Adaptação de carreira e a sobrevivência da espécie executiva
Artigo de Rafael Souto para o Valor Econômico publicado em junho de 2014:
A adaptabilidade das espécies como mecanismo de sobrevivência foi concebida por Charles Darwin, no século 19. De lá para cá, a teoria foi questionada, ajustada e discutida. Mas a premissa essencial segue viva: os seres que não se ajustam ao ambiente e a competição tendem a desaparecer. Esse é um movimento genuíno da natureza – sábia e implacável.
Quando tratamos de gestão de carreira, o teórico norte-americano Mark Savickas desenvolveu o tema e concebeu quatro dimensões para tratar a questão, chamando de “Adaptabilidade de Carreira”.
A primeira delas é a Consideração ou Preocupação com a carreira. Diz respeito ao quanto uma pessoa preocupa-se com o futuro, pensa e planeja seu projeto profissional, analisando não apenas o curto prazo. Revela a capacidade de pensar estrategicamente o projeto de vida.
A segunda dimensão chama-se Controle. É o quanto um profissional considera que a carreira é de sua responsabilidade e que deve ser o protagonista na condução de sua vida profissional. Entende que essa gestão é indelegável e tem consciência que num mundo empresarial de competição acirrada e com organogramas enxutos, não existe mais plano de carreira na empresa. O plano é do indivíduo, que deve navegar nas oportunidades, refletindo sobre quais estão alinhadas ao seu planejamento.
A terceira dimensão é a Curiosidade. Refere-se ao quanto um profissional tem capacidade exploratória e está aberto ao novo. Trata do comportamento ativo de pesquisa do ambiente, por meio de constante questionamento, reflexão e busca de informações sobre si e sobre seu contexto.
Por fim, Savickas traz a dimensão chamada Confiança. A autoconfiança, ou senso de autoeficácia, denota antecipação do sucesso ao enfrentar e transpor obstáculos, a capacidade de manter as aspirações e os objetivos a despeito de dificuldades e barreiras.
Esses quatro “Cs” constituem a adaptabilidade de carreira e revelam o quanto uma pessoa tem prontidão para tratar sua carreira. Quanto maior o nível da adaptabilidade, maior será a possibilidade de lidar com as mudanças no mundo do trabalho.
A consciência de que fazer a gestão de carreira passou a ser responsabilidade do indivíduo e não das organizações foi disseminada na década de 1990, no Brasil, com o surgimento do neologismo da empregabilidade e do fenômeno mais intenso dos empregos com curta duração. Essas mudanças exigiram que as pessoas se preparassem para competir num mercado menos seguro.
Nesse sentido, a construção de Savickas não inova na ideia de autogestão de carreira, mas sim na forma de sistematizar os fatores essenciais para sobreviver num mercado de trabalho novo e desafiador. Permite compreender e descrever as diferenças no modo em que as pessoas gerenciam suas carreiras.
Também convém destacar o papel dos líderes no desenvolvimento da adaptabilidade de carreira de suas equipes. Um líder que provoque diálogos sobre o futuro profissional e estimule a reflexão estará contribuindo para a educação sobre carreira e colocando a responsabilidade no colo de quem sempre deveria estar: o próprio profissional, único e último responsável por sua trajetória.
Quando a ideia de adaptabilidade de carreira surgiu, Savickas não a vinculou às teorias darwinianas de sobrevivência das espécies. Mas, quando analiso o mercado, a complexidade das relações e suas rápidas transformações, fico com a certeza de que os indivíduos que não desenvolverem seus quatro “Cs” de adaptabilidade terão alto risco de acabarem extintos. Poderão desaparecer como o Dodó, exótico pássaro extinto nas Ilhas Maurício – arquipélago próximo ao continente africano -, sem terem conseguido encontrar um espaço na nova ordem mundial. Provavelmente queixosos do mundo de sua época, assim como alguns executivos que relutam em aceitar a finitude do emprego, fogem da ideia de assumir a gestão de carreira como sua exclusiva responsabilidade e esperam que as empresas construam seu desenvolvimento. Esses profissionais que não exercitam sua capacidade exploratória certamente não terão espaço no mundo do trabalho contemporâneo.
Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado