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Manifesto de carreira: entenda por que as empresas devem ter um

“Vocês oferecem plano de carreira?” Até o fim dos anos 1990, essa era uma pergunta não só pertinente como recomendável para um candidato fazer numa entrevista de emprego.

Há alguns anos, ela não faz mais sentido algum. Mas, basta conversar com um recrutador para ter a confirmação de que, sim, muitos profissionais ainda levam esse questionamento para a sala de entrevistas.

O plano de carreira oferecido pela empresa é peça de museu. Hoje em dia, a construção do plano e da carreira só pode ser feita pelo indivíduo. A imprevisibilidade, fruto das rápidas mudanças no mercado e na sociedade, tornou impossível a oferta de um plano com rota previsível e linear de carreira. No entanto, é natural que a conscientização sobre as transformações no mundo do trabalho e seus efeitos na evolução de carreira dos profissionais seja gradual. 

Mudanças de paradigma levam tempo e estamos diante de uma profunda mudança cultural nas empresas. O modelo de emprego baseado em comando e controle  da organização vigorou por cerca de uma centena anos. Por isso, a mentalidade arraigada na busca por um plano de carreira estruturado persiste mesmo em meio à evidente fluidez do mercado de trabalho.

Para que os profissionais compreendam essa nova dinâmica e se preparem para uma carreira mais flexível e adaptável, a orientação e o fornecimento de ferramentas são essenciais.

Vivemos um período de forte demanda por educação sobre carreira. Definir, organizar e comunicar as práticas internas relacionadas à evolução profissional é um importante passo para a adoção de modelos de carreira mais conectados à atualidade.

Uma ferramenta relevante para empresas nesse processo de mudança cultural tem sido a produção de um manifesto de carreira.  O documento é um conjunto de diretrizes sobre o tema e o principal objetivo é organizar a visão da organização sobre o tema carreira. O manifesto formaliza a intenção da empresa, define os papéis e norteia a atuação dos líderes. 

 Do ponto de vista dos indivíduos, o manifesto pode ser um balizador da tomada de decisão em eventuais propostas de emprego. O tratamento dado por uma organização à jornada de carreira dos seus funcionários tem sido crucial na análise de um potencial empregador. Um recente estudo da Mercer indicou que as empresas que investem em desenvolvimento de carreira têm uma taxa de rotatividade 34% menor do que as que não investem.

A Produtive tem apoiado diversas empresas na construção desse manifesto e uma das suas premissas é a colaboração. Ele não pode ser uma imposição do RH, deve ser fruto de uma construção coletiva, entre pessoas da área de recursos humanos e líderes influentes. É importante constituir um time representativo da organização e promover debates sobre o assunto.

Dessas discussões podem surgir as questões importantes sobre a percepção dos indivíduos sobre as oportunidades de carreira e desenvolvimento oferecidas pelas organizações. Temas como a livre-movimentação de talentos e segurança psicológica têm aparecido nos workshops  que temos conduzido. Esses apontamentos são indicativos relevantes de tópicos que devem entrar no texto do documento.

O manifesto de carreira desempenha um papel crucial ao definir e resguardar os papéis e responsabilidades relacionados ao desenvolvimento profissional. Apesar da clareza que o departamento de Recursos Humanos possa ter em relação aos papéis dos colaboradores, líderes e da área de gestão de pessoas, nem sempre há total alinhamento entre eles. 

Após os debates, uma das pessoas responsáveis pela condução das reuniões deve redigir os conceitos gerais e apresentar, dando sequência à elaboração do manifesto. Nossa sugestão é que o manifesto comece com a definição do conceito de carreira e na sequência traga os papéis de cada um nessa caminhada. 

Na Produtive, defendemos que o indivíduo é o protagonista da sua carreira e o líder um apoiador, educador e conselheiro no processo de desenvolvimento. À organização cabe o amparo nesse processo. Respondendo a pergunta do candidato do começo do artigo,  a empresa não fornece o plano de carreira pronto, mas dá as ferramentas e recursos necessários para que os profissionais construam o seu próprio caminho. 

Assista ao Manifesto de Carreira da Produtive:

https://www.youtube.com/watch?v=ab3HOSurhWk&ab_channel=ProdutiveCarreira

Você é o que você posta? Como o mercado de trabalho lida com as redes sociais

Não é só no LinkedIn que se constrói reputação profissional. Recrutadores e gestores de empresas também estão de olho nas suas fotos e opiniões no ambiente digital – e ficar fora dessa pode significar risco de apagamento

Como diretora de recursos humanos, faz parte da rotina de Juliene Salvan pesquisar, recrutar, entrevistar e contratar profissionais do mercado. Quando está às voltas com um processo seletivo no Grupo Bandeirantes, onde trabalha atualmente, costuma olhar “de forma restrita” aqueles candidatos que não se dedicam a ter um perfil nas redes sociais ou não mantém suas contas atualizadas e engajadas. “Isso pode atrapalhar especialmente quem disputa uma vaga de analista, gestor ou um cargo estratégico dentro da empresa. Até para quem ainda está se desenvolvendo profissionalmente, não ter pelo menos um perfil no LinkedIn, por exemplo, pode ser visto de forma ruim”, diz Juliene.

E se engana quem acredita que o LinkedIn, a principal plataforma voltada para contatos profissionais, seja a única rede utilizada por quem contrata e gerencia. O que você posta no Facebook, no Instagram e no X (o antigo Twitter), também está na mira da turma dos RHs. Segundo Marcia Oliveira, consultora sênior de carreira da Produtive, consultoria de conexões com o mercado, é por essas redes que os recrutadores e chefes conseguem avaliar quesitos como perfil comportamental e inteligência emocional. “Ali pode se ver, na prática, como a pessoa relaciona, quais são seus hábitos e preferências.”

Seja para quem está buscando um trabalho ou quer crescer dentro de uma empresa, estar fora das redes sociais significa risco de apagamento. “Só ter boas entregas e não conseguir mostrar isso de maneira adequada para o mercado, pode ser um entrave sim. A rede social é parte da rota do algoritmo do indivíduo”, diz Marcia.

Você é uma marca

Escritor e especialista em comportamento, André Carvalhal é autor do “Curso Canvas de Marca Pessoal com Propósito”. Ele defende que, com as redes sociais, as pessoas tiveram a chance de fazer algo que antes só era feito pelas marcas: propaganda de si mesmas. “Se você tem uma conta aberta, você é uma marca, independentemente de estar pensando nisso ou não. Quando a gente entra em um perfil, consegue entender quem aquela pessoa significa, do que ela gosta, onde ela vai e como é a sua vida, sendo tudo isso verdade ou não”, explica Carvalhal. “Por meio da autopublicação, as pessoas vão construindo uma imagem”, completa.

“Se você tem uma conta aberta, você é uma marca, independentemente de estar pensando nisso ou não”

Mas tal poder traz responsabilidades. E assim como acontece com as marcas, uma publicação equivocada pode gerar cancelamento. “Se você está nas redes sociais, sua imagem está disponível para o julgamento de outras pessoas. E quem são essas pessoas? São seus clientes, os recrutadores das empresas, seus chefes…”, analisa Carvalhal.

“O ambiente digital não pode ser usado de forma indiscriminada. Você precisa ser estratégico para saber o que postar e como se posicionar”, diz a diretora de RH Juliene Salvan. “Já vimos profissionais serem desligados das redes por fazerem postagens inadequadas, especialmente quando é sobre algum assunto relacionado a respeito à diversidade. O limite da sua liberdade termina quando começa a do outro.”

Não sou obrigado

Com tanto em jogo, há quem prefira se manter distante das demandas de cuidar de um perfil. Mas e quando a empresa em que se trabalha tem uma cultura de uso intenso das redes sociais? A relações públicas Diana, 49 anos, nunca foi muito fã de expor sua vida nas redes – tinha uma conta aberta no Facebook, mas quase não postava. De vez em quando observava o que seus contatos publicavam e achava útil a função da plataforma de avisar datas de aniversários. Tudo mudou há dois anos, quando ela trocou o emprego no banco – onde estava há 13 anos – por uma agência de marketing e publicidade. “Comecei a notar um estranhamento dos colegas quando eu dizia que não tinha Instagram. Fiquei sabendo que alguns até me achavam antipática, por pensarem que estava escondendo meu perfil para ninguém bisbilhotar”, conta Diana.

Depois de algumas situações de climão gerado pela falta da plataforma de fotos, a RP abriu seu perfil. “Era sempre muito chato quando alguém tirava uma foto para postar, perguntava minha arroba para me marcar e eu dizia que não tinha Instagram. Acabei cedendo então”. Mas o que Diana tinha dado por resolvido, não parou por aí. Um de seus superiores no escritório sugeriu que ela passasse a postar os feitos e realizações de sua equipe em suas redes pessoais. “Ele me disse que era importante para que o time se sentisse prestigiado e que todos os meus pares na empresa faziam isso. Não posso dizer que fui obrigada, mas sugestão de chefe nunca é sugestão, a gente sabe…”

Casos como o de Diana são comuns por não haver uma regulamentação quando o assunto é rede social versus mercado de trabalho, pontua Carvalhal. “Deveria haver por parte das empresas a noção de que elas não são donas da imagem do funcionário. Hoje em dia se confunde muito isso”, diz o escritor. “Já ouvi relatos que se aproximavam do assédio moral”, completa.

Carvalhal acredita que, quando uma empresa pede que o funcionário poste algo, aquele deveria ser um trabalho remunerado, já que se trata de produção de conteúdo. Ele cita como exemplo vendedores de algumas lojas, que utilizam suas redes pessoais para fechar negócio, com o apoio da marca que representam. “Algumas oferecem um código aos seus vendedores onde disponibilizam descontos aos clientes em suas redes sociais. Percebemos que algumas pessoas se sentem mais, outras menos à vontade de fazer isso, mas é algo que de fato é quase como se fosse uma opção. Nesse sentido me parece mais coerente.”

Como aproveitar o melhor das redes

Apesar do cerco fechado, os especialistas acreditam que ainda dá para se manter fora das redes sociais – por mais que isso signifique “ficar de fora da festa” em alguns momentos. “Ninguém deve fazer algo por se sentir pressionado. Abrir uma conta depende do entendimento do quanto isso é relevante para cada um”, diz Juliene Salvan. “Porque você entende que isso te agrega e que tudo que é usado com equilíbrio não tem que fazer mal”. No entanto, todos concordam que uma conta bem administrada ajuda a construir reputação profissional.

Carvalhal diz que o primeiro passo para isso é ter em mente que as redes sociais são vitrines e tudo aquilo que se posta resulta numa imagem que vai ser formada sobre você. “Algumas pessoas falam sobre seus trabalhos, outros sobre suas vidas. Tem também alguns perfis profissionais humanizados: sou um arquiteto que mostro meus trabalhos, mas também minha família, minha casa e meu dia a dia. Com isso, conseguem se conectar com quem se interesse por esse tipo de conteúdo”, indica. “Mas o importante é ter a consciência de que tudo aquilo que você posta ajuda a criar uma imagem de você e que essa imagem precisa ser algo que vai se sustentar.”

Autenticidade também é a dica de Juliene. E, quando o assunto é trabalho, é importante também entender o feat cultural e ideológico que se tem com a empresa, “para que você não se veja em situações em que seja obrigado a não ser quem é”. “Nesse caso, o ideal é se manter isento de algumas polêmicas. Isso não significa deixar de dar sua opinião no X, mas que saiba fazer isso de forma respeitosa e educada”, diz a diretora de RH. “Divergir da empresa que você trabalha faz parte. Mas a maneira com que se aborda isso, é muito relevante.”

E se o objetivo nas redes é 100% profissional, relevância é a palavra de ordem, como explica a consultora de carreira Marcia Oliveira. “Compartilhe conhecimento. Não adianta postar uma foto dizendo que você esteve em um congresso ou concluiu algum curso”, indica. “Cite algo que aprendeu ali, as trocas que teve ou algo que seja útil para quem te acompanha. Senão vai ser apenas um post pretensioso.”

Como funciona a empresa que se organiza por habilidades

Os modelos tradicionais de construção da estrutura do trabalho baseados em organogramas hierárquicos clássicos vêm sofrendo por não corresponderem aos anseios de desenvolvimento das pessoas e também serem limitantes para entregar todo o valor que os negócios precisam. De um lado, indivíduos com expectativas crescentes de desenvolvimento pressionam por crescimento e oportunidades. Do outro, negócios sendo desafiados a ser cada vez mais velozes e inovadores para acompanhar as transformações da sociedade.

Um estudo global realizado no início de 2023 pelo Linkedin mostrou que 61% dos entrevistados estariam dispostos a trocar de trabalho se não visualizassem oportunidades de desenvolvimento. Não necessariamente alteração de cargo, mas chances para aprender e crescer profissionalmente.

Os desafios para engajar talentos gerando oportunidades somados aos crescentes problemas de negócios fazem com que tenhamos que pensar uma forma diferente de moldar o trabalho.

Em vez de estarmos fixados em descrição de cargos e funções tradicionais é hora de  pensarmos em organizar o trabalho por habilidades.

No célebre livro Reinventando as Organizações, o autor Frederic Laloux apresenta um novo sistema para organizar o trabalho. Chama as empresas que adotam um novo formato de organizações Teal. Elas são caracterizadas por estrutura auto-organizada e um profundo senso de propósito. A gestão é distribuída, equipes operam com alto grau de autonomia. As decisões são tomadas por aqueles mais próximos do problema, a hierarquia é mínima.

Os modelos sugeridos por Laloux são disruptivos e difíceis de serem implementados porque mexem com um aspecto central das organizações: a dinâmica de poder.

Embora distante da maioria das empresas, reflexões sobre descentralização de poder e equipes autodirigidas são uma luz para referenciar a transformação nas estruturas.

Essa caminhada para moldar uma estrutura mais ágil pode ser feita de forma gradual. Nesse contexto é que entra o conceito de gestão por habilidades. Empresas como Bayer, Novartis e Coca-Cola vem discutindo e implementando formatos nessa direção. No Brasil, a CBA (Companhia Brasileira de Alumínio) é um exemplo de empresa que busca novos formatos.

Uma organização dirigida por habilidades coloca as competências dos seus colaboradores no centro das decisões e operações. O foco é garantir que as pessoas sejam alocadas em tarefas e projetos com base em suas habilidades e conhecimentos, a fim de maximizar a eficiência, a produtividade e a satisfação. A organização prioriza a correspondência entre as habilidades, competências, experiências dos funcionários e as funções que desempenham.

Essas organizações são flexíveis e adaptáveis, permitindo que as equipes se ajustem rapidamente às mudanças nas demandas. A alocação de pessoal pode ser reconfigurada conforme necessário.

A organização investe no desenvolvimento contínuo das habilidades, reconhecendo que a aprendizagem e a evolução são essenciais para manter a relevância e a eficácia. Podem ser mais inovadoras, pois as equipes são compostas por pessoas com as habilidades certas para abordar problemas complexos e promover a criatividade.

A alocação eficaz de habilidades leva a uma maior eficiência e produtividade, pois as pessoas estão aptas a realizar suas tarefas com eficácia.

Uma organização dirigida por habilidades pode adotar muitos princípios de uma organização Teal, especialmente relacionados à autonomia, colaboração e desenvolvimento contínuo. Ela busca criar um ambiente em que as habilidades dos funcionários sejam reconhecidas, desenvolvidas e aplicadas de forma eficaz.

Líder, eu? Não, obrigado!

As novas gerações, em especial a Z, não demonstram interesse pelos cargos de liderança. Especialistas comentam as prioridades desse público e os impactos dessa tendência no mercado de trabalho

Sabe aquela ideia de se formar, trabalhar em uma boa empresa, construir uma carreira bem-sucedida e chegar à liderança? Pois bem, se você se identificou com esse plano de carreira é provável que o seu currículo já possua algumas décadas de experiência. Isso porque, contrariando a ambição dos mais experientes, as novas gerações, em especial a Z – a última a chegar no mercado de trabalho – têm deixado claro que o desejo de alcançar os mais altos cargos nas corporações não faz parte da sua lista de objetivos profissionais.

De acordo com a pesquisa do consultor de carreiras de Harvard, Gorick Ng, apenas 2% dos jovens nascidos entre 1997 e 2012 têm interesse em chegar às posições de liderança. No estudo, Ng, que também é autor do best-seller The Unspoken Rules (“As Regras Não Ditas”), entrevistou centenas de jovens em todo mundo e identificou que as prioridades desse público são, por exemplo, a estabilidade financeira, o equilíbrio pessoal e profissional, a vontade de ser o seu próprio chefe e o desejo de impactar positivamente.

Entre os fatores que contribuem para a falta de interesse das novas gerações pela liderança, segundo Rafael Souto, CEO da Produtive e especialista em carreira, estão o excesso de horas de trabalho e a sobrecarga da liderança, aspectos que podem pesar na avaliação do jovem. “Ele vê o líder afogado na operação e repensa se quer seguir esse caminho”, comenta.

O modelo “comando e controle”, ainda presente em grande parte das empresas, é outro ponto que justifica o desinteresse dos jovens pelo topo da pirâmide corporativa. Segundo o Adm. Vicente Picarelli, especialista em gestão de pessoas e sócio-diretor na Picarelli Human Consulting, nesse modelo a relação se limita ao exercício do poder de uma pessoa sobre a outra, independentemente da capacidade do primeiro de orientar e desenvolver o segundo. “Esta hierarquia não é aceita pela maioria dos jovens, que vê refletida nela as experiências negativas vivenciadas por seus pais ou conhecidos”, esclarece.

O que os jovens querem

Bem mais que um modelo ideal de trabalho, os jovens da geração Z têm um olhar profundo sobre propósito, explica Souto. De acordo com o CEO, a nova geração renuncia mais ao estresse e às cobranças excessivas no trabalho e demanda mais flexibilidade e qualidade nas trocas profissionais. Além disso, eles querem ter mais conversas sobre carreira com seus líderes, de forma personalizada e enriquecedora. “As decisões relacionadas à vida profissional estão mais conectadas com a compreensão de vida, valores e autoconhecimento. A carreira não é mais linear e nem previsível, assim como o ambiente no qual estamos inseridos”, diz.

Outro ponto que os novos profissionais valorizam nos ambientes corporativos é a relação colaborativa entre as pessoas, que se unem em prol de um objetivo. “Estes modelos são normalmente baseados em projetos. Não têm hierarquia e sua liderança, muitas vezes, é exercida de forma alternada”, conta Picarelli.

Os especialistas concordam que o fator qualidade de vida também tem influenciado a nova geração a abdicar dos cargos de liderança. “O excesso de trabalho dos líderes e o pouco espaço para o desenvolvimento de pessoas afugenta os jovens que valorizam a qualidade de vida como pilar da carreira”, alega Souto. Picarelli complementa que este quesito se tornou um direito inegociável. “O nível de consciência deste tema é que define suas escolhas profissionais”, diz.

Novos tempos

pesquisa global Millennial & Gen Z Survey 2023, promovida pela Deloitte no início deste ano, mostra que a nova geração avalia, também, o impacto que a empresa gera na sociedade e, claro, as diferentes formas de flexibilidade, como trabalhar menos horas sem afetar o desenvolvimento da organização, por exemplo.

A amostra brasileira do estudo, que contou com a participação de 800 jovens, sendo 500 da geração Z e 300 millennials, também revelou que metade dos gen-Z se sente ansiosa ou estressada na maior parte do tempo.

Outros tópicos do levantamento mostram as opções dos jovens em diversas situações: 31% já rejeitaram uma tarefa ou um potencial empregador por não concordar com os seus princípios éticos e crenças, 76% considerariam procurar um novo emprego se tivessem que trabalhar presencialmente em tempo integral e 69% acreditam ter o poder de promover mudanças.

Impactos no mercado

O desapego pelos cargos executivos, na opinião do CEO da Produtive, pode alavancar um dos principais desafios que a área de Recursos Humanos vivencia nos dias atuais: atração e retenção de talentos, acirrando, assim, a competição entre as organizações.

Os impactos, no entanto, não param por aí. Segundo Dani Plesnik, líder de Talent na Deloitte, se não houver efetivamente uma ação que motive os jovens a desejarem os cargos de liderança, algumas deficiências podem ser geradas na economia e no ambiente de negócios, como a falta de inovação e criatividade, a ausência de diversidade de pensamento, o impacto na cultura organizacional e a perda de oportunidades para a juventude.

Aspirações e encontro das gerações

Até algumas décadas atrás, o perfil profissional seguia um padrão previsível e linear, no qual entrava-se na organização com o objetivo de ali permanecer até a aposentadoria. “As aspirações de gerações como as dos baby boomers (nascidos entre 1945 e 1964) eram guiadas pelo plano de carreira disponibilizado pelas empresas. Recusar um cargo de liderança era mal visto”, comenta o CEO da Produtive.

Hoje, porém, isso não é mais tão previsível e sua condução está nas mãos dos indivíduos. “O protagonismo de carreira é uma necessidade no novo mundo do trabalho, imprevisível e volátil. As decisões das novas gerações estão pautadas no desenho de vida dos indivíduos, no propósito e na satisfação”, complementa Souto.

A questão é que atualmente esses diferentes perfis profissionais, isto é, os baby boomers, a geração X (de 1965 a 1980), os millennials ou geração Y (1980 a 1995) e a Z (1995 a 2010) passaram a conviver juntos no mercado de trabalho. Embora não exista um modelo de carreira que agrade as particularidades das diferentes gerações, Souto afirma que é preciso personalizar a relação e, para isso, é necessário que os líderes conheçam suas equipes e dialoguem com os times.

“A prática de diálogos consistentes sobre carreira é uma das bases das relações nesse novo mundo do trabalho, assim como a construção de um ambiente de segurança psicológica e a abertura à diversidade de todas as formas. Não dá para a empresa ou o líder inferir o que acha melhor para a trajetória dos seus colaboradores. Essa é uma construção de cada indivíduo. Os mapas de sucessão das empresas devem levar em consideração essas mudanças e os interesses de carreira de cada colaborador”, orienta o CEO.

Diante desse novo cenário corporativo, a executiva da Deloitte considera importante que as lideranças atuais se adaptem e criem oportunidades de colaboração e troca. “Para atrair, manter talentos e até mesmo incentivar o alcance dessa posição, as empresas devem priorizar a harmonização entre trabalho e vida pessoal, promover um ambiente inclusivo e diversificado, oferecer opções flexíveis de trabalho, discutir e endereçar o bem-estar mental. Estamos todos reaprendendo a ser líderes após uma pandemia, trocando experiências do que pode ser feito de maneira diferente, harmonizando pessoas e negócios”, afirma Dani.

Perfil do líder no futuro

Se até poucos anos atrás, os líderes eram cobrados por entrega de resultado e alta produtividade, as análises atuais relacionadas ao perfil da liderança comprovam que o panorama está mais complexo. De acordo com a líder da Deloitte, o cenário está mais amplo porque, além do resultado financeiro, que mantém um negócio aberto, inseriu-se também questões de diversidade e inclusão, sustentabilidade e gestão emocional.

“Estamos em um período de muitas modificações na forma de trabalhar e o papel do líder do futuro (que já é agora) será o de olhar de modo mais abrangente para a atribuição das pessoas nas empresas, bem como a responsabilidade das organizações na sociedade. Isso traz um desafio maior ao utilizar habilidades, como criatividade, iniciativa, aprendizado contínuo e, claro, muita tecnologia”, sugere Dani.

Em relação à competência, uma das mais pertinentes para os líderes nos próximos anos, segundo o CEO da Produtive, é a future literacy (a alfabetização sobre futuros). Trata-se de uma disciplina criada pela UNESCO e citada pelo Fórum Econômico Mundial como uma das habilidades mais importantes para a liderança. “Ela diz respeito à capacidade de considerar cenários e analisar possibilidades para a empresa, o seu trabalho e sua carreira. Falamos em futuros possíveis, e dedicar tempo para construir macro-objetivos, avaliar condições e principalmente impulsionar as transformações é uma competência essencial para o líder de hoje e do futuro”, considera Souto.

E, com a tecnologia acelerando cada vez mais as mudanças nas corporações, Picarelli acredita que este líder do futuro também vai precisar combinar a inteligência artificial com a inteligência emocional para ativar o potencial humano. Basta saber se os jovens irão querer entrar nesse jogo.

Moldando o futuro das organizações com talentos ágeis

No ambiente empresarial, o conceito de agilidade ganhou força há duas décadas com a divulgação do Manifesto Ágil, uma declaração de valores e princípios essenciais para o desenvolvimento de softwares, escrita por profissionais de TI no início dos anos 2000.

A essência do pensamento ágil, inspiração para a metodologia Agile, está conectada a valores como, interação, colaboração, resultado, melhoria contínua e ancorada em doze princípios. Entre os principais ganhos, ao longo dos anos, para as empresas que apostam em metodologias ágeis estão a proposta de aprimoramento constante, ciclos contínuos de feedback e a capacidade de errar mais rápido. 

Do ponto de vista do comportamento humano, a abertura ao aprendizado e a rapidez de adaptação compõem o DNA de mindsets conectados à agilidade. A velocidade, aliás, está marcada na etimologia da agilidade, o termo vem do latim agilitas que significa rapidez, mobilidade e que, por sua vez, deriva-se do verbo agere: mover-se, deslocar-se.

Num mundo globalizado – volátil, incerto, complexo e ambíguo – tenho defendido que a agilidade deve nortear a análise de potencial dos indivíduos. Pegando carona no deslocamento expressado pelo verbo latino que originou o termo, é preciso levar a previsão de potencial para o contexto de futuro. 

Em que pese a relevância da performance de curto prazo, será a prevalência de indivíduos com alta habilidade de aprendizagem que determinará o futuro da organização. Sucesso passado só se torna indicativo de potencial quando está aliado à mentalidade ágil.Uma agilidade diversa e aberta.

A aprendizagem técnica e comportamental é uma das medidas da agilidade. O talento do futuro é o mais ágil para aprender. A expressão learning agility tem sido difundida pelo Center for Creative Leadership (CCL) como uma característica fundamental para o desenvolvimento profissional contínuo. Profissionais com agilidade de aprendizado têm habilidades para questionar o status quo, inovar, executar, revisar comportamentos. 

São pessoas curiosas e que estão constantemente em busca de situações novas, que se nutrem  com novas descobertas. Um perfil profissional que se beneficia com uma proposta de carreira não linear, com oportunidades de contribuição em mais de uma área da empresa. Digo e repito: só os curiosos vencerão.

No campo das emoções, a agilidade é o foco do estudo da  pesquisadora Susan David, autora do livro Agilidade Emocional. Líderes com essa característica conseguem adaptar sua comunicação de acordo com o estilo do time, permitindo que as pessoas sejam emocionalmente genuínas. 

Levam a conexão com a equipe para um patamar ainda mais profundo, num terreno de segurança psicológica, em que as pessoas podem se sentir confortáveis para falar o que pensam e dividir expectativas de carreira e desenvolvimento. A meta suprema da agilidade emocional é manter ao longo da vida um sentimento de desafio e de crescimento vivo e saudável, resume a autora. 

Essencial para um profissional que aspire a gestão de pessoas, a agilidade emocional é uma característica ligada à dimensão social da inteligência emocional. Descrita por Daniel Goleman no livro “Inteligência Social”, ela desempenha um papel extremamente relevante nas relações interpessoais e na sociedade como um todo. Reúne habilidades com empatia, compreensão social, comunicação eficaz entre outras competências que melhoram a relação com os outros. 

Numa releitura da famosa frase do empreendedor alemão Peter Schutz, CEO da Porsche na década de 1980, “contrate caráter e treine habilidades”, a recomendação mais contemporânea poderia ser a de indicar que as organizações, além do caráter, contratem profissionais com uma mentalidade ágil.

Agilidade para aprender define potencial dos funcionários

“No nosso time hoje, quem são as pessoas que mais aprendem? Onde estão os colaboradores mais curiosos e interessados em adquirir novos conhecimentos?” Essa é uma das perguntas chave para se fazer nos comitês de gestão de pessoas de organizações contemporâneas. 

A identificação da capacidade de aprendizagem sempre foi importante para avaliar o potencial de contribuição de um profissional para a organização. Mas, atualmente, passou a ser condição inequívoca para a continuidade das empresas no mercado.

Nunca a forma de viver e trabalhar mudou tão rapidamente quanto agora. Nesse contexto, a relevância da curiosidade é ainda maior, pois ela é o motor da aprendizagem, tem uma função importante de estímulo à neuroplasticidade, que é a capacidade de o cérebro estabelecer novas conexões possibilitando o aprendizado em qualquer fase da vida.

É necessário deslocar do passado para o futuro a previsão de potencial de um profissional. As ações do RH devem mirar especialmente nessa disposição para o aprendizado, tentando identificar o comportamento aberto à aquisição de novos conhecimentos  e adaptável às rápidas transformações. 

 Não faz mais sentido concluir potencial com base apenas em entregas passadas e competências antes demonstradas. As organizações devem encontrar e desenvolver pessoas que possam constantemente abandonar habilidades, perspectivas e ideias obsoletas e aprender novas que sejam relevantes.

 O diretor do Center for Creative Leadership (CCL), George Hallenbeck, criou há alguns anos o termo learning agility, a agilidade de aprendizagem.  Hallenbeck costuma dizer que aprender é uma escolha e nem todas as pessoas estão dispostas para a aprendizagem. A agilidade de aprendizagem é uma mentalidade, com cinco facetas comportamentais que podem ser medidas e aprimoradas.

Estudos realizados pelo CCL revelam que líderes que persistem em manter comportamentos arraigados ou não percebem as sutilezas em diversas circunstâncias frequentemente enfrentam insucessos, ao passo que líderes que  continuam a jornada de evolução prosperam.

Indivíduos mais flexíveis na aprendizagem e com sede de conhecimento ao longo de suas trajetórias ganham musculatura para enfrentar os desafios e obter as respostas necessárias ao longo da carreira.

Só encontra respostas quem sabe perguntar. Exercitar o poder de questionamento de alunos tem, aliás, sido estratégia das melhores escolas do Brasil para incorporar os benefícios trazidos pela inteligência artificial e ferramentas criativas como o Chat GPT. O objetivo é deixar a nova geração mais afiada na arte de perguntar e programar máquinas para obter melhores resultados com a tecnologia.

A primeira faceta comportamental da agilidade de aprendizado é justamente a inovação, definida aqui como a habilidade para perguntar, questionar e desafiar suposições para descobrir novas maneiras de se fazer as coisas.

O segundo componente é a execução. Inclui o aprendizado rápido a partir da experiência com os desafios novos. Isso requer habilidades de escuta, observação de cenários e gerenciamento do estresse causado pela ambiguidade, pois são essas as características que permitem que pessoas com alta agilidade de aprendizado adquiram novas capacidades mais rapidamente e desempenhem melhor do que seus colegas menos ágeis.

 A terceira vertente da agilidade de aprendizagem é a reflexão. Indivíduos com agilidade de aprendizado refletem e frequentemente revisitam suas atitudes e reações frente aos novos desafios e experiências. São pessoas com sede de feedback e que dedicam energia ao processamento de informações. 

O quarto aspecto essencial da agilidade de aprendizado envolve a busca ativa pela exposição ao desconhecido. Novas experiências nutrem profissionais com alto nível de agilidade de aprendizado.

Diferentemente dos quatro aspectos anteriores, a defensividade, o quinto aspecto medido pelo CCL, é, na verdade, um comportamento destrutivo para a aprendizagem. Pessoas que ficam fechadas ou defensivas quando desafiadas ou criticadas tendem a ter menor agilidade de aprendizado, em oposição aos indivíduos abertos e flexíveis.

Com base nesses elementos, é possível para as organizações estabelecerem, na prática, ações focadas para valorizar pessoas com essas características. A figura do profissional inquieto e questionador não pode ser sufocada pela sua inobservância. Pelo contrário, são para esses potenciais que os holofotes do RH devem estar direcionados.

O poder das carreiras não lineares

A definição de sucesso profissional está sendo radicalmente reescrita. Não estamos mais limitados à tradicional estrada, baseada na formação acadêmica, nas estruturas piramidais de cargos e na progressão linear que uma vez nos conduziu a carreiras previsíveis. Estamos em uma era de carreiras não-lineares, onde as oportunidades se expandem em todas as direções e onde a inovação e a adaptabilidade são as chaves para o sucesso.

Do ponto de vista das empresas, a construção de alternativas de carreira não lineares significa um novo formato para dar oportunidades e aproveitar o potencial de contribuição dos funcionários. O modelo tradicional baseado em progressão linear está cada vez mais limitado. Segundo estudo da consultoria global Mercer, os números de níveis hierárquicos caíram de 18 para 8 nos últimos 20 anos. A necessidade de aumentar eficiência fez com o que estruturas fossem achatadas gerando menos opções de crescimento tradicional.

Além disso, os dados mostram que o principal fator para perda de talentos é a falta de desenvolvimento profissional. Estudo do LinkedIn mostrou que para 61% dos profissionais o fator chave para ficar na empresa é possibilidade de crescimento.
Temos uma equação de difícil resolução. De um lado estruturas enxutas e do outro, pessoas querendo mais espaços e crescimento.

A carreira não linear é uma forma de lidar com essa problemática. Nela, as pessoas podem trabalhar em atividades complementares circulando na empresa de acordo com as atividades disponíveis e sua possibilidade de contribuição. É como um profissional que está na área de vendas, mas pode trabalhar algumas horas da semana na área de recursos humanos contribuindo numa iniciativa específica.

A não linearidade significa a formalização de um aspecto cada vez mais vivo nas expectativas de carreira de muitos profissionais: o interesse de contribuir além do cargo que ocupam.

Em que pese fenômenos recentes como o “quiet quitting”, em que profissionais só querem fazer aquilo para que foram contratados e nada mais, temos um número significativo de pessoas com fome de aprendizado e interesse em colaboração além da área em que atuam.

Querem se destacar e contribuir e não necessariamente ter mudança de cargo. Entendem que participar de uma atividade complementar ao seu foco pode ser um caminho para ampliar networking e visibilidade na empresa.

A carreira não linear, também chamada de carreira em nuvem, não pode ser imposta. Precisa ser dialogada uma vez que determina esforço adicional. Esse diálogo deve considerar o interesse do profissional, momento de vida e capacidade de equilibrar suas demandas.

O movimento exige uma mudança cultural dos líderes que precisam escutar e encorajar seu time. Não podem impor e nem bloquear, precisam construir. A carreira em nuvem é uma caminhada que exige dedicação extra e isso só acontece quando o individuo entende os ganhos para sua carreira.

A não linearidade é um exercício de protagonismo em seu estado mais genuíno, pois exige autoconhecimento para descobrir interesses e paixões. Também é um movimento que sintetiza a ideia de aprendizagem permanente e adaptabilidade. É um treinamento poderoso para habilidades essenciais do século XXI e também um caminho para pensar em novos formatos de trabalho e reforçar a capacidade de gerar renda para além do emprego tradicional.

À medida que o mundo do trabalho continua a evoluir, as carreiras não-lineares estão se tornando a norma, não a exceção. É um caminho para abraçar a diversidade de oportunidades que a vida profissional moderna oferece pode ser uma jornada emocionante e gratificante, gerando ganhos para indivíduos e organizações.

A educação corporativa e o risco de erosão do protagonismo

Arraigada nas entranhas corporativas, a cultura de comando e controle pode estar escondida até na melhor das intenções de desenvolvimento. Muito se engana quem só vê paternalismo em convocações de volta aos escritórios ou nas ações de micro gerenciamento dos líderes de pensamento antigo.

Ao assumir a responsabilidade excessiva pelo desenvolvimento dos funcionários, a área de RH também corre o risco de arbitrariamente limitar a autonomia e sufocar o protagonismo de carreira, entregando um caminho pronto de qualificação.

Uma estratégia de desenvolvimento que desconsidera o indivíduo e seus interesses não tem como dar certo. Os resultados de uma recente pesquisa feita pela equipe da plataforma eLearning Industry com 1.000 profissionais de diferentes áreas nos Estados Unidos explicitam isso.

Com base na oferta de treinamento disponível em suas organizações, um em cada três trabalhadores entrevistados disse preferir que a empresa realoque os recursos gastos para outro benefício.

São trabalhadores que prefeririam receber subsídios para academia ou outros benefícios de saúde e bem-estar a fazer os treinamentos oferecidos no atual portfólio de desenvolvimento da empresa.

Trata-se de um dado entristecedor e que mostra a tamanha desconexão entre a oferta de treinamento e a expectativa de aprendizagem contínua dos funcionários. De acordo com a pesquisa, os entrevistados classificaram as oportunidades de treinamento oferecidas como ultrapassadas, irrelevantes e uma perda de tempo!

A falta de participação dos funcionários na construção do portfólio de treinamentos é um dos motivos que respondem pela falta de engajamento em processos de treinamento. Uma das recomendações da eLearning Industry é que haja pesquisas periódicas sobre a necessidade de aprendizagem dos funcionários. O que de fato é relevante para o dia a dia de trabalho do profissional e para seu avanço na carreira?

A criação de programas personalizados é também um dos pontos levantados pela pesquisa já que uma das principais críticas aos programas de aprendizagem e desenvolvimento existentes é que os funcionários não enxergam como esses programas podem beneficiar suas carreiras. É a falta de resposta à famosa pergunta: “que vantagem Maria leva”?

É preciso dar clareza ao processo de desenvolvimento, mostrando quais competências e habilidades são necessárias para cada novo passo na jornada dentro da organização.

Treinamentos genéricos e sem ancoragem na realidade da necessidade do time empurram profissionais curiosos para as ofertas de desenvolvimento fora da organização, o que pode contribuir para o turno ver de talentos.

Para os que ficam na organização, em última análise, entendo que essa lógica de desenvolvimento termina por erodir a chamada accountability, a auto responsabilização, uma das bases do protagonismo de carreira. Um caminho pronto e genérico relega ao indivíduo um papel inerte: cumprir uma carga horária de treinamento pré-definido pela empresa e aguardar diretrizes.

A erosão da responsabilidade pela trajetória de carreira é um risco real que pode ser evitado com planejamento que deixe claro qual é o papel do indivíduo, do líder e da organização.

O líder é um educador e um mentor de desenvolvimento. Ele deve ajudar os funcionários a desenvolverem suas habilidades e competências, mas não deve assumir a responsabilidade pelo seu sucesso. Nem tudo é culpa do líder.

O RH deve criar oportunidades para que os trabalhadores assumam a responsabilidade por seu desenvolvimento. Isso pode ser feito por meio de desafios, projetos e oportunidades de aprendizagem que tenham espaço de escolha e protagonismo. Os profissionais precisam entender que são responsáveis por sua carreira, mas que a organização está disposta a ajudá-los.

Primeira vez profissional: um guia para cada nova etapa da carreira

Da primeira entrevista de emprego à estreia como chefe, veja dicas de como transmitir segurança, sem perder o frescor de recém-chegado

A ansiedade e o nervosismo de passar pela primeira vez por uma entrevista de emprego não são sentimentos reservados apenas aos estreantes no mercado de trabalho. Ao longo da carreira, serão várias as ocasiões em que um profissional – seja ele de que área for – terá que lidar com cenários de ineditismo. Como saber qual o momento adequado de pedir um aumento, sem nunca ter feito isso antes? Como lidar com um feedback negativo? Qual postura adotar ao ser apresentado como novo gestor, transmitindo simpatia e segurança à equipe? Como demitir um funcionário da maneira mais humanizada possível, sem nunca ter vivido o processo extremo de encerrar uma relação trabalhista?

Gama ouviu consultores de carreira e cultura corporativa para colher dicas de como se portar como veterano, mesmo sendo novato em cada uma dessas situações. Confira:

Primeira entrevista de emprego – Recém-saído de um curso técnico ou de uma faculdade, o candidato a uma vaga dificilmente terá um portfólio considerável para mostrar. Então, o que o recrutador irá observar é se aquela pessoa é “treinável e moldável” para a vaga, como explica Francis Nakada, diretor de operações da Produtive, consultoria de carreira e conexões com o mercado. “Um jeito de demonstrar isso é trazendo exemplos, como mudanças de escola, de cidade e outras narrativas pessoais que sinalizem como foi sua capacidade de adaptação e o que você pode desenvolver nesses novos ciclos.”

Uma armadilha comum que muitos recém-chegados ao mercado caem nessas entrevistas é dar respostas com o objetivo de gerar identificação com o recrutador para conquistar a vaga. “Se a empresa é conhecida por ter uma cultura meritocrática e eu digo o quanto estou alinhado com ela, mesmo tendo horror a esses valores, em algum momento isso se tornará um problema, haverá um choque e ficará claro que eu não era a pessoa adequada para o cargo”, afirma Cecília Seabra, consultora da plataforma de educação corporativa HSM. “Portanto, além de compartilhar com o recrutador os diferenciais técnicos e o que busco realizar no futuro, é importante também conhecer os valores da corporação. Feat cultural é essencial”, completa Cecília.

Receber e dar feedbacks – Embora muitos torçam o nariz só de ouvir a palavra, o feedback deve ser encarado como algo maior que uma “DR de trabalho”. É dessa conversa que podem se abrir portas para uma promoção – ou para uma demissão, se não usada com sabedoria. Portanto, nada de reatividade quando o chefe chamar para um papo.

Segundo a consultora Maria Candida Baumer de Azevedo, sócia-fundadora da People & Results Career, nunca discorde dos pontos negativos que o gestor apresentar sobre seu desempenho. “Ao receber um feedback, deve-se agradecer, porque aquele superior está gastando o tempo dele para contribuir com sua performance. Usar essa ocasião para fazer o máximo de perguntas e sair com um entendimento claro de como uma determinada conduta sua prejudicou um ou mais processos é essencial”, diz a especialista. “Se depois disso, você ainda seguir discordando, converse com outros colegas sobre aquele mesmo ponto, colha outros pontos de vista.”

Quem está do outro lado da mesa também deve seguir certas regras. Se você é chefe e pela primeira vez dará um feedback, não deixar a conversa pra depois é o primeiro passo. “Fazer uma DR sobre um problema que ocorreu um mês atrás não faz sentido. É importante trazer o assunto dois, três dias depois no máximo, mencionado em que contexto o problema se deu, qual foi o comportamento observado no funcionário e que impactos gerou”, diz Maria Candida. “Feedback não se trata de ‘eu não gosto de você e do seu trabalho’. É primordial que o papo seja direto, sem margem para pessoalização: ‘na semana passada você apresentou um relatório que tinha informações inconsistentes e isso causou uma quebra de credibilidade naquilo que você estava apresentando’.”

Pedido de aumento – Antes de entrar na sala do financeiro para falar em cifras, construa um plano de ação, como indica Nakada. “Mostre que você tem um controle dos seus resultados e compartilhe isso com colegas e seu chefe. É sempre bom conversar com o gestor sobre objetivos mútuos, deixando claro qual é a trajetória que você pretende construir ali”, aconselha. “Claro que existem líderes que não dão esse tipo de abertura e não é o adequado. Mas se você se deparar com um assim, solicite um feedback, pergunte onde você precisa se aprimorar para crescer.”

Segundo Nakada, não há uma matemática exata do momento de pedir aumento, mas algo entre um ano e meio e três anos é o mais adequado. “Antes desse período, ainda não se tem um histórico consistente de geração de resultados para se apresentar à sua liderança.”

Já querer falar em aumento sem ter clareza de onde está se acertando e se errando, é um tiro no pé, como alerta Maria Candida. “Como posso chegar em um chefe e pedir um aumento, sendo que posso estar deixando a desejar em algum ponto? Isso vem acontecendo muito com as gerações mais novas, uma miopia de autoavaliação. Muitas vezes, acham que estão fazendo um trabalho maravilhoso, quando estão à beira da demissão.”

Estrear como chefe – A conquista de um cargo de liderança pode vir acompanhada de um momento intimidador: a primeira reunião com o time. É ali que serão tiradas as primeiras impressões e, algumas, ficarão para sempre. “Nesse momento deve-se buscar um equilíbrio entre mostrar potências e vulnerabilidades. O novo chefe deve dar pistas do que tem de melhor para aquela equipe e que, os pontos vulneráveis, sejam um elo de empatia”, explica Cecília.

Outra dica da especialista é ser coerente com a própria imagem, não criar um personagem do “chefe”, nem outra diferentes nas plataformas digitais. “Não há coisa mais desagradável para uma equipe do que ver uma pessoa ótima nas redes sociais e descobrir que no dia a dia não é nada daquilo. Ou ver um chefe que diz que algumas coisas são prioritárias e com a convivência ver tudo aquilo ser posto abaixo. Coerência em quem a gente é e como a gente lidera é primordial.”

Demitir um funcionário – “O principal ponto de uma demissão é que ela não deve ser uma surpresa para nenhum dos envolvidos”, explica Nakada. O especialista alerta que, antes de tomar a decisão, o chefe deve ter dado todas as oportunidades para que o funcionário tenha tido chances de mudar o quadro. “Feedbacks francos sobre problemas que estejam acontecendo devido ao mau desempenho em algum ponto devem preceder essa decisão. A pessoa tem que ter sido alertada de que se ela não mudasse de atitude ou se ajustasse em algum ponto, aquilo poderia levar ao desligamento da empresa.”

Assim como há o processo de seleção, também deve haver um processo de demissão, pontua Maria Candida. “A começar pela escolha da data. Demitir alguém perto de uma data comemorativa ou de férias, onde o funcionário programou um gasto com viagem, é desnecessário”, diz a consultora. “E não se demite ninguém numa sexta-feira. A pessoa passa um fim de semana péssimo. O ideal é que seja no começo da semana e daquele dia. Com isso, o demissionário terá horas comerciais pela frente para se refazer da notícia ruim e se reconectar consigo mesmo.”

Outro ponto importante é que, na conversa, a notícia da demissão seja dada logo no início, seguida dos motivos. “Não adianta querer começar o assunto dando feedbacks que, a essa altura, já deviam ter sido dados. Ali é o momento de dizer: ‘por causa dessa e dessa situações, das quais você já havia sido alertado algumas vezes, decidimos não dar continuidade ao seu contrato’”, exemplifica Maria Candida. “E dê espaço para a pessoa dizer como está se sentindo. Crie um canal empático e se coloque à disposição para uma possível recomendação”.