As mentiras do mercado e a nossa elegante submissão


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Artigo de Rafael Souto publicado em 2 de julho de 2015 em sua coluna Novas Conexões, do Valor Econômico:

Rafael Souto

Completei 20 anos trabalhando com transição de carreiras. Atendo executivos dos mais diversos setores e escuto suas histórias profissionais. Observo a cultura das empresas. Também visito organizações e converso com seus dirigentes. Com o passar dos anos, fui montando um mosaico formado por essas percepções.

Tenho me deparado com um número crescente de críticas dos profissionais ao mercado e a forma como as empresas operam.

O rol dessas mentiras corporativas é interminável. Basta que o leitor faça um exame sincero de sua organização e teremos uma lista ampliada.

Um capítulo que merece destaque são as mentiras sobre a contratação de pessoas. Com frequência elevada ouvimos expressões do tipo “buscamos perfil inovador”.  “Criativo” e “ousado” também são requisições invariavelmente solicitadas pelos contratantes. Pura ilusão. Eles estão, na verdade, cada vez mais famintos pela hiperespecialização. Contratam pessoas que faziam exatamente as atividades que estão na descrição de perfil. Querem alguém que tenha as mesmas experiências e de preferência no mesmo setor econômico. Nada inovador. Buscam isso para minimizar o risco. Pressionados pelos resultados de curto prazo, nenhum gestor quer inovação. O impacto negativo de uma contratação errada convida ao conservadorismo.

Outro discurso da moda é sobre o perfil empreendedor. Muitas empresas falam em contratar pessoas com mentalidade de dono. Gostam de dizer que valorizam essa visão. O mercado inventou o “intraempreededorismo”. Expressão para citar o executivo que trabalha numa empresa como se fosse sócio. Outro jogo de palavras. Se o discurso fosse verdadeiro, contratar alguém que já tenha sido empreendedor faria todo o sentido. Não é o que ocorre. O mercado de trabalho é altamente preconceituoso com pessoas que tiveram negócios e querem buscar uma recolocação como executivo. Novamente o coeficiente do medo age na cabeça do contratante e ele não consegue se mover. Congelado, volta a selecionar os mesmos perfis.

Da mesma safra de mentiras comuns está o feedback sobre o processo seletivo. As empresas se dedicam aos profissionais que seguem na seleção e, em última instância, aos que são escolhidos. Os outros fazem parte de uma lista de esquecidos. Desejados em algum momento. Chamados para um contato, mas apagados quando não mais interessam.

As reduções de estrutura da área de gestão de pessoas e um misto de desinteresse fazem com que a imensa maioria das empresas não dê retorno aos candidatos.

O preconceito com a idade é outro fator desse grupo de disfarces para contratar. As empresas trabalham com um discurso de inclusão e ausência de preconceito. Escrevem isso em seus quadros sobre missão e valores. Na prática, não contratam pessoas com mais de 40 anos que não ocupem posições executivas. O aumento da longevidade e os novos ciclos de carreira em nada seduzem esse contratante que segue selecionando profissionais com a mentalidade de 30 anos atrás, quando as pessoas viviam muito menos e as carreiras terminavam mais cedo.

A meritocracia é outro jargão corporativo que na maioria das empresas é um faz de conta. A lógica desse sistema é reconhecer e premiar aqueles que dão os melhores resultados, diferenciando-os.

A realidade é que a maior parte das promoções é baseada em articulações políticas. A análise do poder e a proximidade de quem decide valem mais do que os resultados. A meritocracia é uma cenoura para estimular a média gestão. Na cúpula, a transição é eminentemente política. Resultados são a órbita do núcleo político de poder.

Essas críticas sobre a incoerência entre o discurso e a prática me fazem refletir. A questão central que sempre me persegue é sobre quem é o mercado. Esse ser abstrato é composto por quem? Não são seres de outro planeta. Somos todos nós que discordamos da falta de visão das empresas, criticamos sua lentidão e pouco fazemos para mudar. Os executivos que reclamam serem apenas competitivos no setor econômico que trabalhavam, quando se recolocam, seguem a mesma lógica de contratação. Somos todos hipócritas, parte de uma geração de politicamente corretos e elegantes submissos. Quando temos o poder, reproduzimos o modelo sem nenhuma ousadia. Somos replicadores das práticas que condenamos ferozmente. Doce século XXI.

Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado

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