Na retomada, a volta dos carreiristas de plantão
Para a sua coluna no Valor Econômico, Rafael Souto fala sobre o risco de se tomar decisões de carreira precipitadas por conta de mais oportunidades de emprego.
Um dos temas preferidos nas rodas de conversas de fim de ano é economia. Em um país marcado por uma instabilidade quase esquizofrênica, as discussões sobre comportamento do PIB, mercado de trabalho e política são estímulos para calorosos debates.
Os dados projetados para 2018 apontam para uma retomada mais consistente da economia, considerando queda no desemprego, ainda que timidamente. Os trágicos e sombrios anos de recessão parecem estar sendo vistos apenas pelo retrovisor. O fim da maior crise econômica da história brasileira mostra estar próximo.
As projeções revelam uma tendência inevitável: as empresas voltarão a contratar. Iremos vivenciar um novo ciclo de oportunidades de trabalho e contratações.
Em 2010, passamos por um período similar. Após o impacto da crise internacional de 2008, o Brasil cresceu muito. Os empregos brotavam por todos os lados e surgiu um novo tipo de perfil profissional: o carreirista de plantão.
Sem nenhuma preocupação com a sua imagem, o mantra desse grupo era: “estou aberto às oportunidades”. Bastava surgir um convite para o carreirista analisar. Participar de processos seletivos e vencê-los era uma questão de honra. Já não importava avaliar o impacto da mudança e o ciclo que ele estava realizando na empresa atual. O foco era o novo desafio.
A partir daí, reforçamos um drama corporativo que já vinha se consolidando desde o início deste século, quando o profissional passava por períodos curtos e inconsistentes em cada empresa. Um festival de trocas sem avaliar os resultados e o amadurecimento do trabalho.
Não houve tempo de fazer nada. Simplesmente substituíam as oportunidades que surgiam e se lambuzavam com a abundante oferta de trabalho.
Foi então que se construiu uma geração de profissionais que passava mais tempo explicando por que trocou de trabalho, ao invés de destacar as suas realizações nas empresas.
Esse fenômeno foi uma resposta descalibrada – como é comum no Brasil – ao ciclo de longos períodos de trabalho em uma mesma empresa que vivenciamos até o final da década de 90.
Naquela época, era comum os profissionais permanecerem por mais de 15 anos na mesma organização. Essa fase do emprego para a vida toda foi chacoalhada pela globalização e os movimentos de reestruturação do final do século passado. Esses profissionais eram tidos como jurássicos e defasados porque viveram uma única experiência. O profissional desejado e disputado era aquele que tinha mais empresas na sua trajetória. A diversidade de experiências passou a ser sinônimo de empregabilidade.
O efeito colateral foi a enxurrada de carreiras inconsistentes. O mercado logo passou a expurgar esses profissionais e considerá-los como instáveis e não confiáveis. De um lado, tínhamos profissionais de uma única empresa com suas limitações, e do outro, passamos a aplaudir movimentos sem o devido planejamento com a falsa ideia de que múltiplas empresas no currículo mostrava um grande feito na carreira. A solidez de uma carreira vem da construção de ciclos em que os resultados em uma empresa possam ser explicados. As trocas de trabalho precisam fazer sentido em uma estratégia de desenvolvimento profissional. O ciclo ótimo de carreira pode durar dois ou dez anos em uma organização. Mas, certamente, em seis meses ou um ano não é possível ter alguma história robusta para contar.
O ponto que trago como reflexão não é a quantidade de anos em uma empresa, mas sim o legado. Assim como as empresas precisam construir suas marcas por meio de histórias consistentes produzidas no tempo, o mesmo vale para os profissionais.
Precisamos priorizar o planejamento de carreira para medir o impacto dos movimentos profissionais. Caso contrário, seremos mercenários surfando uma nova onda de crescimento econômico.