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Nova legislação trabalhista exige um novo perfil de liderança

No app da Você RH, Rafael Souto, CEO da Produtive, explica os benefícios da reforma trabalhista frente ao novo mundo do trabalho.

Durante muitos anos a sociedade clamou por mudanças na decadente CLT. A consolidação das leis do trabalho, surgida na década de 1940, no início da industrialização brasileira, exigia um sistema de proteção robusto.

A lógica escolhida foi a proteção baseada no princípio de que o trabalhador era a parte fragilizada e não teria condições de negociação. A hipossuficiência foi a tônica da legislação e, para tanto, criaram um modelo geral de trabalho irrestrito que devia ser aplicado para todos.

Ao longo de 60 anos, o mercado mudou. A economia se alterou profundamente e a rigidez baseada na compreensível hipossuficiência dos distantes anos de 1940 já estava muito aquém da realidade das organizações e dos desejos dos indivíduos.

A reforma trabalhista de 2017 coloca mais flexibilidade no sistema, permite negociações de atividades, confia mais na possibilidade de discussão e no entendimento dos casos.

Uma das noções essências nessa transformação é a possibilidade de termos pessoas com mais controle de sua vida. Ou seja, o protagonismo na carreira é estimulado com a reforma.

Nesse sentido, precisamos refletir sobre nossas lideranças. Será que os gestores estão preparados para abrir mão de seu comando e controle e, de fato, negociar com os indivíduos? Será que nossas organizações estão realmente dispostas a dar mais espaço para os profissionais negociarem as condições de trabalho? A meu ver, ainda estamos longe dessa realidade.

Seguimos navegando em uma zona de transição, porque o modelo mental dominante ainda é o da era do emprego e da rígida CLT. Estamos imersos no entendimento de que a empresa é a única responsável pela carreira das pessoas.

Ainda confundimos avaliação de desempenho com discussões de carreira. Nos últimos 20 anos evoluímos muito nos controles, mecanismos de avaliação e de gestão de indicadores. Mas, ainda estamos engatinhando no diálogo de carreira e de trabalho.

Respeitar os caminhos escolhidos pelas pessoas é um sonho distante. Discordar de uma promoção ou de uma mudança de área ainda soa como descomprometimento ou desalinhamento. Na prática, boa parte dos profissionais se especializou na deprimente arte de agradar o chefe. Infelizmente, a divergência de ideias é uma fantasia nas empresas.

Não adiantará termos uma legislação moderna se ainda contarmos com gestores jurássicos que impõem suas decisões e determinam o que parece ser o melhor para a carreira das pessoas, quando, na verdade, estão preocupados com seus resultados de curto prazo.

Como lidaremos com funcionários que possuem outros negócios? Será que um gestor aceitará que um de seus comandados seja um motorista autônomo de um aplicativo nas horas de folga? Ou seguiremos com a noção de dedicação exclusiva e controle autoritário? Temos que vencer essas incoerências.

Um dos caminhos é investirmos em educação sobre carreira desde cedo. Quanto antes orientarmos os jovens sobre o novo mundo do trabalho e as respectivas responsabilidades na carreira, mais chances teremos de transformar o modelo.

Novos tempos determinam uma mudança na forma de lidar com o trabalho. Podemos ser determinantes na cobrança de rotinas e metas, mas nas discussões sobre escolhas de carreira e movimentos do indivíduo, teremos de ser construtivistas.

Equilibrar interesses do projeto empresarial e do indivíduo será uma atividade importante na agenda executiva. Do contrário, continuaremos discutindo uma legislação moderna sendo operada por gestores do século passado.

NOVA CLT EXIGE NOVOS LÍDERES

Rafael Souto discorre  sobre a sintonia entre a reforma da CLT e o atual mundo do trabalho para o jornal Zero Hora.

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A reforma trabalhista avança no Congresso. Não há dúvida que a modernização da CLT é necessária. Temos um sistema que ficou paralisado no tempo e não está em sintonia com o atual mundo do trabalho.

Porém, precisamos pensar sobre outra reforma. A que transforma os  modelos mentais de gestão de pessoas. Queremos um sistema moderno de leis que permita maior negociação e autonomia aos funcionários. É uma direção correta, que considera o indivíduo como capaz de gerir sua vida e construir seus caminhos.

Quando estamos no dia-a-dia das empresas, ainda nos deparamos com o antigo sistema de comando e controle. A construção coletiva é uma fala simpática. A realidade das organizações ainda é pouco flexível. O discurso é de inovação e abertura, mas como lidamos com um funcionário que rejeita uma tarefa ou nega uma promoção que não faça sentido no seu projeto de vida? Entendemos que isso faz parte da negociação sobre seu futuro ou rotulamos o profissional como alguém sem ambição e descomprometido com o negócio?

Todos defendem a inovação porque sabem que isso é necessário para a sobrevivência das organizações. No entanto, teremos que preparar gestores que saibam dialogar com suas equipes e, de fato, construir carreiras num sistema de maior liberdade. Nosso modelo mental ainda é baseado no sistema em que as organizações definiam as rotas e os profissionais seguiam essa trilha. Modelos paternalistas e autoritários. O discurso mudou, mas a prática pouco avançou.

Discutimos, com razão, modelos mais flexíveis de contratação. Mas, teremos a mesma flexibilidade com um funcionário que abre um negócio próprio simultâneo ao seu emprego? Ou seguiremos com o discurso de exclusividade e medo de perda do foco?

As conquistas precisam vir dos dois lados. As empresas ganham mais flexibilidade para contratar, conseguem reduzir custos e viabilizam mais negócios e empregos. E os profissionais querem mais liberdade para dialogar sobre seus futuros e ter autonomia para decidir seus movimentos de carreira sem medo de represálias.

A reforma da CLT é imprescindível para o desenvolvimento do País. O risco é termos uma legislação moderna com empresários e líderes com mentes de 1940.

Os dinossauros exigem mudanças na CLT

Mais do que reformar a CLT, é preciso reciclar o modelo mental. Veja a análise de Rafael Souto em seu novo artigo para o Valor Econômico.

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A legislação trabalhista brasileira precisa de mudanças por não refletir a evolução do mercado de trabalho. Fez sentido nos anos de 1940 onde os princípios rígidos baseados na hipossuficiência dos trabalhadores eram necessários. Hoje, ela atrapalha o desenvolvimento e dificulta novas construções de trabalho num mundo completamente diferente de quando surgiu. Parece que caminhamos para uma reforma nesse cambaleante e pouco legítimo governo. Mas, mesmo enfiado na lama, articula mudanças que são necessárias. Atualizar a legislação é um passo importante para modernizar o sistema. É uma reciclagem fundamental para colocar as leis em sintonia com os novos tempos. E é assim que funciona: a sociedade avança e o ordenamento jurídico precisa responder às expectativas das pessoas.

No entanto, temos uma outra reforma de alta complexidade para fazer. É uma transformação na forma de gerir pessoas. Uma mudança no modelo mental sobre o trabalho. Nossos líderes do seculo XXI foram criados num sistema baseado no binômio comando e controle. Cresceram num sistema de regras rígidas onde o poder e a hierarquia eram o centro da administração das empresas.

Há pouco espaço para negociação nesse jeito de administrar. As decisões sobre pessoas são impostas. Um funcionário que nega uma promoção para um cargo que não faz sentido no seu projeto de vida tem alto risco de ser taxado de desinteressado ou sem ambição. Negar uma chance de “ouro” na visão da empresa é quase um crime em muitas organizações. No sistema de controle rígido e paternalista, que ainda reina no mercado, as decisões são determinadas de cima para baixo. A negociação é uma palavra que não existe na prática.

Falar em mudança de legislação trabalhista é apenas uma parte da transformação. Construir diálogos verdadeiros em que as pessoas possam, de fato, protagonizar suas trajetórias é o caminho mais árduo. Exige uma outra forma de pensar na cúpula das empresas. A exemplo, se a pessoa quiser ter um negócio próprio em paralelo ao emprego formal, será tratada como traidora ou sem foco por muitas empresas.

Com a evolução do mercado de trabalho, os profissionais também passaram a exigir mais espaço e protagonismo na condução de suas carreiras. A ideia de equilíbrio entre os diversos papéis que temos na vida passou a fazer parte das reflexões sobre carreira. As pessoas querem trabalhar em equilíbrio com sua vida pessoal. É o chamado desenho de vida. Essa transformação no papel do trabalho determina outra abordagem nas discussões de carreira. Uma promoção pode não ser desejada se estiver em conflito nesse desenho de vida.

Uma recente pesquisa de doutorado, conduzida pela pesquisadora Manoela Ziebell, mostrou que 46% das pessoas que pediram demissões de empresas o fizeram por falta de clareza sobre as perspectivas na organização. Com estruturas cada vez mais enxutas, os modelos tradicionais de plano de carreira sucumbiram. Isso exige uma liderança que seja aberta ao diálogo e capaz de construir alternativas de evolução na empresa que façam sentido com os projetos de vida do funcionário. Era fácil prever o crescimento nas estruturas antigas, cheias de níveis. Bastava o tempo de trabalho que a promoção linear aconteceria. Com organogramas reduzidos, o líder precisa promover reflexões com seu colaborador para juntos projetarem a carreira. É uma abordagem diferente e necessária.

Para adicionar mais lenha nessa fogueira, temos um grupo significativo de profissionais que falam em modernidade, mas ainda esperam o tradicional plano de carreira. Jovens que têm discursos futuristas, mas não querem explorar alternativas, são tão tradicionais quanto os chefes mais antiquados. Precisam de educação para a carreira.

É nesse profundo cenário de transformação que estamos discutindo a necessária reforma da CLT. Junto com a legislação, precisamos nos reciclar e substituir o modelo de comando e controle formatado através de plano de carreira, retenção e carregado de estereótipos por uma abordagem de diálogos de carreira, escolha, construção, protagonismo, indivíduo e engajamento.

Essa mudança na forma de pensar as relações de trabalho dará sustentação para uma evolução verdadeira. Sem ela, seremos dinossauros segurando placas pedindo mudanças na legislação trabalhista.