Novos desafios para crescer
Regras flexíveis demandam maior confiança nos líderes
Funcionários estão valorizando e avaliando melhor as empresas que oferecem oportunidades de carreira, que têm mais agilidade na tomada de decisão e onde gestores se comunicam de forma mais bidirecional e menos unilateral. Esses aspectos aparecem com força na vigésima edição da pesquisa “As Melhores na Gestão de Pessoas”, realizada pelo Valor em parceria com a consultoria Mercer.
A pesquisa indica que, de forma geral, as 35 empresas destacadas este ano estão mais flexíveis para que as pessoas sejam produtivas no dia a dia promovendo um clima maior de confiança. Nelas, os colaboradores se sentem mais bem informados por seus gestores sobre o negócio e as necessidades dos clientes. Entre os desafios gerais, porém, aparece a necessidade de se olhar para a sobrecarga de trabalho, os recursos que esses funcionários têm acesso para realizar suas tarefas (a ausência pode se configurar como uma fonte de estresse) e promover, de fato, um ambiente onde as pessoas se sintam mais equilibradas.
“As vencedoras são empresas que saíram mais fortes desses dois anos de pandemia porque estavam mais atentas à comunicação, mesmo tendo que lidar com uma força de trabalho às vezes mais dispersa e descentralizada”, diz Antonio Salvador, líder de Carreira da Mercer Brasil.
Ele destaca também a qualidade da infraestrutura que as companhias destacadas proporcionaram para os funcionários, olhando para todos os aspectos que envolvem a saúde física, mental e financeira. O resultado dessas ações combinadas, segundo ele, garantiu um índice de engajamento de 85 %. Índice próximo ao atingido no período pré-pandemia.
Mais do que um salário propriamente, os funcionários estão esperando ser desafiados no trabalho e ter oportunidades para crescer e aprender de várias formas, não somente verticalmente subindo degraus na hierarquia corporativa. Desenvolvimento de carreira é um dos pontos que distinguem as 35 vencedoras da pesquisa.
“Até há alguns anos, as empresas tinham planos de carreira estruturados, mas hoje elas nem conseguem fazer muito isso porque o mercado está mais volátil e incerto e as pessoas têm entendido que precisam criar esse espaço de desenvolvimento e aproveitar novas possibilidades para crescer”, avalia Lina Nakata, professora da FIA Business School. Isso acontece à medida que a empresa possibilita a participação de funcionários em projetos diferentes, dá visibilidade ao seu trabalho para outras áreas, permite uma colaboração maior ou inserção dele em outras equipes.
Na vigésima pesquisa “Valor Carreira”, apresentada nesta edição, quase 70% dos funcionários concordam que seus gestores criam atribuições desafiadoras e oportunidades de crescimento para eles. “As pessoas querem saber se conseguirão realizar o seu projeto de vida e carreira na empresa, querem ter essa perspectiva”, enfatiza Rafael Souto, CEO da Produtive Carreira e Conexões.
O executivo lembra que vivemos na era da personalização e é esperado que a liderança possa endereçar o desenvolvimento do colaborador, que o escute e demonstre um interesse genuíno em sua carreira para que possa oferecer projetos conectados com seus objetivos profissionais. “O líder tem que agir como um conselheiro do colaborador, mas a questão que temos visto hoje é que muitos gestores estão pressionados e não estão tendo tempo para poder apoiar o indivíduo e ajustar os projetos e os desafios aos interesses de cada funcionário”, afirma.
Na percepção dos colaboradores das empresas vencedoras de 2022, o tema Gestão de Pessoas permanece nos mesmos patamares de 2021, na sua grande maioria. O que mostra que não houve grandes avanços, em termos percentuais, na avaliação de que gestores estão dando mais feedback ou avaliando de mais forma justa o desempenho. Por outro lado, as vencedoras tiveram uma boa pontuação na questão que avalia a cultura de integridade. “As pessoas têm quatro vezes mais chance de permanecer em uma empresa que faz a coisa certa com todos os seus stakeholders”, afirma Salvador, da Mercer.
Um problema que persiste desde o início da pandemia e afeta até as melhores companhias na gestão de pessoas envolve a sobrecarga de trabalho à qual as pessoas estão submetidas até hoje. Para Claudio Garcia, professor-adjunto de gestão global da Universidade de Nova York (NYU), os novos modelos de gestão não estão levando em conta os limites humanos”, afirma.
Garcia lembra que boa parte da comunicação das empresas durante os últimos anos foi falha por dar um foco excessivo à palavra resiliência, “como se as pessoas não tivessem limitações”. E acrescenta: “As organizações se tornaram mais produtivas ao custo do ‘burnout’ dos profissionais. Pesquisas mostram que a produtividade por hora caiu, mas a produtividade por dia aumentou, o que é um sinal de que as pessoas estão trabalhando mais”, diz.
Para ele, um ambiente saudável é aquele em que o indivíduo se sente engajado cognitivamente e emocionalmente para entregar o que a empresa promete para o cliente. “É onde existe uma tensão, mas ela é positiva”, observa. “Não existe uma perspectiva de que as rotinas serão mais leves daqui para frente, mas se não houver segurança psicológica, com a criação de um ambiente onde as pessoas possam falar e experimentar sem medo, onde exista um senso de pertencimento, a situação vai ficar cada vez mais difícil”, ressalta Souto.
Nakata, da FIA, diz que não foram vistas grandes soluções por parte das empresas no ano passado, mas ações pontuais como regras para limite de horário, estímulo a pausas e algumas iniciativas para visualizar melhor onde está essa sobrecarga. “No fundo, essa é uma questão de a comunicação ser mais efetiva, direta entre gestor e funcionário, de os líderes entenderem mesmo o que torna o trabalho mais pesado para seus liderados”, diz.
Em alguns casos, ela lembra que a fonte de estresse está relacionada a recursos, dependência de informações não acessíveis a todos e falta de equipamentos para o trabalho ser realizado. Nesta edição da pesquisa “Valor Carreira”, quase 70% dos funcionários dizem que têm os recursos técnicos, o software e o suporte de TI necessários para fazerem suas entregas.
Um outro aspecto apontado na pesquisa que precisa de melhoria, no entanto, é a percepção de 54% dos funcionários de que o tempo está sendo mal usado e é desperdiçado em suas empresas. “Existem reuniões que são ineficientes, mesmo assim algumas empresas pressionam para que elas sejam presenciais e as pessoas percebem isso”, afirma Salvador. Assuntos relacionados à análise de dados, segundo ele, podem ser discutidos até melhor de forma remota.
“Uma pesquisa realizada pela Cisco mostrou que agora 9 em cada 10 reuniões vão ter sempre alguém remoto. Muitas pessoas foram contratadas e estão trabalhando de diferentes lugares, não vai dar para colocar todo mundo ao mesmo tempo no mesmo espaço. É preciso intencionalidade quando se pede a presença dos colaboradores”, diz Salvador.
Ele lembra que as pessoas experimentaram novos formatos de trabalho e aprenderam a viver de outra maneira e que essas mudanças foram incorporadas pela sociedade. “Se as companhias não mostrarem flexibilidade vão acabar atraindo um conjunto de talentos que talvez não seja o que elas mais precisam.”
Em sua pesquisa recente de mestrado, Selma Rodrigues, diretora de gestão de portfólio da Fundação Dom Cabral, e pesquisadora da área de gestão, estudou quais os estilos de liderança presentes nas organizações que sobreviveram melhor à crise da covid-19. E descobriu que foram aquelas que promoveram mais autonomia aos times, deram mais confiança, mas também o exemplo no comportamento. “Líderes que dão mais autonomia e confiam mais afloram os indivíduos para buscarem os resultados que a empresa precisa,” destaca.
Ela acredita que não dá para esperar que os gestores hoje saibam tudo, é preciso também ajudá-los a se inserirem em novos contextos de troca e aprendizado. “Hoje é muito mais complexo resolver problemas, mas temos visto no mercado resultados alavancados de empresas que estimulam seus líderes a se engajarem em redes de conhecimentos, em locais onde podem trocar e compartilhar informações e aprendizados”.
Selma também vê a ascensão da demanda por uma liderança chamada de ‘regenerativa’. “É um conceito relativamente novo, mas que vai além do papel do líder na agenda ESG. Estamos falando de líderes que conseguem despertar o melhor de cada um na organização, que criam a mentalidade nas pessoas de enxergar para além do negócio em si, de cultivarem paciência e resiliência. E isso é algo difícil de se fazer considerando os novos modelos de trabalho e interações virtuais”, avalia a diretora da Fundação Dom Cabral.
Garcia, da NYU, diz que ainda há muita polêmica sobre a efetividade da liderança que temos no comando das organizações hoje. “Existem líderes muito exigentes e demandantes que impactam a saúde dos funcionários por conta disso, mas entregam resultados, só que não se sabe se estes resultados serão sustentáveis. Por outro lado, existem gestores muito bem avaliados, que agradam a todos, mas não criam tensão suficiente e acabam não atingindo o resultado esperado”, diz. A busca pelo equilíbrio é que compõe a boa liderança, segundo ele.
O grande desafio na gestão de pessoas daqui para frente, incluindo as vencedoras, é trabalhar ainda mais a boa experiência dos funcionários nas organizações, avalia Daniela Segre, líder de engajamento e experiência do funcionário da Mercer Brasil. “E isso implica entender: o que as pessoas estão buscando hoje após dois anos de pandemia? A pesquisa nos mostra que funcionários querem trabalhar num ambiente onde possam ter opção de trabalho remoto ou híbrido, onde tenham seus esforços reconhecidos, ações para crescimento de carreira e uma visão de futuro tangível”, afirma.
“Pelo fato de as empresas ainda estarem testando o que vale a pena para cada espaço, as pessoas se sentem confusas, ficam em casa, voltam, depois voltam para casa algum dia, para o escritório outros e muitas estão insatisfeitas com esse vai e vém. O ponto é: como as empresas vão fazer as pessoas perceberem a flexibilidade que falam que oferecem?”, questiona Nakata. Cada organização vai ter que encontrar um caminho que faça sentido para o negócio e também para os funcionários e, como dizem os especialistas, não existem fórmulas prontas.