de diversas empresas mostram que o plano de carreira oferecido está no topo das expectativas dos profissionais. Em recente estudo global do Gartner, esse item apareceu como principal demanda para 52% dos entrevistados.

Isso revela que o modelo mental sobre carreira está contaminado por visões antigas de uma época de empregos de longo prazo, carreiras geridas pela empresa e enormes estruturas hierárquicas em que as pessoas iam sendo guiadas em planos pré-definidos pela organização.

Na carona desse problema temos gestores formados nos modelos de gestão autocráticas, cercados por organogramas rígidos e pouco abertos ao diálogo. São convictos que nos modelos de comando e controle terão sucesso. Sentem-se ameaçados pela mudança e não acreditam em protagonismo das suas equipes. Ao contrário, repelem a autonomia do indivíduo.

Junte-se a isso as estruturas de trabalho baseadas em modelos piramidais de cargos, organizadas de forma linear, que funcionavam bem em uma  época distante quando havia abundância de estruturas, baixo uso de tecnologia e ambientes com pouca competição. A necessidade de constante revisão de estruturas e redução de níveis fizeram com que os modelos de plano de carreira sucumbissem. Além disso, são modelos baseados em cargos e atividades que pouco permitem que os indivíduos entreguem o real potencial de suas contribuições.

As empresas mais avançadas neste tema vêm construindo suas estruturas em modelos híbridos. Isso não quer dizer que a versão tradicional irá desaparecer, mas segue oxigenada por modelos que permitem que as pessoas fluam na organização. Esses modelos flexíveis são chamados de “hubs”, “squads” ou times de projeto. São desenhos de atividades baseadas nas necessidades da organização e na capacidade de contribuição dos indivíduos.

Do ponto de vista do profissional, precisamos trabalhar na mudança no modelo mental, incentivando a responsabilidade pela própria carreira, reforçando o protagonismo e dando clareza que o plano de carreira da empresa não existe mais. O objetivo da empresa é apoiar o colaborador a se desenvolver e estar pronto para as possibilidades que surgirem.

Com líderes, precisamos prepará-los para dialogar com seus times. Buscar compreender e apoiar o desenvolvimento de seus colaboradores. O novo mundo do trabalho exige essa permanente proximidade com as equipes. Um diálogo aberto, constante e construtivista. Mais do qua avaliar desempenho, precisamos conversar sobre carreira.