A anatomia das carreiras vencedoras: o caminho do topo
Novo artigo de Rafael Souto publicado em sua coluna Novas Conexões, do Valor Econômico, na última quinta-feira, 24:
Rafael Souto
No último artigo que escrevi para esta coluna, analisei as carreiras bem-sucedidas pela ótica da tomada de decisão em relação a um novo trabalho. Em resumo, as decisões mais consistentes estão baseadas num trinômio que avalia a empresa, a função a ser desempenhada e a remuneração. Os três aspectos precisam ser profundamente considerados para minimizar os riscos inerentes à transição.
Neste texto quero tecer uma breve análise dos executivos que atingiram posições de alta gestão. Estou considerando profissionais que alcançaram posições de presidente, vice-presidente e diretoria.
Convém destacar que essa é uma análise limitada sobre o que pode ser considerado “carreira vencedora”. A escola contemporânea de carreira chamada “Life Design” (desenho de carreira) reflete sobre o tema e diz que a satisfação está muito mais ligada à motivação interna sobre o papel de trabalhador do que ao nível do cargo alcançado. A felicidade está mais conectada à realização de um conjunto de aspectos da vida do que à posição no organograma.
No entanto, sabemos que boa parte dos profissionais ambiciona um cargo executivo de alto nível. Por isso, quero aprofundar a análise sobre esse grupo de pessoas.
Para construção dessa reflexão, analisei uma amostra de 85 executivos de alta gestão. Um dado ficou muito evidente nas trajetórias ascendentes: o tempo de permanência nas organizações. Desse total, 90% tinham permanecido pelo menos cinco anos numa empresa. 60% deles tinham dez anos ou mais numa companhia. Outro dado importante é que, em 80% dos profissionais, a promoção para o alto nível veio na empresa em que ficaram mais tempo.
Apenas 5% dos profissionais tiveram uma promoção num movimento de troca de empresa. Ou seja, eram gestores intermediários e numa mudança para outra organização foram elevados a um cargo de alta gestão.
Quando comecei a trabalhar com aconselhamento e transição de carreira nos turbulentos anos de 1990, um tema que assustava novos contratantes eram os profissionais que permaneciam muito tempo na mesma organização. O receio era de que não iriam se adaptar a uma nova cultura e que seriam pessoas acomodadas. Eram dinossauros. Se olharmos o contexto da época, vivíamos uma transformação brutal no mercado de trabalho. Os ciclos de longo prazo estavam sendo destruídos pela reengenharia. As empresas queriam oxigenar seus negócios. Começamos a construir uma cultura de que trocar de trabalho era positivo.
Os profissionais puderam fazer escolhas e dar o rumo de sua carreira. Não queriam, com razão, ficar esperando as decisões da empresa. Desejavam ser protagonistas. Esse movimento positivo somado ao aquecimento do mercado de trabalho impulsionou as pessoas para um troca-troca desenfreado. Passamos a viver uma fase descalibrada de ciclos profissionais. Fomos lambuzados com a oferta de trabalho mais intensa dos anos 2000. Boa parte dos jovens profissionais passou a realizar trocas muito frequentes sem construir nada sólido por onde passavam.
Os dados do estudo que realizei e minha percepção sobre os profissionais com ascensão consistente mostram que a lógica de ciclos mais duradouros ainda é um fator decisivo para chegar ao topo.
A anatomia dos currículos de primeira linha não deixa dúvidas. Chegar ao topo exige tempo numa empresa. É preciso construir confiança e conhecimento do negócio. A experiência na posição e o desenvolvimento de alianças internas também exigem tempo.
O difícil é encaixar esse discurso na prática. O que vemos no mercado são pessoas muito dispostas a mudanças pensando no curto prazo. Querem promoções com velocidade supersônica. E, por outro lado, empresas que não hesitam em demitir no primeiro sopro de crise e falta de resultados. Está cada vez mais difícil construir ciclos sólidos.
Vou continuar dissecando os aspectos que compõem as carreiras vencedoras nos próximos artigos dessa coluna.
O tempo de permanência num trabalho não é o único, mas é um dos fatores que integram esse conjunto de características. Aqueles que conseguem explicar seus projetos concluídos e que fizeram movimentos de carreira com lógica terão vantagem. Por outro lado, os que passam mais tempo explicando por que mudaram de trabalho e muito pouco sobre suas contribuições ficarão mais distantes do topo.
Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado