O colapso do apetite para liderar
Novo artigo de Rafael Souto, CEO da Produtive, publicado em 16 de outubro em sua coluna Novas Conexões, do Valor Econômico:
Viver num mundo corporativo sem pessoas interessadas em liderar é desesperançoso e preocupante para as nossas organizações. Neste artigo, quero demonstrar que estamos construindo esse mundo. Nossa forma de administrar empresas e pensar os negócios não estimula a formação de novos líderes. Essa caminhada inquietante rumo à extinção de gestores é um fenômeno em curso.
A questão central está no declínio da atratividade da função de liderar. No mundo do trabalho do século passado, nas turbulentas águas da falta de oportunidades e impossibilidade de pensar além do emprego, a ideia de ser chefe de alguma coisa era tentadora. Proporcionava status social e melhores ganhos financeiros. Na fase do emprego para a vida toda, aquele que era leal e atendia ao projeto empresarial tinha mais garantias de permanecer na organização e construir sua carreira. Era a troca possível, o indivíduo dava a sua vida e ganhava um trabalho que permitia pagar suas contas.
Esses executivos abriram mão da família, de seus desejos pessoais e de suas escolhas. Seus filhos cresceram vendo pais assustados e presos num modelo de pouca felicidade no trabalho. E eles não querem mais esse projeto. A estabilidade da economia e o aumento de oportunidades permitiram que as pessoas pudessem escolher. Nessa reflexão sobre estratégias de carreira e felicidade, começam a questionar o peso da carreira executiva e o impacto disso no desenho de vida.
No ultimo mês de setembro tivemos o caso de Mohamed El-Erian, CEO da empresa norte-americana PIMCO, que abandonou a posição após ter recebido uma carta da filha de dez anos listando momentos importantes em que ele não estava presente.
No mês anterior Max Schireson, CEO da empresa de tecnologia MongoDB, abandonou a posição para ter mais tempo para família.
São casos emblemáticos que revelam uma tendência.
Neste ano, completo 20 anos de trabalho com executivos em transição de carreira e percebo o aumento gradativo de pessoas que não querem assumir desafios de liderança ou pretendem abandonar a posição de comando. E, quando observo o ambiente, entendo a decisão. Líderes se tornaram o repositório de todas as coisas que ninguém consegue fazer. O gestor precisa cuidar de sua equipe, motivar, pensar a carreira, planejar as demandas, ser amigo, psicólogo de plantão e, pasmem, dar resultados também. Além de suportar conselhos de administração que parecem jurados de programa de TV, mais preocupados em criticar do que ajudar a encontrar soluções. A missão beira o impossível. O resultado está nas estatísticas médicas, com gestores tarja preta, cansados, exaustos do jogo e apenas controlando o saldo do bônus para ver se a equação fecha. Contabilizando-se o dinheiro, compensa tudo o que foi perdido. São guerreiros cansados.
Nesse contexto, não adianta promover seminários de preparação de líderes, contratar coaching ou palestras motivacionais. Isso soa como a música “she talks to rainbows”, do Ramones. É como falar para o arco-íris, as pessoas observam o ambiente e percebem que não é aquilo que procuram. O treinamento é um mundo rosa que não combina com a realidade desestimulante da liderança contemporânea.
O encantamento pela vida executiva dura nos primeiros anos de trabalho. A visão idealizada do poder e a aspiração de construir algo significativo têm sido derrubadas pelo conflito com a vida pessoal e a sobrecarga de atividades que geram uma constante sensação de dívida, nada prazerosa.
Temos duas vertentes que deixam a escolha para liderar numa encruzilhada. Os novos profissionais questionando se querem realmente isso para sua vida. E os líderes mais experientes repensando o interesse em seguir nessa corrida maluca.
A admiração pelo pensamento evolucionista me leva a citar o trabalho do britânico Richard Dawkins, autor do livro Deus é um Delírio. Embora o ateu possa parecer frio e calculista, Dawkins tem uma visão poética digna de um Messias. Ele afirma que a vida é um conjunto perfeito de fatores que deram certo. É um grande presente estarmos nesse pequeno planeta azul. Muitas coisas aconteceram para termos a oportunidade de estarmos por aqui. Portanto, temos que aproveitar esse momento mágico.
Os executivos e os jovens candidatos no mercado que estariam prontos para assumir a gestão de nossas empresas estão pensando nisso. Não querem mais dar a vida para ganhar um bônus ou reduzir os custos de produção de uma cervejaria. Querem uma causa que os inspirem com equilíbrio no seu projeto de vida.
E não adianta irmos aos congressos de gestão reclamar da falta de líderes e da ausência de talentos, porque nós estamos matando o desejo de liderar.
Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado