A nova filosofia de carreira nas empresas deve permitir que as pessoas construam sua carreira de forma livre. Os indivíduos não são padronizáveis, e os líderes têm a missão de olhar individualmente para a carreira de seus funcionários e ajustar expectativas junto aos mesmos. É sobre este tema que Rafael Souto, CEO da Produtive, aborda no novo artigo para o Valor Econômico.
À medida que avançamos no século XXI, as transformações do mundo do trabalho estão mais evidentes e aceleradas. Os efeitos da pandemia da covid-19 nas relações entre indivíduos e organizações geraram profundas transformações. O “home office” fez com que muitos profissionais reavaliassem seu desenho de vida. A possibilidade de estarem mais tempo com a família e eliminarem o tempo perdido na logística para o escritório foi celebrado por muitos deles.
Esse “life design” é base para a carreira contemporânea. Nele, as pessoas fazem reflexões sobre o trabalho e seu contexto de vida de forma integrada. E, a partir daí, tomam decisões de carreira. Essa reflexão está além do modelo presencial ou à distância. Inclui decisões sobre “por que”, “para que” e “para quem”.
A nova lógica de pensar a evolução da carreira traz inúmeros desafios para atrair e reter talentos nas organizações. Nos faz refletir sobre a gestão de pessoas e os mecanismos para oferecer oportunidades. Os antigos modelos de gestão de pessoas baseados em uniformidade de políticas, comando e controle se tornam cada vez mais obsoletos.
Alguns estudos recentes apontam essas mudanças e nos mostram tendências importantes. Uma pesquisa, conduzida pela companhia JLL com 2000 funcionários ao redor do mundo, mostrou que 66% deles querem modelos híbridos de trabalho e escolherem a sua logística de acordo o momento de vida. Esses dados confirmam estudo similar conduzido por pesquisadores da Fundação Dom Cabral que revelam que mais de 50% dos entrevistados querem trabalhar duas ou três vezes por semana no escritório. Enquanto quase 20% querem ter a opção de escolherem o modelo conforme o momento e o projeto em que estiverem envolvidos. Quando avaliamos a escolha por gerações, existe uma grande variação de preferências. Ou seja, não existe mais um modelo que se encaixe para todos.
Nesse mundo do trabalho em que a individualização do projeto de carreira está cada vez mais desejada pelos profissionais, temos expressivos desafios a enfrentar. As empresas têm reforçado o discurso de protagonismo para os profissionais conduzirem sua trajetória. Porém, seus modelos de trabalho ainda não favorecem essa customização. A hierarquia, o comando e controle ainda são imperativos na forma de conduzir as carreiras.
Um levantamento recente da consultoria Gartner com mais de 2500 entrevistados mostrou que 78% dos funcionários dizem que não se sentem encorajados pela liderança para explorar oportunidades de movimentação na empresa. E não fazem isso por falta de confiança e medo de retaliação. Empresas com esses indicadores refletem modelos antigos em que o chefe decidia o futuro das pessoas.
Esse contexto amplia o abismo entre a caminhada das pessoas na forma de pensar sua carreira e a realidade das empresas. A nova filosofia de carreira nas empresas contemporâneas passa pela elaboração de um desenho que permita que as pessoas construam sua carreira de forma livre. Essa personalização passa pela revisão de processos, modelos flexíveis e disponibilidade em ceder. A negociação do melhor modelo será um desafio permanente entre líder e colaborador.
O consultor Jim Citrin citou, em recente livro sobre a gestão do trabalho remoto, que a revisão dos rituais e a flexibilidade para lidar com os diversos perfis e escolhas de vida vão ter um profundo impacto na nossa lógica antiga de padronização. Nesse novo jeito de pensar o desenvolvimento, os indivíduos não são padronizáveis e caberá aos gestores construir modelos que permitam a personalização da oferta de trabalho seja no formato de trabalho presencial, híbrido ou remoto. E também na oferta de benefícios e nos movimentos de carreira. A escuta ativa e a negociação serão a chave para atração e manutenção dos talentos na empresa.
Dar aumento de salários e mandar alguém discutir a carreira com a área de Recursos Humanos não são estratégias aceitável. Cada gestor terá a nobre e indelegável missão de construir um novo contrato psicológico em que as partes negociam e ajustam expectativas. Avaliam juntos o ciclo de carreira e discutem as melhores estratégias para a carreira e o projeto empresarial.