Quando a obsessão por talentos vira um pesadelo
A gestão de talentos tem se tornado uma preocupação cada vez maior para as organizações. A ideia de que a identificação de profissionais excepcionais é um fator crítico para o sucesso das empresas tem sido difundida pelos profissionais de gestão de pessoas e acolhida por líderes empresariais.
No entanto, essa crença no talentismo, como tem sido chamada, vem sendo alvo de críticas por parte de alguns especialistas em gestão. Entre eles, destaca-se o autor Matthew Stewart, que em seu artigo “The Management Myth” faz uma crítica contundente à ideia de que a gestão de talentos é a chave para o sucesso das empresas.
De acordo com Stewart, a crença no talentismo é baseada em uma visão equivocada da natureza humana, que ignora o fato de que o desempenho de uma pessoa é influenciado por uma série de fatores, incluindo a sorte e a situação em que se encontra. Ele argumenta que a obsessão por “talentos” pode levar a uma cultura organizacional que valoriza apenas o desempenho individual, em detrimento do trabalho em equipe e da construção de relações saudáveis entre colegas.
Além disso, Stewart critica a tendência das empresas segmentarem grupos de indivíduos em detrimento da equipe como um todo, argumentando que a colaboração e a diversidade de habilidades são fundamentais para o sucesso de uma organização.
A gestão de talentos pode levar a uma competição interna prejudicial para a empresa como um todo. Isso ocorre porque, em muitos casos, os chamados “talentos” são colocados em posições de destaque, enquanto outros funcionários são deixados de lado, mesmo que possuam habilidades e competências igualmente valiosas.
A concentração de recursos nesse grupo especial também pode gerar ressentimentos internos e também favorecer um sentimento de superioridade ilusória no grupo de elite. Isso pode contribuir para aumentar a toxicidade do ambiente de trabalho. A construção de “feudos” é um dos riscos mais severos para o fortalecimento de uma cultura de equipe.
Além disso, a pressão constante para se destacar no trabalho pode levar a uma falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, o que pode levar a burnout.
No entanto, a gestão de talentos pode trazer benefícios para as organizações, se for conduzida de forma adequada e equilibrada. A identificação e o desenvolvimento de talentos podem ajudar as empresas a manter uma vantagem competitiva no mercado, ao contar com profissionais altamente qualificados e inovadores. A valorização dos talentos pode aumentar a motivação e o engajamento dos funcionários. Também é uma estratégia relevante para a construção do mapa de sucessão da empresa. Mapear quais são os talentos e também refletir sobre as áreas onde a empresa não tem profissionais para ocupar posições futuras é uma ferramenta relevante para nortear as estratégias para o desenvolvimento de pessoas.
É necessário adotar uma abordagem sistêmica para o processo de gestão de talentos. Isso começa pela análise de potenciais de uma forma mais ampla, considerando performance, potencial de aprendizagem e agilidade emocional.
Esse conjunto de critérios precisa estar claro. Em organizações sem clareza de processos, o sistema de avaliação perde credibilidade.
Outro aspecto relevante para a gestão de talentos são os investimentos em educação sobre carreira, mostrando ao talento suas responsabilidades e o quanto a caminhada para construção de sua trajetória passa pela capacidade de trabalhar em grupo e contribuir para o sucesso da organização como um todo.
Esse accontability ou responsabilização na carreira é essencial para alinhar expectativas. Ser um “talento” não significa garantia de crescimento: é a sinalização de possibilidades. O desenvolvimento da carreira passará de forma inafastável pela capacidade de trazer resultados com as pessoas.