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Por que o modelo de sucessão nas empresas está ultrapassado

Como construir um novo modelo de sucessão

A sucessão é um desafio corporativo complexo. Inclui questões de sustentação de negócios, mexe com vaidades, aspirações, poder e o futuro dos profissionais.

A necessidade de preparar pessoas para os crescentes desafios organizacionais atormenta líderes e acionistas de organizações de todos os portes e segmentos.

Num recente e profundo estudo publicado na revista Harvard Business Review, os pesquisadores  Claudio Fernández-Aráoz, Gregory Nagel, e Carrie Green mostraram os custos de uma sucessão mal planejada no topo da organização. Apontam os ganhos quando o processo é bem feito, citando a valorização estrondosa da Microsoft com a entrada de Satya Nadella. Também citam os equívocos de outros movimentos na alta gestão e o impacto bilionário dos erros.

É evidente que a transição do CEO é um processo de alto impacto.

Mas, a sucessão mal planejada é drama que afeta a organização em todos os níveis.

Em empresas de rápida ascensão, a formação de profissionais é crucial para garantir que os projetos tenham sequência e que as promessas de crescimento sejam cumpridas. Uma boa tese de negócios não se sustenta sem o desenvolvimento de pessoas.

Já em negócios maduros, a continuidade da organização depende também de um processo sucessório bem desenhado. No entanto, a transformação dos negócios e a imprevisibilidade das estruturas trazem novos desafios para o processo de sucessão.

O modelo antigo que perdurou durante muitos anos era baseado em sucessão por cadeira. Ou seja, um líder aponta os sucessores e trabalha o desenvolvimento deles. A organização usa métricas de avaliação de performance e potencial. E por fim, ocorre uma validação num comitê que se desdobra num plano de ação descrevendo o que o indivíduo deve desenvolver e em quanto tempo a pessoa estaria preparada.

Esse modelo de sucessão linear reflete um período em que a carreira funcionava através de um plano previsível. O desenvolvimento era focado numa área. Ele é fruto dos antigos sistemas de plano de carreira da empresa, no qual uma organização desenha um sequenciamento previsível.

As transformações do mundo do trabalho exigem um novo jeito de encarar a sucessão. Vou destacar duas transformações essenciais. A primeira é organizar a sucessão com o contexto de “pool sucessório” ou alvo móvel. Essa ideia substitui o modelo antigo de sucessão por cadeira. E a segunda mudança é conectar interesses de carreira das pessoas com o plano sucessório.

Desde os anos de 1990, os sistemas de plano de carreira e sucessão linear vêm se mostrando incompatíveis com a realidade dos negócios. Do ponto de vista da organização, a necessidade de revisar as estruturas com mais velocidade e ter opções para acelerar suas demandas mostra que um mapa de sucessão engessado e focado num silo não faz mais sentido. Do ponto de vista do indivíduo, cada vez mais se observa a necessidade de estimular o protagonismo e a livre movimentação na empresa. Cada pessoa é responsável por sua trajetória e irá construindo sua carreira de acordo com seus interesses e as oportunidades que surgem. É contraditório, portanto, falar de sucessão com base num cargo.

O próprio conceito de carreira mudou. No passado era definida como um conjunto de cargos. Hoje falamos que a carreira é um conjunto de experiências significativa ao longo da jornada.

Portanto, fazer um projeto de carreira e um mapa de sucessão baseado num cargo é coisa do passado.

Os mapas de sucessão precisam refletir as múltiplas possibilidades de carreira.

Nessa linha, é mais adequado falar em “pool sucessório”, ou seja, um conjunto de opções de movimento. Menos focado em cargo e, sim, em alvos móveis.

A outra mudança relevante, a de conectar os planos de sucessão aos interesses de carreira dos profissionais, traz para o modelo as expectativas das pessoas.

Caso contrário teremos um mapa impreciso que só expressa a visão da organização sobre as pessoas.

Recente estudo mostrou que mais de 50% dos mapas de sucessão são baseados em inferência organizacional e não consideram os interesses dos profissionais. Ou seja, refletem o antigo modelo de comando e controle.

Para termos um plano de sucessão bem definido é preciso incentivar uma cultura de conversas de carreira.

O líder tem o papel de promover espaços para que os indivíduos exponham seus interesses. Esse diálogo contínuo precisa alimentar o mapa de sucessão.

A segurança psicológica para que as pessoas se expressem garantirá que as projeções de carreira sejam feitas considerando um novo contrato psicológico de trabalho. Nele, os movimentos de carreira são construídos em conjunto garantindo o futuro da organização e o desenvolvimento das pessoas.

A nova competência da liderança: saber construir futuros

 

A alfabetização sobre futuros é a mais poderosa habilidade do mundo pós pandemia

O conceito de future literacy (alfabetização sobre futuros) foi criado pela UNESCO e trata da capacidade de imaginar o futuro. Foi definida com uma das competências mais relevantes para o profissional do século XXI.

No último Fórum Econômico Mundial realizado em 2021 o tema também foi incluído como uma das habilidades poderosas para o líder contemporâneo.

Mas o que é alfabetização sobre futuros?

Segundo Riel Miller, um dos criadores da disciplina de alfabetização sobre futuros na UNESCO, significa ensinar a construir cenários e lidar com a imprevisibilidade.

O contexto incerto em que vivemos exige das lideranças contemporâneas uma nova habilidade: projetar cenários e criar ações no presente para preparar a organização para esses diversos futuros possíveis. Não se trata apenas de fazer uma aposta como se fosse escolher um número numa roleta, mas sim fazer reflexões sobre macro tendências e definir ações.

Essa alfabetização sobre o futuro é uma abordagem que coloca todo o líder no papel de um construtor de possibilidades.

Nos modelos do passado essa reflexão de cenários era feita por um grupo de pessoas que se escondiam numa sala para debater o futuro e traçar estratégias.

Hoje, segundo Miller, essa habilidade precisa estar inserida num contexto mais amplo. Quanto mais estivermos preparados para compreender as diversas explicações e métodos para imaginar o futuro, menos razão teremos para temer o futuro e melhor poderemos aproveitar oportunidades. O princípio base para essa alfabetização sobre futuros é que as reflexões devem considerar cenários abertos. Os futuros são plurais, não existe um único futuro.

Um dos erros mais comuns nesse debate é querer colonizar o futuro com ideias do presente e reduzir as opções.

Como afirmam Jeanette Kæseler Mortensen, Nicklas Larsen, pesquisadores ligados ao Copenhagen Institute for Futures Studies, o risco está em considerar um futuro desejável e provável e com isso excluir novos fenômenos porque ficam ocultos nas reflexões.

A alfabetização em futuros está disponível por meio da disciplina de antecipação, que pode ser treinada e refinada para estabelecer familiaridade com o desconhecido. A disciplina da antecipação é a capacidade de tomar consciência das suposições sobre o futuro, e dominá-la nos permite ver a incerteza como um recurso — em vez de um inimigo do planejamento. Ao imaginar diferentes futuros, as pessoas podem se tornar cientes de sua capacidade de moldar e inventar novas suposições antecipatórias, e o ato de mudar essa capacidade de um estado inconsciente para um consciente é o início da alfabetização em futuros.

Debater cenários e pensar estratégias considerando a incerteza e a necessidade de construir repertório também é base da carreira moderna.

O professor Mark Savickas, da Universidade de Ohio, trata desse tema pela ótica da carreira e traz o conceito de adaptabilidade. Uma das dimensões mais importantes da adaptabilidade é a consideração sobre o futuro. Propor cenários e debater possibilidades. Assim como a construção das organizações, a reflexão sobre a carreira também precisa considerar cenários. Na era do protagonismo é fundamental avaliar possibilidades, tendências e fazer escolhas de carreira. O profissional que só considera o curto prazo e não projeta sua carreira tem risco de ficar obsoleto.

A alfabetização sobre o futuro não é um tema simples. As agendas dos líderes estão cada vez mais abarrotadas de tarefas focadas no curto prazo. Enfiados em problemas operacionais e reféns da implacável necessidade de entregar metas a cada mês, não encontram tempo para debater o futuro.

Para termos empresas inovadoras, precisamos de profissionais que pensem e construam os futuros possíveis.

Para desenvolvermos uma organização inclusiva e preparada, precisamos de alfabetização sobre o futuro. E quanto mais pessoas estiverem envolvidas mais significativa será a construção.

Não vão acontecer futuros melhores e mais inclusivos até que reconheçamos que o futuro para todos não pode imaginado por poucos.

 

Se o trabalho perfeito não existe, como ser feliz na carreira?

O colunista Rafael Souto recomenda abandonar a ilusão do crescimento rápido e da alegria permanente na carreira

Durante quase 100 anos vivemos um período em que o mundo do trabalho era comandado pelas organizações. O contrato psicológico era dominado pela empresa. O plano de carreira da organização determinava o futuro das pessoas.

No final do século XX isso mudou. As mudanças vindas com a globalização fizeram da década de 1990 um grande divisor nas relações de trabalho.

As demissões em massa decorrentes das reestruturações fizeram a ideia de protagonismo na carreira ganhar força. Deixar a vida profissional na mão da empresa passou a ser arriscado. Nascia a era da empregabilidade.

Começamos a falar sobre satisfação e propósito. No século XXI, a discussão sobre realização pessoal ganhou mais força. Avaliar perspectivas de mercado e analisar oportunidades de forma permanente passaram a ser o comportamento esperado de um profissional contemporâneo.

Enquanto nas décadas anteriores ter uma boa carreira significava permanecer a vida toda em uma empresa, nos anos 2000 passamos a incentivar a busca por realização e a diversificação de experiências. O ciclo médio de permanência em uma empresa era de 14,5 anos na década de 1980. Caiu aos poucos e atingiu a média de 4,5 anos em 2010.

A escassez de profissionais qualificados favoreceu essa nova dinâmica. Os talentos determinaram uma nova ordem nas relações de trabalho. Mesmo em períodos com alto nível de desemprego, os mais qualificados passaram a escolher e mudar de emprego com mais frequência, levando as áreas de recursos humanos ao desespero para engajar seus talentos.

A revolução digital também nos colocou em um cenário de maior velocidade e imediatismo. A nossa vida vai acontecendo na velocidade alucinante dos cliques e likes. Isso trouxe uma pressão maior por crescimento nas empresas. A pandemia acelerou essa transformação. Estamos vivendo o auge do fenômeno da grande renúncia. Os pedidos de demissão motivados pelo desejo de revisar o desenho de vida e procurar novas alternativas estão em alta nas principais economias.

No Brasil, segundo dados do Caged, estamos vivendo, desde dezembro de 2021, sucessivos meses com os maiores números de pedidos de demissão da história. A luta por realização passou a determinar uma nova lógica para a discussão de carreira.

Porém, quando os movimentos são realizados sem uma reflexão sobre legado e ciclos de carreira, podem gerar trajetórias vazias e guiadas pelo mero sentido de aproveitamento do próximo espaço. Ciclos curtos, projetos inclusos e impaciência levam a trajetórias frágeis.

O protagonismo movido apenas pelo radar de um novo trabalho gera um efeito colateral grave de inconsistência na carreira – que é formada pelo conjunto de experiências de um indivíduo. Essa soma de projetos vai formando um legado.

É importante refletir sobre o quanto um trabalho está sintonizado com os interesses de carreira, mas não podemos esquecer a consistência da trajetória. Além de perguntar o que eu gostaria para a minha carreira, pergunte também o que você está construindo.

A busca pela satisfação precisa passar pelo propósito. Como afirma o brilhante escritor Simon Sinek, tudo começa pelo por que. Uma proposta com objetivos claros de carreira permite lidar com as dificuldades do dia a dia. Propósito tem relação com o conjunto de interesses e objetivos de carreira. O legado dá sustentação para a caminhada.

O trabalho perfeito não existe. Busque refletir sobre seu propósito e o ciclo que está construindo em cada trabalho. Abandone a ilusão do crescimento rápido e da alegria permanente. Do contrário, fará uma carreira em que terá que explicar por que trocou tanto de trabalho em vez de ter orgulho dos projetos que realizou.

 

4 lições de liderança testadas por Abel Ferreira no Palmeiras

Vice-campeão do mundo e campeão paulista, o Palmeiras passou a ser um dos times mais estudados por adversários — mas também deveria ser inspiração para gestores.

Liderado por Abel Ferreira, o Palmeiras é considerado um dos melhores — se não o melhor — time do Brasil na atualidade. Desde a chegada do técnico português, no final de 2020, o time foi campeão cinco vezes.

No último final de semana, o Palmeiras venceu o São Paulo por 4 a 0, no Allianz Parque, no jogo de volta da final do Campeonato Paulista, e levantou a taça estadual pela 24ª vez. Além disso, o Palmeiras de Abel Ferreira foi campeão da Copa do Brasil (2020), da Recopa Sul-Americana (2022), e ganhou duas Libertadores consecutivas (2020 e 2021).

Abel Ferreira pode ser considerado um bom exemplo de liderança? Para Rafael Souto, fundador e CEO da consultoria de carreira Produtive, o treinador alviverde reúne características de um líder contemporâneo. Para o especialista, líderes deveriam dedicar mais tempo em conversas inspiradoras com seus times e conectá-las ao propósito da empresa.

Segurança psicológica

Segurança gera confiança. Para criar um time campeão é necessário que os integrantes acreditem genuinamente nas decisões tomadas pelo líder.

“Um líder que não tem confiança do grupo não consegue ter liberdade, presença, não consegue se conectar com o grupo”, afirmou Rafael Souto.

Em um ambiente sem segurança psicológica, feedback negativo vira uma cobrança vazia e sem valor.

O atual técnico do Palmeiras, que renovou seu contrato por mais dois anos, consegue passar confiança, motivação e segurança para o elenco.

O livro ‘Cabeça fria, coração quente’, publicado neste ano, conta bastidores das conquistas do Palmeiras nas temporadas de 2020 e 2021. Em um trecho, Abel destaca a importância do coletivo e da mentalidade vencedora.

“Meu orgulho é ver que os jogadores estão comprometidos. Estão dando o melhor em cada jogo. A grande diferença é a mentalidade e a cultura de vitórias. Eles se desafiam diariamente e isso se reflete no treino e no jogo”, disse Abel.

Growth Mindset

No modelo mental de crescimento, conhecido como growth mindset, o desafio é visto como uma oportunidade.

Dois exemplos mostram isso na liderança de Abel Ferreira. O primeiro foi o mundial de 2020, onde o Palmeiras ficou em quarto lugar. Naquele momento, todo trabalho construído até ali poderia ter sido descartado, mas não foi. Para Rafael Souto, Abel conseguiu manter o grupo unido e aquela derrota foi vista como oportunidade de aprendizado.

“O time não desmoronou, ele conseguiu ver os erros, corrigi-los e buscar o próximo objetivo”, explicou.

Sobre o Mundial de Clubes, o atacante Rony disse que a equipe estava feliz por participar e que eles estavam saindo da competição de cabeça erguida. “Vamos fazer uma grande temporada na Libertadores para poder jogar o Mundial novamente”, disse.

Outro exemplo foi a recente final do Campeonato Paulista. No primeiro jogo, o Palmeiras perdeu de 3×1, o que para muitos significava o vice-campeonato.

“O mindset de crescimento vê o desafio, o obstáculo, como algo a ser superado. O Palmeiras conseguiu reverter o resultado ruim do primeiro jogo, algo que seria impossível para muitas equipes”, afirma Souto.

Fonte: Exame

Plano de carreira: gestores não devem vetar a movimentação dos liderados

Um dos desafios mais árduos das organizações tem sido mostrar para seus funcionários que cada indivíduo é responsável por sua própria carreira. As áreas de gestão de pessoas vêm investindo fortemente na construção de ações que reforcem o protagonismo de carreira.

De fato, isso é essencial. O antigo modelo em que os indivíduos eram guiados por um sistema pré-definido de evolução profissional sucumbiu diante da imprevisibilidade dos negócios. O plano de carreira da empresa é peça de museu. Não existe mais e não é viável diante da necessidade permanente de ajustar estruturas e adaptar o negócio aos movimentos de mercado.

Esse ainda é um desafio enorme porque muitos profissionais continuam reféns do modelo antigo. Esperam que a empresa indique um caminho e cobram o falecido plano de carreira da empresa. Vivem esperando que alguém os leve pela mão e cultivam uma síndrome permanente de vitimização.

O contexto do mundo em que vivemos não permite mais a cultura paternalista.

A adaptabilidade na carreira é fundamental. Precisamos falar em protagonismo e dar ferramentas para que cada profissional construa suas estratégias de carreira.

Para que isso seja viável é necessário criar condições efetivas para movimentos de carreira. E o primeiro passo é estimular diálogos transparentes num ambiente com segurança psicológica para que as pessoas tenham liberdade. Os dados mostram que estamos longe disso. Estudo recente da consultoria global Gartner com mais de 5 mil profissionais mostrou que 78% não se sentem encorajados pelo seu líder a dizer o que pensam sobre sua carreira. Sentem receio de serem punidos ou deixados de lado se não agradarem aos interesses de seu gestor. Em síntese, precisam fazer o que chamo de a deprimente necessidade de agradar ao chefe.

Outro estudo realizado pela consultoria britânica Fuel50 mostrou que 65% dos funcionários não realizam conversas com seu gestor e não sabem como desenvolver sua carreira. Sem diálogo e sem liberdade não existe protagonismo.

A cultura contemporânea de carreira também pressupõe que as pessoas tenham liberdade de movimentação na empresa.

E aí, temos vários pontos críticos. O primeiro é que muitos líderes se acham donos da carreira de seus funcionários. Realizam conchavos internos e bloqueiam os profissionais para garantir os resultados de sua área. E, em muitas empresas, são respaldados por processos internos anacrônicos. O mais absurdo deles é a necessidade de autorização para um funcionário participar de um processo seletivo interno. Esse tipo de controle é a expressão máxima de uma cultura obsoleta em que a carreira das pessoas fica na mão de poucos.

Uma empresa do século XXI não pode permitir que um gestor seja dono da carreira de ninguém. É justo estimular que o líder saiba do interesse numa nova posição por meio  de conversas de carreira. É importante que o gestor possa se preparar caso o funcionário seja aprovado. Mas, jamais poderá ter o poder de veto de um movimento. Caso contrário a mensagem que chega na equipe será distorcida. Como posso ser protagonista na minha carreira se meu líder decide meu futuro?

A diretriz sobre como funciona a evolução profissional é uma importante construção para dar clareza sobre as regras do jogo. O mundo do trabalho tão frenético e em rápida evolução exige que possamos dialogar e engajar os profissionais dando perspectiva e liberdade. E para que ele tenha real sentido, todos os processos de comando e controle sobre a carreira precisam ser revistos.

Falta de perspectiva de carreira leva a demissão

O Brasil terminou 2021 com os maiores índices de pedidos de demissão das últimas décadas. E o mais relevante é que essa enxurrada de pedidos de demissão voluntária foi mais acentuada nos cargos com nível superior. Isso mostra que o risco de perda de profissionais qualificados está mais intenso.

O fenômeno que marca esse aumento de demissões foi chamado: a grande renúncia. Surgiu nos Estados Unidos no início dos anos 2000 e ganhou novo destaque em meados do ano passado quando os índices de pedidos de demissão dispararam. Mas lá, como na maioria das economias mais ricas, os pedidos de demissão permearam todos os níveis. Tiveram como origem uma profunda revisão dos interesses de carreira. Incentivadas a refletir na pandemia, muitas pessoas definiram um novo desenho de vida e decidiram mudar sua carreira.

No Brasil vivemos um paradoxo. De um lado mais de 12 milhões de desempregados. E do outro, um volume superior a 500 mil vagas abertas e que não são preenchidas por falta de profissionais. Isso expõe nosso enorme vazio de profissionais qualificados e também expõe que a grande renúncia brasileira se dá nos níveis mais especializados da força de trabalho. Esses profissionais estão sendo disputados e colocam as organizações num verdadeiro frenesi para entender os motivos de perda.

Os estudos sobre turnover voluntário de profissionais mostram há alguns anos que a perspectiva de crescimento na carreira é o fator central para os pedidos de demissão. Até aí nada de novo. Sabemos que a chamada força calculativa é um dos principais elementos que move os talentos. Funciona como um cálculo. Se a neblina interna é muito espessa e o profissional não vê perspectivas para se desenvolver, ele irá fazer um cálculo comparativo com as possibilidades fora da empresa. A oferta de mercado comparada às dúvidas na empresa atual é o fator chave para a decisão de troca.

O problema é que a força calculativa ganhou aditivos robustos com as recentes transformações nas relações de trabalho decorrentes da pandemia. O chamado WFA (do inglês trabalhar em qualquer lugar, working from anywhere) abriu possibilidades inimagináveis dois anos atrás. Hoje, para muitas carreiras existem opções para trabalhar em qualquer lugar do mundo sem que seja necessário sair de casa. Isso ampliou a competição global por profissionais.

A revisão dos interesses de vida também acentuou o olhar sobre outros formatos de contratos mais flexíveis e empreendedorismo.  Além disso, muitas organizações perderam a atratividade e não possuem uma jornada que desperte interesse para os profissionais do século XXI.

E os problemas não são poucos. O primeiro é uma ausência de clareza sobre como funciona o processo de desenvolvimento profissional. Segundo dados da consultoria GPTW, a perspectiva de carreira é o item de pior avaliação nas pesquisas de clima consolidadas entre as organizações brasileiras. Esclarecer qual é a filosofia de carreira e como a empresa trata o tema carreira é o primeiro passo para reduzir a força calculativa. O plano de carreira sequencial e previsível é peça de museu. É preciso dar clareza sobre como a carreira pode se desenvolver, reforçar o protagonismo e dar ferramentas para o crescimento.

Outro ponto chave é o papel da liderança. Gestores jurássicos ainda tratam funcionários como propriedade. Não conseguem realizar diálogos produtivos de carreira e bloqueiam a livre movimentação dos talentos. São impulsionadores esforçados para que os talentos migrem para outro lugar.

E por fim, as estruturas: organogramas arcaicos, pouca flexibilidade e um conjunto de regras que tornam qualquer talento refém de um sistema que não valoriza o potencial de contribuição. É focado em “caixas” e arquiteturas políticas com cheiro de naftalina.

Engajar talentos no mundo pós-pandemia exige uma urgente atualização do jeito de pensar a carreira, dialogar com os profissionais e organizar uma estrutura fluída. Sem mexer nisso, a equação de saída será cada vez mais forte e o cálculo penderá para a demissão.

 

MAIS DO QUE INVESTIR EM TREINAMENTOS CONSTRUA UMA CULTURA DE APRENDIZAGEM

Investir no desenvolvimento das pessoas é uma das missões mais desafiadoras na gestão organizacional.

Nos últimos anos estamos vivenciando uma transformação na forma de aprender.

A explosão de opções na forma de receber conteúdo vem ganhando espaço no mundo corporativo. As empresas passaram a investir em plataformas de educação e novos formatos de treinamento.

O streaming chegou ao mundo do trabalho, através de webséries e cursos online.

Os investimentos aumentaram exponencialmente nesses novos formatos. Segundo recente matéria publicada pela VOCÊ RH, em algumas produtoras de conteúdo digital, o crescimento ultrapassou 500% em 2021. Isso mostra de forma inequívoca que existe uma acelerada jornada digital na escolha das estratégias de aprendizagem.

A construção de um amplo catálogo de opções para que o indivíduo navegue e faça sua trilha de desenvolvimento é a aposta das empresas contemporâneas. Algumas chegam a ter mais de 50 títulos de webséries e uma infindável oferta de cursos em sua prateleira digital.

Os investimentos em treinamentos tradicionais também cresceram e mostram que o esforço em desenvolver os colaboradores está em alta nas organizações, cientes de que o aprendizado é um pilar da satisfação profissional.

Uma pesquisa realizada pelo LinkedIn mostrou que a oportunidade de desenvolvimento é o segundo fator mais inspirador no trabalho perdendo em relevância apenas para a natureza do trabalho em si.

No entanto, toda essa diversidade de conteúdos e formatos ainda esbarra num desafio: a baixa adesão das pessoas aos treinamentos.

Por mais que existam opções, por que as áreas de RH precisam convencer as pessoas a fazerem treinamentos? Em algumas empresas, a adesão média não passa de 20%.

Poderíamos inferir que existem problemas de comunicação e divulgação dos treinamentos. Não há dúvidas de que a “educomunicação” pode contribuir para aumentar o interesse. Também poderíamos avaliar se os cursos estão sintonizados com as necessidades das pessoas e calibrar a oferta de treinamentos. Ambos são temas que vem sendo discutidos há anos e, mesmo com os novos formatos, a adesão segue sendo um problema.

Segundo o professor do MIT, Thomas Malone, especialista em carreira e desenvolvimento, o problema central está na falta de uma cultura de aprendizagem.

A raiz do problema está no fato de que muitos funcionários entendem que a carreira precisa ser gerida pela organização. A cultura do plano de carreira da empresa e a visão de que o desenvolvimento precisa ser conduzido pela organização ainda é dominante.

Em síntese, os funcionários ainda esperam ser levados pela mão para fazerem os cursos. Dedicam pouco tempo para pensar suas estratégias de carreira e construir planos de ação. Deixam para seu líder ou para a área de recursos humanos definir o que ele precisa fazer.

Uma das constatações mais evidentes sobre essa cultura de vitimização aparece no momento da construção do famoso PDI (plano de desenvolvimento individual). Esse instrumento utilizado por muitas empresas é o documento que organiza ações para a carreira.

Nossos estudos mostram que, em média, apenas 30% das pessoas preenchem seu plano de desenvolvimento. Se um funcionário não reflete e preenche seus planos de ação, como ele fará uma boa escolha no menu de opções de treinamento?

Antes de investir num amplo calendário de treinamentos e num vasto portfólio streaming, precisamos construir uma cultura de aprendizagem.  Isso se faz com educação sobre carreira. Essa educação começa pela definição de papéis. Deixar claro que o individuo é o responsável pela sua trajetória e exercitar com ele o planejamento das ações.

Essa etapa passa pela liderança da organização. Dedicar tempo para debater estratégias de carreira e as ações de desenvolvimento é um trabalho nobre, cada vez mais necessário.

Quando essa definição de papel está clara e se junta a regularidade de conversas de desenvolvimento, aumentamos o espaço para reflexão sobre carreira. Com isso, a busca de desenvolvimento passa a ser um desdobramento das escolhas de carreira de cada indivíduo.

Treinamentos sem um pensar estratégico sobre a carreira são simplesmente títulos isolados e que não despertam interesse genuíno. Funcionam como uma tabela a ser cumprida, quando deveriam ser uma ação planejada.

Quando um profissional assume a responsabilidade por suas estratégias e ações, a cultura de aprendizagem ganha força.

Um termo em inglês vem sendo usado para definir o papel do individuo, é o chamado “accountability”, algo como responsabilização pela carreira.  Eu prefiro simplesmente chamar de protagonismo.

 

Assuma os riscos certos para acelerar na carreira

A carreira não surge, é construída. A célebre frase do pesquisador Mark Savickas ilustra a importância da elaboração de estratégias para o desenvolvimento da vida profissional.

No passado, o plano de carreira da empresa era o guia de desenvolvimento e construção da trajetória profissional. Funcionava como uma trilha definida pela companhia. Um caminho estabelecido para crescer. Esse modelo sucumbiu pela imprevisibilidade das estruturas decorrente da velocidade de transformação dos negócios. Nenhuma empresa consegue prometer evolução profissional. As estruturas estão cada vez mais enxutas. Os movimentos de carreira dependem dos espaços organizacionais que aparecem à medida que o negócio evolui. A redução de níveis e a constante busca de eficiência aniquilou as promessas de longo prazo e o crescimento linear.

Neste cenário, como construir estratégias que acelerem a carreira?

Em um artigo recente publicado na Harvard Business Review, o norte-americano Whitney Johnson afirma que as carreiras se diferenciam pela habilidade em escolher os riscos certos. Isso quer dizer que trata-se de assumir o controle da carreira e buscar as zonas não exploradas.

Para ilustrar esse movimento, Whitney cita o exemplo de Stephen Curry, atleta da NBA considerado o melhor arremessador da história do esportes, por se especializar em arremessos de três pontos de áreas que poucos se arriscam. Curry construiu um espaço único, no qual poucos defensores costumam bloquear.

Construir zonas de diferenciação na carreira não significa fazer mudanças radicais ou mudar o foco. Ao contrário, significa buscar espaços não ocupados ou fazer a leitura de tendências da área.

Em minha experiência de 26 anos trabalhando com aconselhamento de carreira, chamo este movimento de zona de ampliação da área-foco. Assim como os negócios se transformaram profundamente nos últimos anos, as áreas de atuação também sofrem mudanças. Avaliar essas transformações e incorporar novas habilidades é uma potente estratégia de aceleração da carreira.

Como exemplo, vamos considerar um profissional da área contábil. O clássico contador guarda-livros era um profissional procurado no século passado. Essa atividade vem se reformulando e ele deixou de ser um profissional relevante. Mas, isso não significa que a área contábil perdeu seu espaço nas empresas. Se um profissional dessa área identificou a atividade de controladoria como um espaço de oportunidade e se transformou no “controller”, certamente, manteve sua competitividade. Controladoria é uma das funções mais procuradas no mercado. Não foi o contador que morreu, mas, sim, o contador guarda-livros. O controller está mais vivo do que nunca.

Todas as áreas sofrem mudanças ao longo do tempo e o profissional precisa estar atento às transformações e fazer escolhas para incorporar novos conhecimentos.

O consultor britânico John Buchan afirmava para aqueles que querem crescer:  “encontre o gap”. Algo como: encontre espaços nos quais possa fazer algo novo.

Avaliar esses espaços e assumir os riscos para buscar esse novo posicionamento de carreira é um desafio do profissional contemporâneo.

Mas, para fazer esse mapa de tendências é preciso curiosidade. A professora italiana Francesca Gino estuda essa competência. Segundo ela, o protagonismo na carreira exige curiosidade para pesquisar e explorar novos caminhos profissionais. No entanto, seus estudos mostram que apenas 15% dos profissionais se sentem com autonomia para explorar e pesquisar algo novo. É como se esperassem a sinalização da empresa ou do chefe.

A dinâmica intensa do mercado não permite mais isso. Ter um líder que faça sugestões e encoraje para a busca de novos conhecimentos é uma dádiva. Mas, nenhum profissional pode se vitimizar e deixar de assumir o controle de sua trajetória. Afinal, é responsabilidade de cada um construir suas narrativas de carreira.

 

Demissão humanizada? Entenda a nova tendência

Preocupação está relacionada à preservação da marca empregadora e atração de talentos.

As empresas gastaram tempo, esforços e recursos para melhorar a experiência de contratação, admissão e ingresso dos funcionários nos últimos anos, mas o processo de demissão e saída tradicionalmente é feito de forma protocolar. Esse olhar menos cuidadoso para a jornada de desligamento está mudando. “Falar de uma demissão mais humanizada e do ciclo de saída é um dos grandes temas de 2022, porque as empresas se deram conta que a forma como o funcionário é demitido ou deixa a companhia é importante para a reputação. Se a experiência for ruim, ele se torna detrator da marca e isso afasta a atração de talentos”, avalia Rafael Souto, CEO da consultoria Produtive.

Uma pesquisa da consultoria, feita com mais de 5 mil profissionais demitidos, indicou que para mais da metade o desligamento não foi bem conduzido. No LinkedIn, é fácil encontrar depoimentos de profissionais que passaram por um desligamento descrito como frio e desrespeitoso. “Há um ano, por meio de uma ligação de dois minutos e 33 segundos, fui informada do meu desligamento depois de oito anos de empresa. Estava no puerpério, com dois bebês. Retornei uma ligação perdida do chefe e fui informada que não precisa voltar”, afirmou uma coordenadora de marketing em um post que viralizou na semana passada. Ela conseguiu recolocação meses depois após a demissão, e disse ao Valor que é importante trazer o tema à tona, “porque os próprios comentários do post normalizaram essa situação”.

A pandemia jogou luz para o tema diante de processos de reestruturação, eliminação de vagas e da necessidade, com o isolamento, de promover demissões de forma remota. Conduzir esses processos de forma virtual e em massa rendeu manchetes. A demissão de 900 funcionários da empresa americana Better pelo Zoom foi considerada agressiva e desrespeitosa e o CEO Vishal Garg foi temporariamente afastado e precisou se explicar publicamente.

As consultorias de outplacement Produtive e Career Group viram um aumento de 30% nas demandas relacionadas a preparação de líderes para desligamento e programas de apoio para recolocação e transição de carreira em 2020 e 2021. Segundo Fabio Cassettari, sócio do Career Group, com a pandemia o foco de muitas empresas para uma demissão mais humanizaddeixou ser direcionado apenas para altos executivos e passou a abranger outros perfis de profissionais. Foi o que ocorreu com a startup MaxMilhas.

Em abril de 2020, diante da crise no setor aéreo provocada pela pandemia, com 90% de voos cancelados, a empresa precisou desligar, de modo remoto, 167 funcionários, de todas as áreas e níveis. Luiza Rubio, diretora de gente e gestão, disse que aquele foi um dos momentos mais difíceis de sua carreira. “A empresa estava crescendo, estávamos contratando, e precisamos demitir 40% do time de uma hora para outra.”

Para conduzir o processo de forma humanizada, ela disse que o RH preparou um “script” para alinhar a comunicação com os demitidos, capacitou a liderança rapidamente e definiu que todos receberiam a notícia ao mesmo tempo, para não gerar a sensação de “eu serei o próximo?”. “Além disso, o Max [Oliveira, CEO e fundador] fez uma live com todos da empresa contextualizando, explicando que não era performance, era mercado, e dizendo que iríamos ajudar todos que estavam saindo.”

A empresa ofereceu extensão de plano de saúde para muitos, o RH se disponibilizou a revisar currículos, mas a maior ação, segundo Rubia, foi a criação de uma planilha com o nome, experiência e funções dos 167 desligados. “Pedimos autorização para compartilhar em grupos de RH, e essa lista começou a rodar entre startups, em empresas de outras áreas e, quatro meses depois, metade deles já estavam recolocados.”

Ao longo de 2021, a startup se recuperou e hoje emprega 430 profissionais. “Nosso turnover hoje está baixíssimo, em 1,8%”, diz a diretora. De aprendizado, Rubia afirma que ficou claro que faz diferença uma liderança que dá contexto, se posiciona de forma clara e aberta.

A advogada Lorena Lage, especialista em direito para startups do Lage & Oliveira Advogados, diz que a procura por aconselhamento jurídico para realizar um desembarque humanizado cresceu na pandemia. O tempo médio para um processo que começou com uma demissão mal resolvida dura de dois a seis anos, diz Lage, embora não seja somente o risco de passivo trabalhista que move o novo foco das empresas no desligamento. “As startups estão muito preocupadas em atrair talentos e em não gerar profissionais detratando sua marca, e mesmo as empresas tradicionais, que costumavam separar verba para ajuizamento de ações de passivo trabalhista, têm percebido que é ruim para a reputação”, diz.

“Falar de demissão humanizada passou a ser quase que obrigatório atualmente”, diz Sheila Ceglio, diretora de recursos humanos da Pfizer no Brasil. A empresa já possuía dois guias de orientação para demissões, um voltado a gestores e outro para profissionais, com informações práticas para consulta e leitura após a comunicação. Na pandemia, diante da necessidade de fazer o desembarque de modo virtual, os guias foram ajustados. “Como RH, buscamos preparar os líderes, trabalhar bem a mensagem do desligamento.”

Essa mensagem, segundo Ceglio, precisa ser passada com atenção e com empatia. “Antes da comunicação de um desligamento, buscamos garantir a conversa de alinhamento entre o gestor que efetuará a comunicação e o parceiro de recursos humanos.” No caso de eliminação de posição ou reestruturação, a empresa oferece um pacote adicional de desligamento, que é composto por um valor financeiro mais a extensão prolongada de plano médico.

A Ativy, grupo de tecnologia com sete startups e 360 funcionários, também estendeu o plano de saúde por três meses aos funcionários que precisou demitir durante a pandemia. Ter empatia e humanizar uma demissão significa também, segundo Danielli Ramos, Chief Happiness Officer da empresa, pensar no dia e data que o processo será realizado. “Não demitimos em retorno de férias ou às sextas-feiras e, sempre que possível, optamos por fazer isso de forma presencial.”

A empresa também faz um “bate-papo de despedida”, para passar um feedback ao funcionário e, no caso de demissão voluntária, entender os motivos que levaram o profissional a deixar a empresa. “Percebemos que era importante aguardar um tempo para realizar essa conversa, porque o profissional já assimilou sua saída e pode trazer informações com mais calma e clareza”, diz Ramos. A entrevista de desligamento passou a ser realizada dez dias após a saída. “Uma vez descobrimos que uma pessoa ficou chateada por um problema que teve com um cliente e aí o nosso CEO foi conversar com ela e pediu desculpas.”

Para padronizar processos de desembarque, capacitar a liderança para esse momento e trabalhar melhor a gestão de indicadores sobre saídas e retenção, a Suzano criou há cerca de um ano a “Jornada Marcar”. “Hoje, temos uma empresa que ajuda a cruzar as informações de saída-para entender pontos de liderança, cultura e retenção. Com esses dados, começa a ter dados para alimentar outras jornadas do colaborador pois identificamos quais são as principais ‘dores’ da organização”, diz Argentino Oliveira, diretor de gente e gestão da companhia.

Até dezembro de 2021, 900 funcionários da fabricante de celulose, de todas as áreas de negócio, passaram pelo treinamento de “desembarque humanizado” na plataforma da Universidade Suzano. “A missão da jornada é ‘marcar’ o desembarque de maneira empática, transparente e justa, respeitando a individualidade e o momento de vida e de carreira de cada pessoa”, diz Oliveira. O executivo defende que é preciso dar o mesmo peso, em termos de investimento e cuidado, para a contratação, ingresso até o desligamento, e diz que tratar a saída de um funcionário não deve ser um tabu. “Faz parte da jornada de cada pessoa entrar, fazer suas contribuições, se desenvolver e, eventualmente, sair da companhia.”

Para Souto, da Produtive, esse olhar é crucial considerando que os ciclos de carreira estão mais curtos e as pessoas saem, mas também podem voltar. Nos Estados Unidos, repensar a experiência completa de saída ganha força porque a rotatividade de funcionários está aumentando. O tempo de permanência médio no emprego é de 4,1 anos e mais de 4 milhões de americanos pediram demissão em novembro, de acordo com o Bureau of Labor Statistics. Muitos jovens estão indo às redes sociais demonstrar sua insatisfação com o trabalho, as empresas ou o status de suas carreiras. Recentemente, no Tik Tok, vídeos com a hashtag #QuitMyJob (“eu me demito”) ganharam milhões de visualizações.

Demissão humanizada: por que é importante cuidar de quem deixa a empresa

A carreira é feita de ciclos, e debater esse processo faz parte da agenda de treinamento das empresas contemporâneas.

Construir uma marca empregadora forte é um dos temas estratégicos para as empresas contemporâneas. No Brasil, vivemos um terrível paradoxo. De um lado, taxas elevadas de desemprego e mais de 13 milhões de pessoas sem trabalho. Do outro, um déficit em torno de 450 mil vagas abertas que não são preenchidas por falta de pessoas qualificadas. Esse apagão amplia a complexidade para atrair e manter talentos. Portanto, construir uma marca que seja atraente e desejada é fator decisivo para o sucesso de um negócio.

Investir nas ferramentas de seleção, integração, desenvolvimento e construção da carreira estão no centro da experiência do colaborador. Essas estratégias são fundamentais para manter os profissionais engajados e reduzir o turnover. No entanto, o ciclo de saída não pode ser esquecido. O offboarding é um dos elementos que mais determina a construção da marca empregadora no mercado. A opinião daqueles que saem da empresa é fator-chave para impactar novos colaboradores.

Segundo dados do Glassdoor, a experiência de como foram tratados na saída é um fator decisivo para 65% dos profissionais quando avaliam uma empresa. E, para mais de 70% dos entrevistados, analisar as opiniões sobre como a companhia trata as saídas é um ponto importante para decidir trabalhar na empresa.

Em síntese, o fechamento do ciclo é estratégico. E, se mal estruturado, pode afastar talentos. Isso quer dizer que a reputação de uma organização no mercado passa pela forma como conclui os ciclos de trabalho.

Um estudo realizado pela Produtive, consultoria especializada em outplacement, mostrou que 56% dos desligados dizem que a maneira como o processo ocorreu e o jeito como foram tratados foram mais importantes do que a demissão em si.

Nessa linha, construir um ciclo de offboarding passa pela organização do processo de saída. Isso inclui preparar gestores sobre como demitir de maneira empática e humanizada. Além disso, é preciso saber receber um pedido de demissão sem tornar traumática a conversa.

A carreira é feita de ciclos e debater esse processo de forma natural e estruturada faz parte da agenda de treinamento das empresas contemporâneas. Ainda me lembro da minha experiência com uma montadora japonesa. Nela, todos os líderes eram treinados para demitir. Mas alguns diziam: não estamos em reestruturação? Por que falar disso? Com profunda sabedoria, o VP de RH repetia: todo líder precisa ser treinado para desligar pessoas.

O ciclo de offbording inclui a ideia de que a saída não é um evento isolado. Seja um pedido de demissão, seja a saída motivada pela empresa. É um processo que precisa de etapas, definição de estratégias de comunicação e planejamento.

A discussão de melhores práticas entre os líderes é um bom caminho para dar musculatura para esse processo. Afinal, alguém que sai de uma empresa pode se tornar um promotor ou um detrator da companhia. E isso vai depender da forma como foi tratado na saída.