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Outro canudo

Para a revista Época, Rafael Souto, CEO da Produtive, explica a razão dos cursos de mestrado profissional terem se tornado destaque para jovens executivos traçarem uma ascensão rápida na carreira.

 

Como é comum a todo mundo que encerra um ciclo, quando se formou em engenharia elétrica, em 2009, Osmar Gesualdo Neto estabeleceu uma condição e uma meta para sua carreira dali para a frente. A condição era que não trabalharia como engenheiro; e a meta era crescer na área de gestão de empresas, na qual já atuava desde o estágio. Menos de dez anos depois, Neto pode dizer que atingiu seus objetivos. Teve duas promoções consecutivas na mesma empresa. Primeiro foi convidado a assumir um cargo de coordenador da área financeira na Cetip, a empresa que integra operações do mercado financeiro. Em 2016, foi promovido de novo, dessa vez a gerente de planejamento. Neste ano, aos 32 anos, Neto aceitou um convite para ser controller do banco Luso Brasileiro. “Nos últimos seis anos, além de eu alavancar a carreira, meu salário teve um incremento de 150%”, disse.

Neto atribui a melhora na vida profissional aos anos de formação contínua em instituições de peso. Mas disse que “o grande salto” veio depois de ter feito um mestrado profissional em administração em 2015, na Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp). O caminho seguido por ele tem sido trilhado por muitos jovens executivos, pessoas com até 30 anos que já passaram por cursos de Master of Business Administration (MBA) ou especialização e agora, de olho no topo da montanha corporativa, querem a formação oferecida pelos mestrados profissionais. “Cerca de 40% de nossos estudantes costumam ser promovidos e 18% relatam receber aumento salarial”, afirmou James Wright, reitor da Fundação Instituto de Administração (FIA). Responsável pelo programa do curso focado em gestão de negócios, Wright afirmou que as empresas do setor financeiro e as consultorias valorizam bastante esse aprendizado.

Regulamentados no país há duas décadas, os cursos de mestrado profissional são tutelados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação que avalia as instituições de ensino de mestrado e doutorado a cada quadriênio. Em janeiro deste ano, a Capes divulgou uma lista com os melhores programas. Dos 701 avaliados no final de 2017, 49 tiveram a nota máxima. Entre os excelentes estão os oferecidos em escolas de ensino superior de prestígio, como FGV, Insper, UNB e Udesc.

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A vantagem desse tipo de mestrado é oferecer ao aluno a chance de aprofundar seus estudos em assuntos que atendam a demandas do mercado e dar meios para a aplicação prática do tema examinado. A pesquisa no curso parte de um problema real e propõe soluções aplicáveis ao cotidiano nas empresas. A maioria dos alunos trabalha enquanto estuda, por isso as aulas são ministradas à noite, de duas a três vezes por semana, e aos sábados, o dia todo. Ao final, como nos mestrados acadêmicos, o aluno tem de apresentar uma dissertação escrita e fazer a defesa do projeto diante de uma banca.

Encarar um projeto desses não é fácil. Para ingressar nos programas com maior prestígio no Brasil é preciso ter conhecimento e persistência. Os candidatos passam por um processo rigoroso de seleção e cada vaga é disputada por pelo menos dois candidatos. “Selecionamos pessoas com no mínimo três anos de experiência prática. É essencial para acompanhar o nível elevado das temáticas”, afirmou Antonio Freitas, pró-reitor da FGV. Mesclar profissionais de áreas distintas é outra preocupação. “Buscamos formar um excelente networking para ampliar as discussões dos temas abordados”, completou Freitas.

A vantagem desse tipo de mestrado é a ligação mais estreita entre o objeto de estudo e a vida profissional com a perspectiva de promoção e aumentos salariais após o curso

Uma vez dentro, o candidato precisa estar com a conta bancária em ordem, pois o curso custa caro. Em alguns casos pode chegar a R$ 120 mil pelos dois anos do programa — e são raros os casos de bolsas de estudo ou de empresas que pagam parte dos custos para seus funcionários. Do ponto de vista pessoal, é um período intenso. Fora o tempo em sala de aula, cada professor recomenda livros e textos (muitos, obviamente, em inglês) para serem lidos e debatidos em classe. Alguns programas exigem, ainda, a participação do aluno em congressos e grupos de pesquisa. “Os estudantes relatam que a maior dificuldade é organizar suas agendas, dividir o tempo entre estudo, família e trabalho”, disse Rosileia Milagres, coordenadora do mestrado profissional na Fundação Dom Cabral. É preciso ter apoio da família, pois o aluno ficará um tempo longe de compromissos sociais e férias, e manter a mente equilibrada para enfrentar as pressões e as tentações de largar tudo. A maioria das empresas reconhece e apoia a iniciativa de quem faz um mestrado profissional — o que não significa que chefes peguem leve com o estudante.

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A economista Karine Córdoba Thurler, de 31 anos, sabe bem como é difícil conciliar esses papéis. Entre 2014 e 2016, quando fez mestrado de economia no Insper, ela praticamente abriu mão da vida pessoal. “Tirei férias para estudar para as provas e os domingos eram dedicados às leituras obrigatórias”, contou. Para complicar, a executiva se casou no meio do programa. “Foi desafiador planejar um casamento naquele momento. Pensei em trancar o curso, mas meu marido não deixou. Seu apoio foi fundamental”, lembrou. A solução foi transferir uma das disciplinas para o semestre seguinte e aproveitar o recesso escolar para curtir a lua de mel. Ao final, tudo deu certo e rendeu frutos. Funcionária do banco Santander desde 2007, no ano passado Thurler assumiu o cargo de vice-presidente de operações estruturadas (VP Structuring Treasury Corporate Sales) na instituição financeira. “O mestrado me deu a senioridade e o conhecimento para ocupar essa posição.”

Em alguns segmentos do mercado de trabalho, a titulação tem um peso maior do que em outros. “Empresas das áreas de finanças, administração, economia, marketing e gestão de negócios têm procurado mestres para compor seus quadros”, afirmou Daniel Faria, headhunter da consultoria Linco. O reconhecimento do mestrado profissional tem crescido no Brasil, especialmente depois da massificação dos cursos de MBA e de especialização na última década. “As organizações perceberam que o programa oferece uma consolidada base técnica para a resolução de problemas”, disse Rafael Souto, CEO da Produtive, empresa de recolocação de executivos. Além disso, mestres e doutores tendem a acrescentar na aproximação cada vez maior entre a academia e o mundo corporativo. “Com a hipercompetição, as companhias buscam um executivo com formação acadêmica sólida e vivência de mercado.” Souto aconselha os executivos a desenvolver uma estratégia de carreira para escolher o curso adequado. E dá a dica: “Ex-alunos de instituições conceituadas, como Insper, FGV, FIA, UFRJ, são mais valorizados”.

Consultores e professores afirmam que tão valiosa quanto o curso é a rede de contatos que os alunos fazem — e que deve ser utilizada depois, ao longo da carreira

Em outros países, essa modalidade de ensino também tem se destacado na formação superior executiva. Uma pesquisa feita pela associação internacional Graduate Management Admission Council (Gmac), uma organização sem fins lucrativos que reúne 223 escolas de negócios de pós-graduação em todo o mundo, com sede nos Estados Unidos, ouviu 11 mil ex-alunos para saber o impacto dos cursos de pós-graduação na carreira e no salário. A conclusão é que 79% dos estudantes estão empregados em corporações e 10% são empreendedores. Os postos ocupados em multinacionais (61%) seguem na liderança, em setores como produtos e serviços (20%), tecnologia (17%), finanças e contabilidade (15%). A maioria dos entrevistados afirmou que a educação focada em gestão fez progredir suas carreiras em um ritmo mais rápido do que a de colegas sem o diploma

Eric Leite, mestre em ciências, engenharia de sistemas e inteligência artificial pela Coppe-UFRJ, concluiu o mestrado aos 28 anos. “O curso teve um impacto brutal em minha carreira”, contou. Ao contrário de seus colegas de turma que já trabalhavam, Eric emendou a graduação com uma pós na escola francesa Arts et Métiers ParisTech, onde estudou robótica. Quando voltou ao Brasil, ingressou direto no mestrado. “Na metade do ciclo, fui contratado pela IBM e precisei me adaptar ao esquema puxado da dupla jornada.” Leite é enfático ao dizer que a base acadêmica de matemática e inteligência artificial o diferenciou em relação aos concorrentes. Com o título de mestre, saiu de consultor técnico para a gerência de uma multinacional, a White Martins. Aos 31 anos, ele gerencia uma equipe de cientistas de dados responsável pela implementação de soluções analíticas e de otimização em todos os setores da empresa.

Ângela Pêgas, sócia do escritório de São Paulo da consultoria internacional Egon Zehnder, acredita que o impacto de um mestrado profissional é sempre positivo, embora não se reflita em promoção ou aumento de salário imediatos. “As companhias estão mais cautelosas ao remunerar seus executivos. Os pacotes de contratação estão menos agressivos e com pouca margem de negociação.” Segundo Pêgas, isso acontece porque há mais profissionais qualificados disponíveis e, é claro, devido à crise econômica. Por isso, controlar a ansiedade no planejamento da carreira é importante. “Ingressar no mestrado com expectativas focadas em ascensão e ganho salarial é uma motivações equivocada”, alertou o headhunter Daniel Faria. “O curso é uma etapa de um processo de evolução na carreira, não um passaporte garantido para o sucesso.” Não adianta achar que o curso fará milagres.

As instituições de ensino tampouco prometem um bilhete dourado corporativo na forma de diploma. “Os estudantes adquirem novas expertises, as colocam em prática e daí vem a recompensa”, disse Regina Madalozzo, coordenadora do mestrado profissional em economia do Insper. Ainda assim, explicou Madalozzo, os formandos relatam um ganho efetivo salarial entre dois etrês anos após a conclusão do curso. Todos os reitores e coordenadores de programas são categóricos ao afirmar que o networking com colegas e professores é outro fator de alta contribuição profissional. O Insper incentiva os formados a continuar se relacionando após o término das aulas. “Trabalhamos para criar essa cultura. Construímos mecanismos para os ex-alunos conversarem por meio da escola e entre si”, contou Silvio Laban, coordenador do mestrado profissional em administração de negócios do Insper. Essa é uma característica valorizada pelos recrutadores. “Mestres costumam ser uma fonte de networking de altíssimo nível, o que pode se traduzir em negócios futuros”, afirmou a consultora Ângela Pêgas.

No mercado de trabalho, a titulação sozinha não garante a conquista de uma vaga. O CEO da Produtive, Rafael Souto, recomendou uma estratégia para segurar a ansiedade enquanto a recompensa não vem: “Use os conhecimentos adquiridos onde já trabalha, por meio de projetos laterais de carreira”. Souto também incentiva os executivos a pensar além dos cargos tradicionais do mundo corporativo. Nesse aspecto, muitos estudantes aproveitam o mestrado profissional como um movimento para empreender.

A psicóloga Malena Martelli, de 53 anos, vice-presidente de Recursos Humanos na Schneider Electric, empresa especializada em gerenciamento de energia e automação, atua como executiva desde o final dos anos 1990. Cumpriu todas as etapas de uma formação superior de qualidade, incluindo um MBA executivo internacional. “Foi a primeira e bem-sucedida iniciativa acadêmica de sair de RH e ingressar em gestão de negócios”, lembrou. Dali em diante, construiu uma carreira considerada de sucesso. Até que, em 2014, se afastou temporariamente do trabalho para cuidar do pai doente. Para não ficar desatualizada, Malena decidiu fazer um mestrado profissional em gestão de negócios. “Fui em busca de respostas para uma série de questionamentos que fazia em relação às empresas, ao mercado e a maneira de conduzir os negócios em corporações.” Na metade do programa, foi procurada pela Schneider e voltou ao jogo. Mas as reflexões feitas durante as aulas a acompanharam. Com todas as vantagens da bagagem profissional — algo que seus colegas de sala ainda estavam almejando —, o mestrado acabou proporcionando a Martelli a segurança para empreender. “Este é um plano para um futuro próximo: abrir minha própria consultoria com os valores defendidos em minha dissertação.”