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Por que as demissões são tão mal feitas?

A saída atabalhoada em razão de uma demissão mal feita danifica a reputação das empresas, gera custos financeiros, perda de produtividade na equipe, impacto na cultura organizacional e riscos legais. É importante que as organizações comecem a discutir abertamente sobre o tema da demissão implementando processos justos e transparentes para gerenciá-los e minimizar esses efeitos negativos.

A demissão é por natureza uma atividade difícil e complexa para qualquer líder. Isso porque são vários os afetados em um desligamento: o colaborador demitido, sua família, a comunidade, os pares na organização e, por fim, o líder responsável por comunicar a demissão e acompanhar o processo.

É claro que a dor que um líder sente ao demitir um colaborador varia dependendo da situação da demissão, da relação com o colaborador e das circunstâncias que levaram à decisão.  Mas o ponto aqui é verificar que em um ambiente de múltiplos impactados, o sofrimento do demissor é muitas vezes invisibilizado. A sensação é a de que o tema demissão é um tabu, como se houvesse um consenso organizacional de que o assunto deva ser evitado.

É preciso colocar o sofrimento do demissor em pauta. Encarar esse tema desagradável e desconfortável pode ser o primeiro passo para melhorar os procedimentos de demissão e, quem sabe, criar processos mais maduros de gestão da saída, com a implementação de um ciclo de offboarding na organização.

O treinamento de líderes dentro de um programa de demissão responsável e humanizada deve ser parte do ciclo de saída. Quem demite também sofre e precisa estar preparado para que o processo se dê de forma empática e respeitosa com todos os envolvidos.

Uma pesquisa realizada pela Produtive em 2022, com mais de 400 profissionais desligados, indicou que 60% dos líderes não estavam preparados para aquele momento.  Mais da metade dos entrevistados relatou que o líder não soube sequer explicar com clareza o motivo da demissão.

Ainda que não tenha sido responsável pela decisão do desligamento, o líder direto do demitido deve capitanear o processo de demissão. A condução não deve ser “terceirizada” para o RH ou as lideranças nas instâncias superiores.

O mesmo regramento e treinamento que se dá para as questões que envolvem a contratação de novos colaboradores deve ser estendido à saída. Assim como existem rituais e técnica para contratar, existem rituais e técnica para desligar. Mas o que se vê ainda é o foco exclusivo em processos de contratação deixando a discussão sobre a qualidade e maturidade do ciclo de saída em segundo plano. Se a gente parar para pensar são pouquíssimas as empresas que tratam o tema de maneira frontal, a demissão é sempre um tópico periférico e, via de regra, desconectado das ações de employee experience (EX),

O investimento na experiência do funcionário tem sido um tema crítico para o sucesso das organizações. Empresas fortes em EX são mais atrativas, produtivas e inovadoras. Estudo já divulgado pela Harvard Business Review mostra que as organizações que mais investem em EX foram incluídas 28 vezes mais entre as Empresas Mais Inovadoras da Fast Company, 11,5 vezes mais nas Melhores Empresas para Trabalhar do Glassdoor.

A experiência do funcionário é a soma de todos os processos e vivências ao longo da jornada na organização: da entrada à saída. Investir em EX é pensar o engajamento sob a ótica de longo prazo, olhando para também para a experiência de fechamento de ciclo de todos os envolvidos no desligamento.

“Demissão é um assunto tabu: quase 70% dos gestores não estão preparados para demitir alguém”, revela consultor

Um breve passeio pelas redes sociais, especialmente pelo Linkedin, já é suficiente para perceber a quantidade de profissionais que foram demitidos recentemente – e se ressentem pela forma descuidada com que este desligamento foi feito. As demissões em massa, com destaque para as protagonizadas pelas Big Techs, permearam o noticiário no início de 2023 e revelaram que o processo nem sempre atendeu ao chamado S do ESG.

“Um dos mais fortes impactos que uma empresa pode ter na sociedade é a demissão de um funcionário. Ela afeta tudo: desde o demitido propriamente dito até todo o ecossistema que ele envolve: sua família, o bairro, o comércio local, a cidade, a reputação da empresa, até mesmo a receita tributária de uma região. Portanto, se gera impacto, deve estar na agenda ESG”, explicou Rafael Souto, CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado, consultoria que já acompanhou 17 mil demissões desde 1995.

Entre maio e julho de 2022, a Produtive elaborou uma pesquisa com 417 profissionais sobre sua experiência com a demissão. Os números são preocupantes: 61,4% dos demitidos foram surpreendidos pela notícia do desligamento, o que demonstra que não houve nenhuma preparação prévia; 35,7% alegou falta de clareza do gestor neste momento; quase 70% dos líderes não sabem demitir, ou seja, não estão preparados para a função; 46% dos demitidos relatam ter ficado magoados com a forma como o desligamento foi feito.

“A responsabilidade da empresa está na forma como ela conduz o processo e não na demissão em si. Esta condução começa muito antes do dia do offboarding. Deve-se iniciar preparando o gestor, pois quem demite sofre para fazer isso – o líder não pode ser jogado aos leões. O RH também deve ser preparado para oferecer bom pacote de benefícios ou ajuda ao demitido. Não se trata de um evento isolado e sim de um processo”, observou.

ATITUDES QUE MUDAM A PERCEPÇÃO DA EMPRESA

A forma como um profissional é tratado no momento do seu desligamento muda o olhar que ele tem sobre a empresa – e também dos colaboradores que ficaram. Segundo Souto, é importante que as empresas entendam que são responsáveis por seus profissionais desde o momento do recrutamento, passando pelo treinamento, desenvolvimento, até o momento do offboarding, ou seja, a finalização da experiência do profissional com a marca.

“Se vou demitir tenho que ter responsabilidade para fazer isso e terminar este ciclo de maneira saudável. Não se trata de relativizar a demissão, e sim de fazê-la de maneira profissional. Assim como gasto energia para contratar, tenho que colocar a mesma energia para demitir. É preciso organizar uma política interna de demissão responsável quando não houver demissão, preparar uma estrutura – e não fazer tudo em cima da hora”.

Souto lembra da importância de um bom relacionamento – ainda que chegue ao fim – com a marca. “Demitir com responsabilidade afeta a reputação de uma marca. Se o profissional se sentir acolhido, ele jamais será um detrator – caso contrário, ele vai ferir esta reputação e vai acabar afastando novos talentos, que não vão querer trabalhar na empresa”, disse.

O consultor lembrou ainda que a demissão responsável é uma atitude engajamento não apenas com quem sai, mas também com os funcionários que ficaram.

“Como vou me motivar a trabalhar nesta empresa que tratou tão mal um colega no desligamento? Os que ficam sentem a dor dos colegas, falam nas redes. Portanto, a responsabilidade impacta todos os stakeholders. O tema é estratégico pois o impacto vem em avalanche”.

NetZero pediu dicas pontuais de Souto para organizações que estão passando por este momento – ou que um dia vão passar. Veja a seguir:

O “SIM” E O “NÃO” DA DEMISSÃO RESPONSÁVEL
SIM:
Planeje o processo do desligamento com antecedência. Saiba qual o seu orçamento, qual será o impacto destas demissões.
Invista na preparação dos líderes envolvidos. Quem serão os gestores que farão as demissões? Eles precisam ser treinados com cuidado.
Pense numa política de benefícios para propor ao demitido (se não houver recursos, como plano de saúde estendido, por exemplo, pode ser serviços simples, como oferecer modelos de currículos, indicações para vagas etc)
Trate esta pessoa como você gostaria de ser tratado. Ela é uma formadora de opinião, uma consumidora em potencial e pode vir a trabalhar para você novamente.
NÃO:
Não faça demissões coletivas, prefira conversas individuais e personalizadas.
Não seja rápido: trate o profissional com respeito, deixe que ele saia da empresa com calma, em seu tempo, que ele se despeça dos amigos, que fale o que precisar.
Não demita a pessoa sem uma pesquisa prévia: muitas são demitidas no dia do aniversário, do falecimento de um parente, durante a gravidez, ou mesmo quando estão impedidas legalmente de serem desligadas. Avalie bem para não cometer gafes.
Evite demissões em datas festivas, como Natal, ou sextas-feiras à tarde, quando a pessoa ficará dias desamparada, sem o apoio da organização.

Layoff: entenda como o RH deve agir durante os processos de demissão

Em um momento em que a preocupação com layoffs ganha cada vez mais destaque na imprensa e funcionários do mundo todo ficam apreensivos com as demissões, não é demais dizer que a pressão sobre o departamento de recursos humanos cresce junto.

Se as demissões em massa são inevitáveis, o foco de quem cuida de pessoas nas organizações se amplia. Além do offboarding em si, é necessário pensar em como apoiar os ex-colaboradores a encontrarem uma recolocação no mercado, ou seja, investir também em um plano efetivo de outplacement.

A conduta da corporação com quem vai e com quem permanece em seu quadro será determinante para seu sucesso futuro, diz Emanuella Velez, consultora de RH e top voice Linkedin. “Ao demitir, é preciso tratar com respeito. Caso contrário, haverá impacto em outros aspectos, como atração e retenção de talentos em seus times”, avalia.

O que é layoff?

Se originalmente, a tradução de layoff está relacionada à suspensão de funcionários por alguns meses, com salários reduzidos ou até mesmo sem remuneração, o termo vem sendo empregado quando se trata da prática de demissões em massa nas empresas.

Na forma mais usada atualmente, layoff engloba todo o processo: estratégia de comunicação, etapas de desligamento, processo burocrático do desligamento; recolhimento de equipamentos, pagamento de rescisão e suporte por período determinado para encontrar uma recolocação no mercado, também conhecido como outplacement.

Desde 2020, ondas de layoff vêm crescendo em um setor raramente associado a crises, como o de tecnologia. A partir do começo da pandemia, quando a digitalização do trabalho tomou mais corpo, 1.388 companhias de tech praticaram cortes. De março de 2020 até agora, 233.483 pessoas, no mundo inteiro, saíram nessas demissões, segundo dados do site Layoffs.

Comunicação é fundamental

Ainda é muito comum nas empresas informações sobre crises ficarem restritas a líderes, sendo repassada de forma truncada aos funcionários. Segundo Emanuella, se as resoluções não chegam a todos, os colaboradores vão sendo impactados de forma velada e sentindo o clima mudar instintivamente. “Muitas vezes nem vai haver um layoff, mas uma mudança de estratégia. Porém, o estrago já foi feito”, explica a especialista.

Ao primeiro sinal de crise, a comunicação clara é fundamental para a equipe não desanimar. “Sempre que houver qualquer mudança, o RH deve atuar com os líderes na criação de estratégias que visem a transparência.

Desenhar um plano de ação, destacar os impactos do que está por vir. Se o gestor comunica o que está acontecendo, colocando-se à disposição para tirar dúvidas, evitará que se instale a ‘rádio peão’. Uma informação errada pode estragar todo o processo”, diz Emanuella. Comunicação  é fundamental para criar um layoff estratégico e sem traumas.

O desafio do layoff no trabalho remoto

Com tantas empresas atuando em regime flexíveis, como híbrido e home office, demissões têm sido um novo desafio: como manter a proximidade, a empatia e a escuta ativa quando boa parte dos colaboradores trabalha à distância – até mesmo em outras cidades?

Para Rafael Souto, CEO da Produtive, a perda de qualidade da comunicação neste modelo é inevitável, pois é impossível perceber os sinais emocionais da reação do colaborador, mas não há justificativa para encurtar o processo de demissão.

“Muitos líderes consideram que, por ser remoto, o desligamento pode ser feito de maneira mais rápida. Mas, não. A única diferença será o meio de comunicação. Deve acontecer em uma videochamada, para que o líder veja o colaborador e o colaborador veja o líder.”

E se for preciso fazer uma demissão em massa virtualmente? Os cuidados com o planejamento e a comunicação devem ser redobrados para minimizar o mal-estar geral, diz Emanuella. “Com a tecnologia, as pessoas tendem a simplificar demais. Mas não basta disparar um e-mail anunciando o ocorrido”, analisa.

Vale lembrar também que um corte em massa não deixa de ser um processo individual. “Pode haver inicialmente uma conferência virtual com todos os funcionários para explicar o momento que a empresa vive e que infelizmente alguns desligamentos terão de acontecer por tais e tais motivos, ainda assim é preciso depois conversar individualmente com cada um que vai sair. É fundamental explicar o motivo da saída sempre”, afirma Christine Da Silva-Schröeder, professora da área de gestão de pessoas da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e top voice no Linkedin.

Separamos abaixo dicas dos especialistas de como a área de gestão de pessoas pode criar um processo de desligamento transparente e seguro para empresa e colaboradores:

Dicas para um layoff estratégico:

  1. Incluir gestores para traçar o plano mais adequado para cada equipe;
  2. Criar estratégia com os gestores para offboarding, logoff e outplacement;
  3. Reunir todas as informações que serão comunicadas a todos os funcionários;
  4. Comunicar toda a empresa de forma transparente e objetiva;
  5. Treinar gestores para comunicarem especificamente as equipes afetadas;
  6. Gestores e RH devem em conjunto demitir individualmente cada colaborador, em uma conversa acolhedora e respeitosa. E apresentar o motivo do desligamento de forma honesta e transparente, tendo ou não relação com a performance;
  7. Ser empático, ouvir e responder a todas as dúvidas e dores de quem está sendo desligado;
  8. Explicar de forma detalhada os próximos passos que virão;
  9. Dar tempo para o demitido processar a notícia, organizar seus arquivos no computador, se despedir dos colegas e coletar seus pertences;
  10. Acompanhar o processo de desligamento até a saída do funcionário da empresa;
  11. Colocar-se à disposição mesmo depois do desligamento;
  12. Colocar-se à disposição também dos colaboradores que permanecem para esclarecer quaisquer dúvidas;
  13. Reestruturar os times afetados para que quem ficou não seja sobrecarregado ao acumular funções.

O que é outplacement

A responsabilidade de uma empresa para com seu ex-colaborador não termina com o processo de offboarding baixa na carteira de trabalho, assinatura de encerramento de contrato, pagamento de rescisão e demais obrigações legais.

Pensando no aspecto social (o S do ESG), dar suporte financeiro, técnico e emocional ao colaborador que acaba de sair se tornou parte do processo chamado outplacement e é mais uma etapa dentro de um layoff estratégico.

Estender plano de saúde, auxílio creche e vale alimentação; disponibilizar a equipe de RH para montar currículos competitivos e simular entrevistas de emprego como forma de treinamento são algumas das práticas mais comuns.

“Acredito que a corporação deve também acolher esses seus ex-profissionais, criando grupos de apoio, entrando em contato com seus fornecedores e parceiros para recomendá-los para vagas. São ações de menor custo, mas maior impacto”, pontua Christine Da Silva-Schröeder, professora de gestão de pessoas.

Layoff e burnout

Para Rafael Souto, CEO da Produtive e especialista em carreiras, durante uma recessão, o RH deve redobrar a atenção e monitorar o clima organizacional para intervir se necessário.

“O cuidado com a saúde física e mental é uma responsabilidade da organização, e é preciso que a empresa atue para a criação de um ambiente com segurança psicológica, em que as pessoas se sintam confortáveis para dizer o que pensam e o como se sentem em relação ao dia a dia de trabalho”, explica Souto.

Condição especificamente associada ao trabalho, o burnout deve ser combatido com uma estratégia que envolva toda a empresa, afirma Christine. “Quem fica na empresa após o layoff pode passar a trabalhar por três. Para evitar isso, a empresa deve melhorar seus processos, rever fluxos e ser mais eficiente, evitando sobrecarga, insegurança e pressão.”

A cultura de aprendizagem é condição para sustentabilidade de empresas e carreiras

O apelo ao aprendizado contínuo nunca foi tão urgente para a sustentabilidade das carreiras. Se a transformação digital passou a redefinir ou extinguir profissões, exigindo a revisão e o aprimoramento constantes de habilidades, a mudança ganhou velocidade com a incerteza escancarada da pandemia.

Mais de um terço das habilidades consideradas importantes na força de trabalho atual terão mudado até 2025, segundo relatório do Fórum Econômico Mundial. Por isso, aprendizado ativo e estratégias de aprendizagem perdem apenas para pensamento analítico e inovação no ranking das habilidades mais demandadas nos próximos três anos.

Cada vez mais negócios bem-sucedidos são conduzidos por pessoas capazes de aprender mais e mais rápido. A flexibilidade para rever conceitos, desaprender e assimilar novas metodologias e informações proporciona a rapidez necessária à alta performance empresarial.

Agilidade nas respostas aos novos desafios é vantagem competitiva em ambientes voláteis como os enfrentados pela maioria das organizações. Dentro desse contexto, o que vemos é a necessidade de um repertório de habilidades comportamentais e de uma cultura capaz de fomentar a capacidade de aprendizado contínuo nos indivíduos ou lifelong learning

A capacidade de estar sempre aprendendo depende de um estado de espírito aprendiz. Em artigo para a consultoria Mc Kinsey, Lisa Christensen, Jake Gittleson, and Matt Smith classificaram “aprendizado intencional” como a mais fundamental das habilidades. Essa meta-habilidade, uma competência de desenvolvimento de outras habilidades, é treinável. É como se as pessoas com essa habilidade estivessem sempre no “modo aprendiz”, tirando lições práticas e conceituais de situações formais de aprendizado e também de interações e atividades do cotidiano.

Segundo os pesquisadores, o aprendizado intencional é alimentado pela curiosidade e pelo chamado growth mindset.  A mentalidade de crescimento, na tradução em português, é definida pela pesquisadora da Universidade de Stanford Carol Dweck, autora do livro “Mindset: a Nova Psicologia do Sucesso”.  Pessoas que têm o growth mindset encaram desafios como aprendizados e acreditam em seu potencial de evolução e aprendizagem. É oposta à mentalidade fixa – fixed mindset, em inglês – presente em indivíduos que consideram suas habilidades inatas e fixas. Pessoas assim não acreditam na sua capacidade de aprender. Mas, para avançar na carreira, deveriam ter mais autoconfiança em seu potencial de aprendizagem.

As organizações podem ajudar seus colaboradores a desenvolverem o mindset de crescimento, a curiosidade e, consequentemente, aprendizado intencional e contínuo. Empresas com uma cultura de aprendizagem são terreno fértil para o florescimento destas habilidades.

O diálogo frequente entre líderes e liderados sobre desenvolvimento e carreira faz parte dessa cultura propícia a novos aprendizados e à inovação. Os líderes também devem se certificar de que o ambiente de trabalho ofereça segurança psicológica para as pessoas se sentirem confortáveis em se manifestar, errar, aprender e discordar. No livro “Fearless Organization” (Organização Sem Medo, na tradução para o português) Amy Edmondson, professora da Universidade de Harvard, aprofunda a questão da segurança psicológica como base da inovação, por exemplo.

A atitude do líder é sempre fundamental tanto para garantir a segurança psicológica como para estimular o aprendizado contínuo. Liderar pelo exemplo estimulando que seus liderados façam perguntas faz uma baita diferença. E é fato que líderes com flexibilidade, disposição para rever conceitos, abertura a novas ideias e que valorizam aprendizado e curiosidade costumam montar equipes com essas caraterísticas.

Dentro de uma cultura de aprendizagem, aqueles executivos que se consideram experts absolutos encastelados em seus feudos corporativos perdem espaço para quem investe tempo significativo em autodesenvolvimento.  A aprendizagem formal e informal deve estar na agenda dos indivíduos da base ao topo.

O que é a demissão responsável e como implementar esse processo

O escritor norte-americano David J. Schwartz defendia que a prova de liderança residia na maneira de demitir um colaborador. Hoje em dia esse conceito se expandiu e uma das provas da esperada responsabilidade social de uma organização está na maneira como ela trata e conduz seus processos de demissão e de reestruturação.

Dentro da agenda de responsabilidade de uma organização, sintetizada pela letra S de Social na sigla ESG, deve estar a continuidade de carreira das pessoas. E a dor de ser demitido é massiva na trajetória profissional de um indivíduo. Uma pesquisa realizada pela Produtive indica que mais da metade dos demitidos (56%) relatam um grande impacto na demissão e dizem ainda que a forma como foram desligados foi o fator mais marcante da experiência.

Profissionais que se sentem desvalorizados em demissões mal conduzidas se tornam detratores de uma marca nas redes sociais e em seus círculos de amigos e familiares. Demitir é justamente uma das tarefas mais complexas para um líder muito por conta dos seus múltiplos impactos. Além do demitido, seus familiares, os colaboradores que permanecem na organização, o líder que demitiu e o ecossistema em que o negócio está inserido são afetados pelo desligamento.

Uma das formas de reduzir esse impacto é tratar a demissão como um processo e, não, como um evento isolado. Empresas que estruturam um ciclo de offboarding conseguem reduzir os efeitos negativos. Cuidar da saída das pessoas é uma tarefa contemporânea fundamental a todos os gestores preocupados com a reputação de uma empresa enquanto marca empregadora.

A organização de um processo de offboarding passa pela organização dos documentos, treinamento dos demissores para uma demissão e também pela definição de uma política de benefícios de apoio a recolocação. Os líderes de uma organização precisam ser treinados para demitir de forma empática. Um desligamento responsável é feito por etapas. Elenco as seis principais:

Preparação. A primeira etapa começa antes do dia da demissão e é a preparação da reunião. O líder incumbido da tarefa deve reunir todas as informações e dados sobre a demissão que serão transmitidas ao colaborador ao longo da reunião. Preparar a reunião exige método, tempo e dedicação. A demissão bem estruturada dá tranquilidade para quem demite e para quem está sendo demitido ao perceber que o líder dará apoio ao longo do processo.

Comunicar a demissão. O desligamento deve ser comunicado de forma objetiva e clara logo no início da reunião. Um erro comum é o líder se alongar na introdução do assunto, dar voltas, perguntar da família, falar sobre a situação da economia brasileira, dar feedbacks, entre outros subterfúgios.  Discursos longos só aumentam a ansiedade das pessoas.

Dar o motivo. Vejo muitos líderes fugindo à responsabilidade da demissão e atribuindo a resolução às instâncias superiores da organização. Terceirizar a responsabilidade prejudica a imagem do líder pois retira a autoridade do gestor no processo. Ainda que seja uma reestruturação, o líder não deve deixar de enfatizar a sua tomada de decisão. Se for uma questão já discutida sobre a performance do profissional, é importante também retomar essa questão.  Por fim, o motivo deve ser dado ainda que a demissão seja desconectada de um feedback anterior.

Ouvir. Para toda ação há uma reação. A escuta ativa é fator importante para qualquer líder com a tarefa de demitir. Não é momento de confrontar e sim de dar espaço às considerações do colaborador que está deixando a organização, com respeito e empatia. Caso ele manifeste discordância o líder pode dizer que entende o que ele quer dizer, mas a decisão já foi tomada e é hora de seguir para a próxima etapa.

Estruturar a sequência.  Após ser informado da demissão e ouvido, o indivíduo precisa saber quais os próximos passos. Dar a clareza do que será feito a seguir diminui a ansiedade e o desconforto naturais em uma situação de desligamento. Essa sequência deve ser previamente combinada com a área de Recursos Humanos no momento da preparação. Nessa etapa, o líder também vai informar o demitido sobre os benefícios que ele vai receber.

Acompanhar o processo. A última etapa de um processo de demissão responsável é o monitoramento. É atribuição do líder se certificar de que a sequência estruturada da demissão está de fato ocorrendo. Entrega de documentos e dúvidas sobre o processo são exemplos do que deve ser monitorado. Essa atitude do líder mostra respeito e interesse e também um cuidado com a equipe que permanece na organização, já que o time todo é afetado pelo desligamento.

Estruturar esse caminho de saída é tão importante para a atração e retenção de talentos quando cuidar de quem chega na organização. As organizações e os líderes precisam demitir de forma empática e responsável.

Falta de perspectiva de carreira leva a demissão

O Brasil terminou 2021 com os maiores índices de pedidos de demissão das últimas décadas. E o mais relevante é que essa enxurrada de pedidos de demissão voluntária foi mais acentuada nos cargos com nível superior. Isso mostra que o risco de perda de profissionais qualificados está mais intenso.

O fenômeno que marca esse aumento de demissões foi chamado: a grande renúncia. Surgiu nos Estados Unidos no início dos anos 2000 e ganhou novo destaque em meados do ano passado quando os índices de pedidos de demissão dispararam. Mas lá, como na maioria das economias mais ricas, os pedidos de demissão permearam todos os níveis. Tiveram como origem uma profunda revisão dos interesses de carreira. Incentivadas a refletir na pandemia, muitas pessoas definiram um novo desenho de vida e decidiram mudar sua carreira.

No Brasil vivemos um paradoxo. De um lado mais de 12 milhões de desempregados. E do outro, um volume superior a 500 mil vagas abertas e que não são preenchidas por falta de profissionais. Isso expõe nosso enorme vazio de profissionais qualificados e também expõe que a grande renúncia brasileira se dá nos níveis mais especializados da força de trabalho. Esses profissionais estão sendo disputados e colocam as organizações num verdadeiro frenesi para entender os motivos de perda.

Os estudos sobre turnover voluntário de profissionais mostram há alguns anos que a perspectiva de crescimento na carreira é o fator central para os pedidos de demissão. Até aí nada de novo. Sabemos que a chamada força calculativa é um dos principais elementos que move os talentos. Funciona como um cálculo. Se a neblina interna é muito espessa e o profissional não vê perspectivas para se desenvolver, ele irá fazer um cálculo comparativo com as possibilidades fora da empresa. A oferta de mercado comparada às dúvidas na empresa atual é o fator chave para a decisão de troca.

O problema é que a força calculativa ganhou aditivos robustos com as recentes transformações nas relações de trabalho decorrentes da pandemia. O chamado WFA (do inglês trabalhar em qualquer lugar, working from anywhere) abriu possibilidades inimagináveis dois anos atrás. Hoje, para muitas carreiras existem opções para trabalhar em qualquer lugar do mundo sem que seja necessário sair de casa. Isso ampliou a competição global por profissionais.

A revisão dos interesses de vida também acentuou o olhar sobre outros formatos de contratos mais flexíveis e empreendedorismo.  Além disso, muitas organizações perderam a atratividade e não possuem uma jornada que desperte interesse para os profissionais do século XXI.

E os problemas não são poucos. O primeiro é uma ausência de clareza sobre como funciona o processo de desenvolvimento profissional. Segundo dados da consultoria GPTW, a perspectiva de carreira é o item de pior avaliação nas pesquisas de clima consolidadas entre as organizações brasileiras. Esclarecer qual é a filosofia de carreira e como a empresa trata o tema carreira é o primeiro passo para reduzir a força calculativa. O plano de carreira sequencial e previsível é peça de museu. É preciso dar clareza sobre como a carreira pode se desenvolver, reforçar o protagonismo e dar ferramentas para o crescimento.

Outro ponto chave é o papel da liderança. Gestores jurássicos ainda tratam funcionários como propriedade. Não conseguem realizar diálogos produtivos de carreira e bloqueiam a livre movimentação dos talentos. São impulsionadores esforçados para que os talentos migrem para outro lugar.

E por fim, as estruturas: organogramas arcaicos, pouca flexibilidade e um conjunto de regras que tornam qualquer talento refém de um sistema que não valoriza o potencial de contribuição. É focado em “caixas” e arquiteturas políticas com cheiro de naftalina.

Engajar talentos no mundo pós-pandemia exige uma urgente atualização do jeito de pensar a carreira, dialogar com os profissionais e organizar uma estrutura fluída. Sem mexer nisso, a equação de saída será cada vez mais forte e o cálculo penderá para a demissão.

 

Demissão humanizada? Entenda a nova tendência

Preocupação está relacionada à preservação da marca empregadora e atração de talentos.

As empresas gastaram tempo, esforços e recursos para melhorar a experiência de contratação, admissão e ingresso dos funcionários nos últimos anos, mas o processo de demissão e saída tradicionalmente é feito de forma protocolar. Esse olhar menos cuidadoso para a jornada de desligamento está mudando. “Falar de uma demissão mais humanizada e do ciclo de saída é um dos grandes temas de 2022, porque as empresas se deram conta que a forma como o funcionário é demitido ou deixa a companhia é importante para a reputação. Se a experiência for ruim, ele se torna detrator da marca e isso afasta a atração de talentos”, avalia Rafael Souto, CEO da consultoria Produtive.

Uma pesquisa da consultoria, feita com mais de 5 mil profissionais demitidos, indicou que para mais da metade o desligamento não foi bem conduzido. No LinkedIn, é fácil encontrar depoimentos de profissionais que passaram por um desligamento descrito como frio e desrespeitoso. “Há um ano, por meio de uma ligação de dois minutos e 33 segundos, fui informada do meu desligamento depois de oito anos de empresa. Estava no puerpério, com dois bebês. Retornei uma ligação perdida do chefe e fui informada que não precisa voltar”, afirmou uma coordenadora de marketing em um post que viralizou na semana passada. Ela conseguiu recolocação meses depois após a demissão, e disse ao Valor que é importante trazer o tema à tona, “porque os próprios comentários do post normalizaram essa situação”.

A pandemia jogou luz para o tema diante de processos de reestruturação, eliminação de vagas e da necessidade, com o isolamento, de promover demissões de forma remota. Conduzir esses processos de forma virtual e em massa rendeu manchetes. A demissão de 900 funcionários da empresa americana Better pelo Zoom foi considerada agressiva e desrespeitosa e o CEO Vishal Garg foi temporariamente afastado e precisou se explicar publicamente.

As consultorias de outplacement Produtive e Career Group viram um aumento de 30% nas demandas relacionadas a preparação de líderes para desligamento e programas de apoio para recolocação e transição de carreira em 2020 e 2021. Segundo Fabio Cassettari, sócio do Career Group, com a pandemia o foco de muitas empresas para uma demissão mais humanizaddeixou ser direcionado apenas para altos executivos e passou a abranger outros perfis de profissionais. Foi o que ocorreu com a startup MaxMilhas.

Em abril de 2020, diante da crise no setor aéreo provocada pela pandemia, com 90% de voos cancelados, a empresa precisou desligar, de modo remoto, 167 funcionários, de todas as áreas e níveis. Luiza Rubio, diretora de gente e gestão, disse que aquele foi um dos momentos mais difíceis de sua carreira. “A empresa estava crescendo, estávamos contratando, e precisamos demitir 40% do time de uma hora para outra.”

Para conduzir o processo de forma humanizada, ela disse que o RH preparou um “script” para alinhar a comunicação com os demitidos, capacitou a liderança rapidamente e definiu que todos receberiam a notícia ao mesmo tempo, para não gerar a sensação de “eu serei o próximo?”. “Além disso, o Max [Oliveira, CEO e fundador] fez uma live com todos da empresa contextualizando, explicando que não era performance, era mercado, e dizendo que iríamos ajudar todos que estavam saindo.”

A empresa ofereceu extensão de plano de saúde para muitos, o RH se disponibilizou a revisar currículos, mas a maior ação, segundo Rubia, foi a criação de uma planilha com o nome, experiência e funções dos 167 desligados. “Pedimos autorização para compartilhar em grupos de RH, e essa lista começou a rodar entre startups, em empresas de outras áreas e, quatro meses depois, metade deles já estavam recolocados.”

Ao longo de 2021, a startup se recuperou e hoje emprega 430 profissionais. “Nosso turnover hoje está baixíssimo, em 1,8%”, diz a diretora. De aprendizado, Rubia afirma que ficou claro que faz diferença uma liderança que dá contexto, se posiciona de forma clara e aberta.

A advogada Lorena Lage, especialista em direito para startups do Lage & Oliveira Advogados, diz que a procura por aconselhamento jurídico para realizar um desembarque humanizado cresceu na pandemia. O tempo médio para um processo que começou com uma demissão mal resolvida dura de dois a seis anos, diz Lage, embora não seja somente o risco de passivo trabalhista que move o novo foco das empresas no desligamento. “As startups estão muito preocupadas em atrair talentos e em não gerar profissionais detratando sua marca, e mesmo as empresas tradicionais, que costumavam separar verba para ajuizamento de ações de passivo trabalhista, têm percebido que é ruim para a reputação”, diz.

“Falar de demissão humanizada passou a ser quase que obrigatório atualmente”, diz Sheila Ceglio, diretora de recursos humanos da Pfizer no Brasil. A empresa já possuía dois guias de orientação para demissões, um voltado a gestores e outro para profissionais, com informações práticas para consulta e leitura após a comunicação. Na pandemia, diante da necessidade de fazer o desembarque de modo virtual, os guias foram ajustados. “Como RH, buscamos preparar os líderes, trabalhar bem a mensagem do desligamento.”

Essa mensagem, segundo Ceglio, precisa ser passada com atenção e com empatia. “Antes da comunicação de um desligamento, buscamos garantir a conversa de alinhamento entre o gestor que efetuará a comunicação e o parceiro de recursos humanos.” No caso de eliminação de posição ou reestruturação, a empresa oferece um pacote adicional de desligamento, que é composto por um valor financeiro mais a extensão prolongada de plano médico.

A Ativy, grupo de tecnologia com sete startups e 360 funcionários, também estendeu o plano de saúde por três meses aos funcionários que precisou demitir durante a pandemia. Ter empatia e humanizar uma demissão significa também, segundo Danielli Ramos, Chief Happiness Officer da empresa, pensar no dia e data que o processo será realizado. “Não demitimos em retorno de férias ou às sextas-feiras e, sempre que possível, optamos por fazer isso de forma presencial.”

A empresa também faz um “bate-papo de despedida”, para passar um feedback ao funcionário e, no caso de demissão voluntária, entender os motivos que levaram o profissional a deixar a empresa. “Percebemos que era importante aguardar um tempo para realizar essa conversa, porque o profissional já assimilou sua saída e pode trazer informações com mais calma e clareza”, diz Ramos. A entrevista de desligamento passou a ser realizada dez dias após a saída. “Uma vez descobrimos que uma pessoa ficou chateada por um problema que teve com um cliente e aí o nosso CEO foi conversar com ela e pediu desculpas.”

Para padronizar processos de desembarque, capacitar a liderança para esse momento e trabalhar melhor a gestão de indicadores sobre saídas e retenção, a Suzano criou há cerca de um ano a “Jornada Marcar”. “Hoje, temos uma empresa que ajuda a cruzar as informações de saída-para entender pontos de liderança, cultura e retenção. Com esses dados, começa a ter dados para alimentar outras jornadas do colaborador pois identificamos quais são as principais ‘dores’ da organização”, diz Argentino Oliveira, diretor de gente e gestão da companhia.

Até dezembro de 2021, 900 funcionários da fabricante de celulose, de todas as áreas de negócio, passaram pelo treinamento de “desembarque humanizado” na plataforma da Universidade Suzano. “A missão da jornada é ‘marcar’ o desembarque de maneira empática, transparente e justa, respeitando a individualidade e o momento de vida e de carreira de cada pessoa”, diz Oliveira. O executivo defende que é preciso dar o mesmo peso, em termos de investimento e cuidado, para a contratação, ingresso até o desligamento, e diz que tratar a saída de um funcionário não deve ser um tabu. “Faz parte da jornada de cada pessoa entrar, fazer suas contribuições, se desenvolver e, eventualmente, sair da companhia.”

Para Souto, da Produtive, esse olhar é crucial considerando que os ciclos de carreira estão mais curtos e as pessoas saem, mas também podem voltar. Nos Estados Unidos, repensar a experiência completa de saída ganha força porque a rotatividade de funcionários está aumentando. O tempo de permanência médio no emprego é de 4,1 anos e mais de 4 milhões de americanos pediram demissão em novembro, de acordo com o Bureau of Labor Statistics. Muitos jovens estão indo às redes sociais demonstrar sua insatisfação com o trabalho, as empresas ou o status de suas carreiras. Recentemente, no Tik Tok, vídeos com a hashtag #QuitMyJob (“eu me demito”) ganharam milhões de visualizações.

Demissão humanizada: por que é importante cuidar de quem deixa a empresa

A carreira é feita de ciclos, e debater esse processo faz parte da agenda de treinamento das empresas contemporâneas.

Construir uma marca empregadora forte é um dos temas estratégicos para as empresas contemporâneas. No Brasil, vivemos um terrível paradoxo. De um lado, taxas elevadas de desemprego e mais de 13 milhões de pessoas sem trabalho. Do outro, um déficit em torno de 450 mil vagas abertas que não são preenchidas por falta de pessoas qualificadas. Esse apagão amplia a complexidade para atrair e manter talentos. Portanto, construir uma marca que seja atraente e desejada é fator decisivo para o sucesso de um negócio.

Investir nas ferramentas de seleção, integração, desenvolvimento e construção da carreira estão no centro da experiência do colaborador. Essas estratégias são fundamentais para manter os profissionais engajados e reduzir o turnover. No entanto, o ciclo de saída não pode ser esquecido. O offboarding é um dos elementos que mais determina a construção da marca empregadora no mercado. A opinião daqueles que saem da empresa é fator-chave para impactar novos colaboradores.

Segundo dados do Glassdoor, a experiência de como foram tratados na saída é um fator decisivo para 65% dos profissionais quando avaliam uma empresa. E, para mais de 70% dos entrevistados, analisar as opiniões sobre como a companhia trata as saídas é um ponto importante para decidir trabalhar na empresa.

Em síntese, o fechamento do ciclo é estratégico. E, se mal estruturado, pode afastar talentos. Isso quer dizer que a reputação de uma organização no mercado passa pela forma como conclui os ciclos de trabalho.

Um estudo realizado pela Produtive, consultoria especializada em outplacement, mostrou que 56% dos desligados dizem que a maneira como o processo ocorreu e o jeito como foram tratados foram mais importantes do que a demissão em si.

Nessa linha, construir um ciclo de offboarding passa pela organização do processo de saída. Isso inclui preparar gestores sobre como demitir de maneira empática e humanizada. Além disso, é preciso saber receber um pedido de demissão sem tornar traumática a conversa.

A carreira é feita de ciclos e debater esse processo de forma natural e estruturada faz parte da agenda de treinamento das empresas contemporâneas. Ainda me lembro da minha experiência com uma montadora japonesa. Nela, todos os líderes eram treinados para demitir. Mas alguns diziam: não estamos em reestruturação? Por que falar disso? Com profunda sabedoria, o VP de RH repetia: todo líder precisa ser treinado para desligar pessoas.

O ciclo de offbording inclui a ideia de que a saída não é um evento isolado. Seja um pedido de demissão, seja a saída motivada pela empresa. É um processo que precisa de etapas, definição de estratégias de comunicação e planejamento.

A discussão de melhores práticas entre os líderes é um bom caminho para dar musculatura para esse processo. Afinal, alguém que sai de uma empresa pode se tornar um promotor ou um detrator da companhia. E isso vai depender da forma como foi tratado na saída.

 

Turnover: o que realmente está por trás dos pedidos de demissão?

Durante uma crise, a demissão de funcionários e a falta de investimento em desenvolvimento de pessoas são práticas comuns. Com o reaquecimento da economia, o jogo vira, e aí a falta de profissionais qualificados tende a ser um problema nas empresas. Em sua coluna para a Você RH, Rafael Souto, CEO da Produtive, mostra os fatores e as motivações das pessoas nos pedidos de encerramento de ciclos organizacionais.

Vivemos um paradoxo do desemprego elevado e da falta de profissionais qualificados. De um lado, mais de 14 milhões de desempregados. Do outro, um contingente enorme de posições que não são preenchidas por falta de qualificação. Esse universo de vagas abertas passa de 350.000, conforme dados recentes do IBGE.

Esse apagão de talentos força um jogo complexo de caça aos profissionais e será um teste forte para as empresas nos próximos anos. Fenômeno similar aconteceu em 2012 quando o Brasil retomou o crescimento após a crise global gerada pela implosão do sistema financeiro iniciado na fatídica quebra do banco norte-americano Brothers.

Foco na formação das pessoas

O primeiro conjunto de assuntos que merece reflexão é sobre a formação de pessoas. Diante dos cenários de crise, a primeira decisão é cortar funcionários, subtrair investimentos nas áreas de treinamentos e jogar o desenvolvimento das pessoas para o segundo plano. Isso aconteceu em 2020 como efeito da pandemia. Essa fragilização estrutural fica evidente quando a economia retoma sua força e as contratações aumentam.

A necessidade de contratar rápido e repor posições não é proporcional à capacidade de formar pessoas. O déficit de profissionais força uma luta por talentos.

A formação de pessoas é uma estratégia de longo prazo. Aqueles que demitem na crise são os primeiros a reclamar sobre a falta de pessoas quando a economia retoma. A gestão do ativo humano não pode ser feita com olhar de curto prazo.

Quais são as motivações reais para sair de uma empresa?

O segundo conjunto de temas para reflexão é sobre a cultura e gestão de equipes. Normalmente, quando o turnover aumenta, os gestores procuram culpar o indivíduo que pede demissão ou o mercado. Criam um conjunto de explicações que excluem a forma de gerir. As frases típicas são: “O salário lá era muito melhor”. “Ele está tomando uma decisão precipitada”. “O mercado está oferecendo condições muito melhores”. Precisamos criar mais cargos e dar aumento de salário para reter os profissionais”. “Vamos criar um bônus de retenção”.

Todas essas frases escondem problemas profundos e que precisam ser enfrentados.

Os dados mostram que o salário não é o fator preponderante para um pedido demissão e, quando ele é relevante, está associado a outros fatores ligados à gestão e à cultura da organização.

Um estudo, conduzido pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Carreira da Produtive, apontou que o fator preponderante para troca de empresa é a perspectiva de carreira e desenvolvimento: 46% dos entrevistados pediram demissão porque não viram mais possibilidade de se desenvolver. Líderes que fazem conversas sobre carreira e favorecem a livre movimentação de pessoas têm mais chance de engajar as pessoas e não de as perder para o mercado. Quando o indivíduo percebe que tem possibilidades de se movimentar e de se desenvolver, tem mais chances de permanecer.

Na outra direção, lideres jurássicos que soterram talentos por sua insegurança e incapacidade de trabalhar o desenvolvimento de pessoas empilham perdas e desengajam as pessoas. São gestores que colocam sua agenda pessoal acima da empresa e fazem a gestão das equipes pelo comando e controle. O mundo do trabalho mudou, muitas pessoas querem trabalhar seu desenho de vida e equilibrar os papéis que exercem. Não querem regras ditatoriais, querem discutir seu desenvolvimento e precisam de espaço para diálogos transparentes. Construir um ambiente com segurança psicológica para essas conversas é fundamental para o engajamento.

Uma pesquisa global da consultoria Gartner, apontou que 53% das pessoas pedem desligamento pela falta de perspectiva de seu desenvolvimento. E quando a pesquisa era feita com os mais talentosos, os que são considerados profissionais com melhor performance, os dados ultrapassavam os 60%.

As transformações da pandemia

O mundo do trabalho vem mudado de forma acentuada no século 21 e o ano de 2020 será um novo marcador histórico nessa transformação.

Com a possibilidade de “trabalhar em qualquer lugar” – e as discussões do life design vieram para ficar e irão impactar a lógica das contratações e a competição por talentos -, as empresas contemporâneas terão de ter gestores com a capacidade de dialogar sobre um novo contrato psicológico mais equilibrado e atraente para manter seus profissionais.

A pandemia enterrou de vez o modelo de comando e controle e inaugurou uma era em que as partes constroem juntos um novo formato, a dinâmica e as entregas. E para os que temem as mudanças e insistem nos velhos modelos, restarão as cansativas discussões sobre os motivos de perdas de talentos.

A grande renúncia e os novos desafios de engajamento

O home office permitiu uma nova lógica de vida que muitos experimentaram e não querem abandonar. O poder de escolha dos profissionais aumentou e, com isso, o índice de turnover está cada vez mais alto. A rejeição aos trabalhos que levam ao esgotamento mental é apenas um dos importantes motivos para os pedidos de demissão. Rafael Souto, CEO da Produtive, mostra os principais desafios que as empresas estão enfrentando para engajar talentos, em seu novo artigo para o Valor Econômico.

 

Costumo iniciar minhas palestras sobre carreira com uma linha do tempo em que explico as transformações nas relações entre organizações e indivíduos em três fases. Algumas pessoas já me perguntaram se, na breve história do século XXI, teríamos um novo capítulo. O ano de 2020 respondeu a essa questão e inaugurou uma nova era do mundo do trabalho. As mudanças impostas pela pandemia nos forçaram a construir alternativas para trabalhar. Isso fez com que muitas pessoas reavaliassem prioridades e seu desenho de vida.

O home office permitiu uma nova lógica de vida que muitas pessoas experimentaram e não querem abandonar. Um tempo mais próximo à família e a redução em deslocamentos entre casa e trabalho estão no topo das motivações que as pessoas têm para não voltarem ao escritório.

Fases de grande impacto na vida das pessoas costumam provocar reflexões profundas sobre propósito e prioridades. São momentos históricos em que movimentos em escala determinam novas tendências.

Com a retomada das atividades nos escritórios, começamos a observar um fenômeno descrito pelo pesquisador americano Antony Klotz como “a grande renúncia”. Em junho de 2021, houve um recorde histórico de pedidos de demissão nos Estados Unidos. Em um único mês, 2,7% da força de trabalho norte-americana pediu desligamento. Mesmo com níveis de desemprego em alta, esse dado demonstra o poder de escolha dos indivíduos. É um dramático alerta sobre as decisões de carreira que ganham cada vez mais força.

O fenômeno da grande renuncia está ganhando espaço no mundo todo. Os índices de turnover no Brasil estão mais altos. Em alguns setores já se observa um apagão de talentos. A soma de escassez de mão de obra qualificada e pedidos de demissão em alta torna a retomada do crescimento uma missão complexa.

Além da reavaliação dos modelos e a rejeição de retorno aos modelos tradicionais, muitas pessoas estão pedindo demissão porque não aceitam mais trabalhos que levam ao esgotamento mental. Como explicou Klotz em suas pesquisas, existe uma tênue balança entre capital e trabalho. As pessoas estão cada vez menos dispostas a comprometer sua saúde emocional por um trabalho, mesmo que bem remunerado.

A atleta Olímpica, Simone Biles, tomou uma decisão nessa linha. Ao abandonar a competição em Tóquio, ela disse que precisava cuidar de sua saúde mental. O que para muitos pareceu um ato egoísta e de dificuldade para lidar com a pressão, revela, na verdade, um novo mundo das relações profissionais.

O poder de escolha do indivíduo aumentou. E em especial nas novas gerações, a permissão para tomar decisões em prol de seu desenho de vida está cada vez maior. E isso traz novos desafios para as organizações.

A grande renúncia é um sinal de que as pessoas irão exigir novos modelos de trabalho. O colapso da lógica baseada na prioridade do interesse organizacional é a primeira questão a ser enfrentada. E não se trata apenas de definir quantos dias as pessoas ficarão no escritório ou em casa. O momento exige uma profunda reflexão que coloque o indivíduo no centro da discussão e permita reavaliar antigos modelos. As organizações precisarão enfrentar seus tabus e preconceitos. Criar um ambiente capaz de acolher os diversos interesses de carreira e permitir que as pessoas avaliem seus desenhos de vida são assuntos que devem estar cada vez mais na agenda das lideranças.

Para os que insistirem em achar que isso é uma frescura da nova geração, restará assistir seus talentos irem embora e buscar explicações para encobrir sua gestão perdida nos modelos do século passado.