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“Elon Musk dá uma aula sobre como não se deve demitir”, diz especialista

Consultor e especialista em outplacement diz que caso segue a lógica de liderança ‘comando e controle’ e vai na contramão do que mercado discute sobre demissões mais responsáveis

Ontem, o Twitter sinalizou aos funcionários de todo o mundo que uma parte da equipe seria demitida. Informações divulgadas na imprensa internacional indicam que o plano é eliminar até 3,7 mil empregos – metade da força de trabalho da empresa. As pessoas saberiam se ficariam, ou não, na empresa, se recebessem uma mensagem em suas contas de e-mail pessoais. Na madrugada desta sexta-feira, parte dos 150 funcionários da subsidiária brasileira do Twitter tiveram seus computadores de trabalho bloqueados e receberam um e-mail em suas contas pessoais informando que seus cargos não eram mais necessários, informou o Valor.

Para Rafael Souto, CEO da consultoria Produtive, especialista em outplacement, o movimento de demissões segue uma lógica de ‘tudo que não se deve fazer’. “Estamos vendo todos uma aula de como não demitir”. Ele afirma que nesta manhã vem escutando ‘cenas lamentáveis’ de profissionais sendo demitidos sem critério e de áreas inteiras que vão parar. “É um show de horrores e vai na contramão de tudo que o mercado, no Brasil e no mundo, vem discutindo nos últimos quinze anos sobre demissões mais responsáveis, sobre maior foco em outplacement, sobre o fato de que tão importante quanto contratar e desenvolver, é cuidar do ciclo de offboarding [saída] das pessoas”.

As demissões ocorrem cerca de uma semana depois de o empresário Elon Musk ter assumido a empresa. Desde então, ele já demitiu líderes que ajudaram o Twitter a crescer, sinalizou que pretende passar a cobrar pela verificação das contas das plataformas, dissolveu o conselho da empresa e vem fazendo enquetes em sua conta pessoal na rede social para testar a popularidade de possíveis mudanças na forma de a empresa prestar serviços.

Para Souto, Musk lembra de certa forma o CEO da Better, Vishal Garg, que demitiu cerca de 1000 funcionários pelo Zoom no início deste ano. “É a mesma tônica. E eu entendo que desligamentos podem e devem ser feitos como estratégia de negócio, que uma nova gestão pode querer mudar a estrutura. Mas o grande erro é como tudo está sendo feito”. Para Souto, a decisão segue a lógica de liderança de ‘comando e controle’, que vem sendo extremamente criticada nos últimos anos – principalmente pós-impacto da pandemia.

 

 

Demissões em massa expõem problema antigo: líderes não sabem demitir

O colunista Rafael Souto ressalta que as empresas deveriam olhar com mais cuidado o processo de demissão dos funcionários – e explica o porquê.

O desligamento de funcionários é um tema difícil de ser tratado nas empresas.

Ao longo dos anos ficou em segundo plano. O foco está nas contratações e no desenvolvimento de funcionários. A saída sempre foi tratada como tema menos relevante na agenda organizacional.

No entanto, nos últimos meses o assunto vem ganhando destaque em função da onda de demissões nas startups. Pressionadas por resultados e com menos dinheiro disponível, muitas iniciantes do setor de tecnologia precisaram apertar os cintos e cortar pessoas.

As demissões em massa e mal conduzidas expuseram um problema antigo: líderes não sabem conduzir desligamentos.

O caso Vishal Greg, CEO da startup de serviços financeiros Better, que demitiu 900 pessoas online em uma videoconferência, expôs a brutalidade de processo de saída mal planejado e terrivelmente conduzido.

Numa fala irônica Vishal disse: “se você está nessa reunião, não tenho boas notícias”. Num tom prepotente encerrou o contrato de trabalho. O episódio viralizou na internet e colocou o tema em evidência.

O emblemático caso das demissões na Better é um extrato do que acontece no dia a dia das empresas.

A consultoria Produtive, especializada em carreira, concluiu uma recente pesquisa sobre a saída de pessoas das organizações. O chamado ciclo de offboarding.

Foram mais de 400 entrevistados que trabalharam em empresas de diversos setores.  Os dados mostraram que as demissões seguem sendo um ponto crítico. 60% dos demitidos perceberam que seu gestor não estava preparado para realizar o desligamento. 58% dos gestores não sabiam explicar o motivo da demissão e não tinham informações claras sobre os próximos passos.

62% dos demitidos foram surpreendidos pela demissão. Ou seja, não tinham feedbacks anteriores ou sinalização do desligamento.

Em relação a segurança psicológica também os dados não foram positivos, 45% dos profissionais desligados não sentiram sequer espaço para obter mais informações e entender a demissão.

A demissão faz parte da vida corporativa, mas a forma de fazê-la é que define a percepção de quem sai da empresa. Para 56% das pessoas, a forma de demitir foi mais impactante do que o ato em si. Entendem que poderiam sair, mas a forma com que a demissão foi conduzida foi o que marcou a experiência.

Esses dados chamam a atenção porque expõem o quanto esse tema precisa ser aprofundado.

Na pauta das empresas contemporâneas vem se discutindo como melhorar o clima interno. A saída das pessoas é fundamental porque mostra para aqueles que ficam como as pessoas são tratadas quando a relação de trabalho se encerra. Mostra a cultura da empresa para tratar uma questão crucial. Não faz sentido contratar bem e demitir de qualquer forma.

A demissão também tem íntima relação com a agenda ESG (sigla em inglês para as preocupações com meio ambiente, sociedade e governança). Na pauta do envolvimento social da empresa, a demissão é uma ação de alto impacto na comunidade.

Além disso, a forma e as percepções do demitido irão determinar muito sobre a marca empregadora nas redes sociais e sites de avaliações sobre empresas. Isso afeta diretamente a atratividade para contratar.

O desafio está em tratar o desligamento como um processo. Investir tempo no treinamento dos líderes. Quem demite também sofre e precisa ser preparado. É preciso falar sobre o tema e tratar as dificuldades. Pensar num processo responsável e que seja estruturado. Organizar o dia do desligamento para que seja feito de forma individual e com os passos bem definidos.

A condução do desligamento deve dar transparência do que está acontecendo e o porquê da saída. Também é fundamental ouvir o desligado, não com a intenção de rever a decisão, mas sim ser empático aos sentimentos envolvidos. E por fim, dar clareza e organização sobre os passos seguintes à comunicação.

Demitir de forma empática e responsável requer tempo, planejamento e medidas objetivas de apoio para o fechamento do ciclo. As entrevistas de desligamentos são uma boa forma de ouvir os demitidos e compreender oportunidades de melhoria. Na prática, ainda são mero protocolo e pouco levadas a sério.

Um longo caminho segue aberto. O fato é que os danos gerados por demissões mal conduzidas são relevantes e construir uma marca forte passa pelo cuidado com aqueles que contribuíram na organização.