É hora de mudar as velhas práticas de gestão de pessoas
Ainda falando sobre mudanças e a importância do papel da liderança para torna-las possíveis, no novo artigo para o jornal Valor Econômico, Rafael Souto, CEO da Produtive, provoca reflexões sobre as práticas de gestão de pessoas e como as empresas contraditoriamente defendem e inibem o protagonismo dos colaboradores.
Em uma época de mudanças aceleradas e inovação como prioridade na agenda das empresas, as velhas práticas de gestão de pessoas são entraves para uma transformação efetiva dos negócios.
No campo das inovações, uma das iniciativas mais frequentes tem sido o estímulo ao protagonismo dos colaboradores. Essa filosofia significa dar autonomia para as pessoas conduzirem suas carreiras e elaborarem seus projetos de desenvolvimento. O indivíduo passa a ser o responsável pela sua trajetória e busca seus espaços na organização. É uma resposta contemporânea para o fim do plano de carreira elaborado pela empresa.
A imprevisibilidade dos negócios e suas atuais estruturas determinaram o funeral do conhecido plano de carreira com progressão linear e gerido pela empresa. Faz sentido estimular as pessoas a diminuírem dependência da empresa e a construírem seus espaços, refletindo sobre sua carreira e avaliando as oportunidades que vão surgindo. O plano passa a ser do colaborador que deve ter prontidão para os desafios que surgem.
No entanto, boa parte dos processos internos de gestão e movimentação de pessoas não combina, pelo contrário, faz o protagonismo dos funcionários sucumbir. Nesse conjunto de prática obsoletas, um dos expoentes é a necessidade de pedir autorização para o chefe para participar de processos seletivos internos.
No brilhante estudo das psicólogas norte-americanas Beverly Kaye e Julie Winkle Giulione, quase 50% das organizações avaliadas ainda mantinham um manifesto ultrapassado de comando e controle.
Se uma pessoa é protagonista e responsável pela sua carreira não faz sentido que seu chefe a autorize a participar de uma seleção para uma vaga interna. Ela deve ser livre para fluir na empresa e conversar com seu líder sobre seu interesse como forma de respeito e troca de ideias para avaliar o movimento de carreira. A necessidade de aprovação nos remete ao mais obscuro controle hierárquico que só afasta as pessoas mais talentosas em busca de outras empresas.
No livro chamado “Ajude-os a crescer ou assista a eles irem embora”, Beverly e Julie apresentam dados sobre pedidos de demissão em diversas empresas ao redor do planeta. Mostram que os indivíduos que percebem que suas carreiras estão travadas por um líder que não permite movimentos são mais suscetíveis a irem embora.
Outra prática que já cheira a naftalina são as avaliações de desempenho. No mundo analógico e mais lento do século passado fazia sentido esperar um semestre ou o fechamento do ano fiscal para conversar sobre resultados. Hoje, esse sistema beira ao absurdo. Deixar para dar feedbacks e falar sobre performance em dinâmicas lentas e atrasadas não fazem mais sentido. Algumas empresas já extinguiram esse modelo e passaram a determinar que a avaliação seja realizada durante a jornada, nos momentos de contato do líder com o funcionário e que ocorrem de maneira sistemática ao longo do ano.
O tema sucessão também entra na lista das práticas que precisam ser remodeladas.
Construir um mapa de pessoas para prever como a empresa desenvolve novos líderes e sustenta o negócio faz sentido. O problema é que os modelos tradicionais de sucessão foram elaborados numa realidade que não confere com o mundo do trabalho em que vivemos.
Em muitos modelos recheados de etapas e palavras importados como “assessment center”, a empesa avalia pessoas e aponta potenciais. Mas, na maioria dos modelos, falta a discussão de interesses de carreira dos indivíduos. O diálogo entre líder e colaborador é uma base de sustentação para os planos de sucessão. Sem isso, o mapa tem olhar unilateral de interesse organizacional sem relação com as ambições e planos dos indivíduos. Como resultado, há frustrações e decisões equivocadas de movimentos internos. É preciso construir novos modelos em que a colaborador manifeste seus interesses de carreira e o mapa de sucessão o incorpore.
Também podemos inserir nessa reflexão, as práticas informais que ainda dominam as organizações. Há alguns meses, atendi a um executivo que buscava trocar de trabalho. Ao questioná-lo sobre o motivo da mudança, ele relatou que já havia recusado duas propostas de movimento interno. Eu respondi que isso não seria um motivo para ele querer sair da empresa, uma vez que poderiam surgir outras oportunidades ou mesmo ele ter interesse em ficar na posição em que estava. Ainda assim esse executivo insistiu e disse que foi aconselhado por colegas a buscar outro trabalho, pois a cultura interna era de punir ao exílio aqueles que recusam mais de uma vez uma vaga oferecida pela empresa. Ou seja: em sua percepção, estava condenado porque entendeu que as oportunidades oferecidas não eram interessantes e, portanto, seria colocado na geladeira da empresa. Punido por seu protagonismo. Este fato pode parecer cruel, mas compõe a dinâmica de muitas empresas.
Assim como conchavos entre líderes para barrar profissionais, colocando a agenda de sua área acima da empresa. A transformação verdadeira nas empresas começa pela forma de gerir as pessoas. Nenhum líder pode tolir o desenvolvimento de um profissional para proteger sua área. Barrar movimentos internos é uma mensagem de retrocesso e só afasta os melhores profissionais.
A nova cultura na gestão de pessoas exige diálogo e construção em oposição aos modelos de controle e rigidez que ainda reinam no mercado.